O comércio de Mato Grosso do Sul deve encerrar o ano com expectativas retraídas para o principal ciclo de consumo do varejo: Black Friday, Natal e Ano-Novo. Duas pesquisas divulgadas pelo Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Fecomércio de Mato Grosso do Sul (IPF-MS), em parceria com o Sebrae-MS, indicam queda de 18% no volume de compras da Black Friday e recuo de 38% na movimentação financeira do fim de ano, que deve alcançar R$ 824 milhões, ante R$ 1,27 bilhão no ano passado.
O movimento econômico geral segue expressivo, mas a contração, considerada a mais responsável pela série recente, revela um consumidor mais seletivo, cauteloso e com crédito mais restrito. O freio no consumo vem na esteira de um dado já noticiado em reportagens do Correio do Estado: o crescimento da inadimplência.
A Black Friday deste ano deve movimentar R$ 354 milhões no comércio de Mato Grosso do Sul, valor que representa queda de 18% na comparação anual. Do total de entrevistados, 52% pretendem comprar, mas 48% dizem que não devem consumir na data. Entre os que vão às compras, o digital domina: 78% farão compras online, enquanto 23% vão às lojas físicas. No presencial, o centro da cidade lidera como destino principal, com 43% da preferência, seguido pelos shoppings (27%), galerias (13%) e bairros (12%).
Os itens mais buscados são bens de maior utilidade imediata e impacto no cotidiano do cliente, 21% pretendem comprar produtos para o trabalho, 20%, notebooks e computadores, 19%, móveis e eletrodomésticos/eletrônicos, e 14%, tablets e celulares. Cerca de 10% ainda não decidiram o que comprar. Já entre os motivos para não participar da data, lidera a desconfiança em relação aos descontos (53%), seguido por incerteza econômica (20%), falta de dinheiro (18%) e receio de gastar (10%).
Para a economista do IPF-MS, Ludmila Velozo, o comportamento reflete um cliente que faz escolhas mais racionais.
“A Black Friday continua sendo um momento relevante para o comércio, especialmente pelo aumento do tráfego digital e pelo planejamento de compras por parte dos consumidores. O que observamos em 2025 é um comportamento mais racional, em que o cliente compara preços, prioriza itens de maior necessidade e busca descontos realmente vantajosos”.

FIM DE ANO
A pesquisa de intenção de consumo para o Natal e o Ano-Novo estima que o fim de ano deve circular R$ 824 milhões na economia do varejo e dos serviços de Mato Grosso do Sul. Estima-se que R$ 226 milhões serão destinados à compra de presentes, R$ 243 milhões às confraternizações de Natal e R$ 354 milhões às festas de Ano-Novo. O total representa um recuo de 38% em relação ao ano anterior, quando a data movimentou R$ 1,27 bilhão, sinalizando um consumidor cauteloso e com limite de crédito ainda mais curto.
Mesmo com menos dinheiro por compra, 69% dos entrevistados dizem que vão presentear no Natal, porém, com gasto médio menor, de R$ 217,36 por pessoa. Os itens mais buscados seguem o apelo do afeto e do cotidiano, como brinquedos, roupas, eletrônicos e cosméticos. A maioria (78%) pretendem comemorar o Natal, quase sempre em encontros íntimos, com gasto médio de R$ 206,35 com alimentação feita em casa.
Já na virada, 80% dizem que vão celebrar o Ano-Novo, com gasto médio de R$ 294,19, também centrado em comida, encontros familiares e viagens curtas, uma vez que 64% dos que vão viajar permanecerão no Estado.
A economista do IPF-MS e coordenadora da pesquisa, Regiane Dedé de Oliveira, avalia que o afeto se mantém, mas sem exageros. “Percebemos um consumidor mais prudente, que busca equilibrar o orçamento sem abrir mão das tradições. O aumento do número de pessoas que pretendem presentear indica o sentimento de afeto, mas com escolhas mais calculadas e foco em gastos essenciais”.
O analista técnico do Sebrae-MS Paulo Maciel fala sobre os desafios dos negócios menores. “A maioria dos clientes, 55%, prioriza a qualidade e busca o benefício para pagamento à vista para economizar. As empresas precisam preparar estoques e melhorar as condições de pagamento”.
INADIMPLÊNCIA
O avanço da inadimplência em Mato Grosso do Sul é justificativa para compras com mais cautela. Conforme já mostrou o Correio do Estado, 1.196.534 sul-mato-grossenses estão negativados, com 5,1 milhões de dívidas, somando R$ 8,39 bilhões em débitos.
Este ano, 63% dos consumidores vão receber o 13º salário, mas apenas 11% pretendem destinar o valor diretamente às festas de fim de ano. A maior parte do recurso será usada para economizar (22%) ou pagar contas do início de 2026 (17%), o que reforça o 13º como ferramenta de alívio financeiro para quitar restrições e recompor orçamento, e não como gatilho de compras de impulso.
O sentimento captado pelas pesquisas também se confirma na fala do consumidor que está completamente fora da estatística dos que vão receber 13º salário.
A vendedora autônoma Adriana Kruki, de 48 anos, conta que o ano foi de orçamento curto no cotidiano. “Eu não tenho dinheiro para comprar nada, nem 13° terei porque sou autônoma. A situação está difícil. O dinheiro que a gente ganha tem que guardar”.
A diarista aposentada Iracy Monteiro, de 61 anos, também expressa essa incerteza. “Sou aposentada e esse ano não terei dinheiro. A situação está bem difícil, quem sabe ano que vem sobra alguma coisa. Não vou comprar nada porque não tenho dinheiro, vou esperar o presente”.
A queda no consumo já influencia também na reconfiguração de estratégias no comércio do Centro de Campo Grande. A empresária Cláudia Barros, que comanda loja de roupas com seu nome, revela que reviu o plano de contratações temporárias.
“Ia contratar três, mas vou contratar só um. A demanda aumenta, mas ano passado não foi como o esperando”. Para melhorar a taxa de conversão dentro de uma procura seletiva, ela decidiu reformar o layout de loja e “expor peças ao alcance do cliente, favorecendo autoatendimento e mais eficiência no atendimento em altas de demanda”.
Em contraponto, alguns lojistas estão otimistas com as vendas. O gerente Elvis Duarte, do grupo Lojas MM, vê janela de troca de itens represados e busca por nome limpo como estratégico. “O 13º será um injetor financeiro. Estamos vendo negociação de dívidas. O consumidor quer entrar em 2026 com o nome limpo”.
No varejo de moda e calçados, o gerente da Passaletti, Carlos Quintana, aposta em condições longas de crediário, parcelamento e mix ampliado de produto. “Temos peças com brilho, pedraria, linha clássica para homens e parcelamento em oito vezes, com o 1º pagamento para 70 dias”. (Colaborou Alison Silva)
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