Desde 2006, entidades médicas nacionais têm alertado as autoridades e a população sobre riscos relacionados ao uso do polimetilmetacrilato (PMMA) como preenchedor cutâneo ou de áreas extensas, como glúteos. Porém, as sucessivas notas e pareceres não atingiram seu objetivo de restringir o emprego dessa substância.
Pelo contrário, percebe-se o aumento vertiginoso da aplicação do PMMA em procedimentos estéticos, inclusive por profissionais não médicos, causando imenso dano à população. No noticiário e nos consultórios, é evidente a recorrência de casos de sequelas e mortes com origem no emprego desse polímero, que faz parte do arsenal da medicina desde a Segunda Guerra Mundial.
Seu uso na medicina teve início naquela época, sendo empregado na reconstrução de defeitos cranianos. Posteriormente, foi introduzido como cimento ósseo e na fabricação de lentes oculares, além de ter usos também na odontologia. Como material de preenchimento, sua adoção começou nos anos 1990.
Contudo, sua aplicação como preenchedor foi cercada de controvérsias, desde poucos anos após sua introdução no mercado. Atualmente, a prática clínica e evidências científicas sólidas revelam problemas complexos decorrentes da injeção dessa substância em preenchimentos cutâneos e de partes moles.
Por ser material não reabsorvível e permanente, o PMMA é capaz de gerar complicações mesmo muitos anos após sua aplicação. Entre elas estão formação de nódulos, granulomas, processos inflamatórios crônicos, embolias, necroses teciduais, infecções persistentes, insuficiência renal, deformidades irreversíveis e mortes.
A situação se agrava ainda mais, pois complicações relacionadas ao PMMA não são de fácil condução. Esses tratamentos envolvem o uso contínuo de imunossupressores e sua remoção cirúrgica está necessariamente associada à retirada de parte dos tecidos saudáveis preenchidos. Geralmente, esses atos resultam em danos estéticos e funcionais significativos.
Assim, em virtude do elevado risco de efeitos adversos, o PMMA não é recomendado para fins estéticos e reparadores, independentemente de ser administrado por médicos ou não médicos, uma vez que as intercorrências são produto-dependentes.
Diante desse cenário e visando à proteção da sociedade, o Conselho Federal de Medicina (CFM), após ampla discussão, reuniões de câmaras técnicas e revisão das evidências científicas, encaminhou documento formal à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com recomendação para que o uso do PMMA como substância de preenchimento seja proscrito no Brasil e requerimento para que seja determinada imediatamente a suspensão de sua produção e comercialização.
O caminho proposto pelo CFM não é inédito no mundo. Na Holanda, o uso de preenchedores não absorvíveis com finalidade estética está banido desde 2015. Na Argentina, decisão semelhante foi tomada em 2022. O entendimento foi de que o risco de complicações não supera os benefícios.
Nos Estados Unidos e no Canadá, existe apenas um preenchedor à base de PMMA aprovado pelas autoridades sanitárias, cuja indicação é exclusivamente para o preenchimento do sulco nasolabial e o tratamento de cicatrizes de acne. Inclusive, não há permissão para seu uso como preenchedor no tratamento da lipodistrofia em pacientes com HIV.
Na França, a agência reguladora nacional (ANSM) adverte desde 2012 contra o uso de preenchedores não absorvíveis para fins estéticos, em função do risco de efeitos adversos graves, extremamente tardios e incontroláveis. Em seu site, a ANSM informa que produtos à base de polimetilmetacrilato deixaram de ser permitidos no país desde 2008.
Espera-se que os mesmos níveis de sensibilidade e responsabilidade sejam reproduzidos pela Anvisa. Cabe aos diretores e técnicos da agência decidirem o futuro do PMMA no Brasil, a partir da análise de artigos científicos consistentes e do posicionamento recorrente dos médicos especialistas, com o respaldo técnico e ético do CFM.
É inegável que o País está diante de uma relevante questão de saúde pública – sensível e desafiadora – que exige esforços conjuntos com o objetivo de proteger a integridade, a saúde e a vida de milhares de homens e mulheres, que estão sob ameaça com a manutenção do uso do PMMA no Brasil.