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Judiciário em xeque Polícia Federal fecha balcão de negócios e afasta cúpula da Justiça de MS STJ afastou atual presidente e futura gestão do TJMS e expõe esquema de venda de sentenças no alto escalão do Judiciário local, que advogados chegaram a chamar de "leilão" 25 OUT 2024 • POR Eduardo Miranda • 03h00
Operação contra esquema de venda de sentenças foi deflagrada nesta quinta-feira; TJMS foi um dos alvos   Marcelo Victor

A Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal (PF), com o apoio da Receita Federal, ontem fechou um imenso balcão de negócios que funcionava no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), envolvendo desembargadores, juízes de primeira instância, advogados (muitos deles filhos dos desembargadores), conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) e empresários que podem ter se beneficiado do esquema de venda de sentenças.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão determinou o afastamento de cinco desembargadores de suas funções: o presidente da Corte, Sérgio Fernandes Martins; o presidente eleito da Corte, Sideni Soncini Pimentel; o vice-presidente eleito, Vladimir Abreu da Silva; e Marcos José de Brito Rodrigues e Alexandre Bastos. Todos eles estão proibidos de se comunicar entre si e de retornar ao TJMS e deverão utilizar tornozeleira eletrônica.

Também estão afastados de seus cargos, com uso de tornozeleira eletrônica e impedidos de se comunicar com outros investigados, o conselheiro do TCE-MS Osmar Domingues Jeronymo e seu sobrinho Danillo Moya Jeronymo, servidor comissionado do TJMS.

Na Corte de Contas, prédio vizinho ao TJMS, o estrago é ainda maior, pois Jeronymo se junta a Waldir Neves, Iran Coelho das Neves e Ronaldo Chadid, conselheiros já afastados. Dos sete conselheiros da Corte de Contas, apenas três estão aptos a trabalhar.

A operação da Polícia Federal também afeta a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso do Sul (OAB-MS). A advogada Camila Bastos, vice-presidente da OAB-MS e filha do desembargador Alexandre Bastos, foi um dos alvos da operação.

Quanto ao afastamento dos desembargadores, conselheiro do TCE-MS e servidor do TJMS, a decisão do ministro do STJ Francisco Falcão não atendeu ao pedido da Polícia Federal.

Os agentes queriam, na verdade, a prisão de alguns dos envolvidos, como o já citado Osmar Jeronymo, além do desembargador aposentado e atualmente advogado Júlio Roberto Siqueira Cardoso, o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha, Diego Moya Jeronymo, Everton Barcelos de Souza e Percival Henrique de Souza Fernandes. Felix Jayme e Diego, segundo apuração da PF, eram grandes operadores do esquema, lidando com os pagamentos feitos aos desembargadores.

O balcão

As vendas de decisões, popularmente conhecidas como vendas de sentenças, ocorriam de diversas formas e em vários processos. Um caso emblemático envolve desembargadores do TJMS, que aceitaram decisões baseadas em uma escritura falsa, lavrada no estado do Paraná, para transferir a propriedade de uma fazenda em Maracaju.

Policiais federais apreenderam cofre no Tribunal de Justiça de MS/Marcelo Victor

Outro caso envolve o desembargador Marco José Brito Rodrigues, que ajudou um colega do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS): o procurador de Justiça Marco Antônio Sottoriva, que havia feito um mau negócio na compra de uma fazenda. Sottoriva queria desistir da compra e enfrentava um contencioso de R$ 5 milhões na Justiça com a outra parte.

Brito Rodrigues decidiu sem ler o processo, delegando ao seu assessor a elaboração da decisão, e atendeu ao pedido do amigo. Posteriormente, Sottoriva conseguiu um acordo para se livrar de pagar parcelas, aluguéis e lucros cessantes no desfazimento do negócio. Sottoriva agradeceu a Brito pela decisão favorável: “Graças a Deus e a seu trabalho”.

Há também o caso do ex-prefeito de Bodoquena, Jun Iti Hada, que pediu para parcelar a compra de uma decisão (para rescindir uma sentença em que ele havia sido condenado) em duas vezes, além de decisões favoráveis para soltar traficantes.

“Leilão danado”

Em alguns casos, Felix Jayme tinha plena confiança nas vitórias que obtinha. Em algumas sessões muito acirradas nas câmaras cíveis, Jayme chegou a chamar o processo de “leilão danado”.


Ele comentou:

“Tô tikado num julgamento que sairá às 14h de hoje. Vou faturar por 3 x 2”, escreveu, em diálogo por WhatsApp com Danillo Jeronymo.

Depois, o colega riu, digitando “kkkk”, e Felix Jayme continuou:

“Pqp, leilão danado! kkkkk”.

Danillo Jeronymo riu novamente e acrescentou, referindo-se aos desembargadores: “Cada um quer mais que o outro”.

De fato, Felix Jayme ganhou. Votaram com ele o presidente do TJMS, Sérgio Martins, Marcos Brito (que ele chamou de Marcão) e Divoncir Schreiner Maran. Votaram contra João Maria Lós e Marcelo Rasslan.

“Apresentamos os fundamentos que nos levaram à conclusão de que, diante do posicionamento dos desembargadores Sérgio Fernandes Martins, Divoncir Schreiner Maran e Marcos José de Brito Rodrigues em revogar a decisão de outros três desembargadores com base em fundamento formal, restaurando decisão na qual outros três desembargadores verificaram erro no mérito da causa, somado às mensagens de Felix Jayme, no sentido de que tal decisão foi obtida por meio de corrupção, entendemos haver fortes indícios de que tal decisão, proferida em 6/4/2021 pelos citados desembargadores, foi fruto de corrupção por parte deles”, afirmou a Polícia Federal na representação contra os investigados enviada ao STJ.

Quam são os envolvidos?

Afastados dos cargos e com tornozeleira eletrônica:

Alvos dos mandados de busca e apreensão:

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