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José Carlos de Oliveira Robaldo: "Ausência do Estado e o 'poder paralelo'"

Procurador de Justiça aposentado, advogado

Redação

09/10/2017 - 01h00
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O que vem ocorrendo nas favelas do Rio de Janeiro, que não é tão diferente em relação a outros centros, espelha com muita clareza o espaço deixado pelo Estado (em todas as esferas) e a consequente substituição pelo chamado “poder paralelo”.

A cidade do Rio de Janeiro possui a maior população vivendo em favelas no País. Segundo consta, há cerca de 763 favelas, com uma população de aproximadamente 1.400.000 habitantes, o que significa mais de 22% da população da cidade. Entre as maiores estão a Rocinha, o Rio das Pedras, o complexo do Alemão, a Maré e o Vidigal.

​ Apenas para reflexão, a Rocinha e o Complexo do Alemão têm juntos uma população superior a 137 mil habitantes; Rio das Pedras, superior a 63 mil habitantes; o Complexo da Maré, com uma população quase idêntica.

Apenas para sair do Rio de Janeiro, no Distrito Federal, a favela Sol Nascente conta com uma população superior a 56 mil habitantes; Heliópolis e Paraisópolis, situadas no coração da cidade de São Paulo, juntas somam mais de 240 mil habitantes.

Um contingente populacional, portanto, superior a muitas cidades brasileiras e que vive em condições humanas deploráveis.

Isso tudo em consequência do inchaço dos grandes centros, causado, sobretudo, pelo nível de desigualdade entre as pessoas, que têm como pano de fundo, ao lado de outras variantes, a má gestão e a corrupção, como vêm sendo demonstrados ultimamente com muita veemência.

​Falando especificamente do nosso País, o quadro acima finda por criar três classes/categorias de pessoas: as que se beneficiam dos serviços essenciais prestados pelo Estado, ainda que com deficiências; aquelas que são assistidas com apenas parte desses serviços e, finalmente, aquele contingente de pessoas, especialmente que vivem nas favelas, que não são atingidas por esses serviços. Excluídas totalmente.

​O Estado, em seus três níveis de governo, não entra com os serviços essências nas comunidades que vivem em favelas. Água encanada, esgoto, energia, saúde, educação e segurança pública lá não existem. Quando presentes, com deficiência total.

​É da essência da democracia, isto é, do governo do povo, pelo povo, para o povo que o que justifica a existência do Estado é o próprio homem e suas necessidades básicas enquanto ser humano. Não fosse esse o propósito final, a existência do Estado perderia a razão de ser.

​Ora, na medida em que o Estado não cumpre o seu papel, acaba deixando um vácuo que naturalmente finda por ser preenchido por alguém, isto é, pelo chamado “poder paralelo”, seja na modalidade de “milícias” (organizações militares ou paramilitares compostas por cidadãos comuns, armados ou com poder de polícia que formalmente não integram as forças policiais/armadas de um país), seja pelas facções criminosas.

​Os fatos têm demonstrado que as favelas, sobretudo da nossa fascinante “Cidade Maravilhosa”, são dominadas pelo tráfico de drogas, por organizações criminosas fortemente armadas, a ponto de as autoridades daquela unidade da federação serem obrigadas a socorrer-se das Forças Armadas para tentar colocar ordem naquelas comunidades, o que aconteceu há poucos dias.

​A presença das Forças Armadas nessas comunidades, sobretudo em momentos extremos como ocorreu recentemente no Rio de Janeiro, a nosso ver, é importante e necessária, mas não como solução definitiva. O problema, como se diz popularmente, está mais embaixo. 

​Na nossa concepção, o Estado precisa atuar em duas linhas de frente concomitante. De um lado implantando e implementado os serviços essências e, de outro, combatendo com firmeza as organizações criminosas, com o apoio da Justiça.

​Nesse contexto, a punição dos corruptos (gestores públicos e privados) e a retomada dos bens e valores surrupiados pela corrupção, devidamente corrigidos, parece ser um passo importante no sentido de instrumentalizar o Estado para corrigir esses desvios, isto é, a sua omissão.

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O que tem para dizer o MPF?

19/11/2024 07h45

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O que há de ser entendido no silêncio que o Ministério Público Federal (MPF) adotou – quando se calou e se mantém calado – diante da solução que os governos federal e estadual encontraram para pôr fim ao caso da Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu, em Mato Grosso do Sul?

Como é sabido, a questão abarcava conflitos violentos que vinham acontecendo há décadas entre indígenas e não indígenas. Esses conflitos foram desencadeados a partir da instrução do processo administrativo em que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) demarcou – pela ocupação indígena em passado remoto que ela mesmo declarou – um território inteiro de terras particulares em Antônio João, até então, integralmente ocupado, possuído e explorado há quase um século por seus respectivos proprietários. 

O que amparava esses conflitos era a teoria do indigenato, de 1912, do ministro João Mendes, que pela ocupação indígena em passado remoto identificou a TI Ñande Ru Marangatu. Essa forma de identificação de terra indígena tem sido a causa das incontáveis invasões indígenas às terras particulares que ocorreram e que ocorrem todos os dias em MS e em muitas regiões do território nacional.

Lado outro, a Comissão Especial de Autocomposição do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o acordo, o que leva concluir que a mais alta Corte de Justiça concorda com esse modus operandi de se identificar terras indígenas e o adota, como se tanto fosse possível, na solução das causas que julga envolvendo matéria indígena. O exemplo mais recente envolve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC.

Aliás, a Corte faz confusão quando identifica terras indígenas. Ora adota a teoria do indigenato, ora adota a sua própria interpretação, proclamada na assertiva de que a “configuração de terras ‘tradicionalmente ocupadas’ pelos índios já foi pacificada com a edição da Súmula nº 650, que dispõe: ‘Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto’”.

Notadamente, o STF relativizou ainda mais o direito de propriedade constitucional diante da matéria indígena, proclamando que, uma vez constatada a ocupação indígena em passado remoto, não há que se invocar o direito de propriedade, o título translativo nem a cadeia sucessória do domínio como defesa. Em resumo, o posicionamento extremo do Supremo é de que a ocupação indígena – seja ela presente, seja ela em passado remoto (indigenato) – define a terra indígena da União. 

A seu turno, por que o MPF – ferrenho defensor dessa ordem jurídica – deixou que os governos federal e estadual pagassem aos particulares pelas terras indígenas que ocupavam e exploravam no distrito de Campestre, em Antônio João? Com a palavra, o MPF em Mato Grosso do Sul!

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A resiliência e a fé

19/11/2024 07h30

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Os desafios diários enfrentados por quem atua na proteção da natureza têm se tornado uma enorme prova de resistência e fé. As condições climáticas extremas, impulsionadas pelas altas temperaturas, ameaçam nossas reservas com o fogo e penalizam a fauna e a flora – já impactadas pela reincidência de incêndios violentos desde 2020.

Percebo que a fauna enfrenta o pior processo de extinção desde o período em que conseguimos a vitória no controle da caça, do tráfico de animais silvestres e da pesca predatória na década de 1980. O cenário atual é de destruição de habitat natural, em que espécies estão sendo dizimadas de forma assustadora, especialmente répteis e insetos. As chamas estão tão intensas que, somadas aos ventos fortes, invadem todos os lugares: locas, copas das árvores, etc, persistindo por meses de forma impiedosa.

Não há dúvidas de que estamos perdendo essa batalha. Somente neste ano já ultrapassamos os 3 milhões de hectares queimados. Esse trágico número foi alcançado mesmo com o empenho de recursos financeiros nas ações de combate, que certamente superam R$ 1 bilhão – entre os investimentos dos governos federal e estadual.

Nunca tivemos – em um histórico de 40 anos – uma infraestrutura de combate tão ampla, incluindo recursos humanos, equipamentos de logística, helicópteros, caminhões e embarcações. É importante destacar o trabalho pioneiro da Famasul, que contabiliza os prejuízos na produção das fazendas no Pantanal, já ultrapassando R$ 50 milhões.

Como podemos ser mais eficientes se nossa capacidade financeira já extrapola seus limites dos desafios e a força humana se mostra insuficiente, em algumas situações até incapaz? Estamos enfrentando algo sem precedentes e que excede nossa capacidade de resposta.

Não devemos nos omitir na identificação dos responsáveis. Eles existem, embora sejam poucos. Ainda assim, acredito que não haverá melhoras significativas na questão comportamental apenas com multas milionárias e possíveis prisões. 

A experiência de outros países, como Portugal e Austrália, nos indica que o ímpeto punitivo não traz uma solução completa. Esses países já lidam com incêndios gigantescos e perdas de vidas humanas em virtude deles há mais de 20 anos.

O mais impressionante – e certamente mais doloroso que as próprias chamas – são as acusações equivocadas e a ignorância de alguns que associam o crescimento dos incêndios às reservas de proteção. Ao contrário, as poucas áreas protegidas no Pantanal (menos de 5%) têm estruturas para evitar incêndios e ações preventivas em seus planos de trabalho, como a presença de brigadas.

Podemos reduzir a escalada dos incêndios ano após ano se implementarmos outras estratégias que não se restrinjam ao combate ao fogo, mas que incluam 
a prevenção. Devemos reconhecer que nossos planos atuais não estão trazendo os resultados esperados e que não será somente o aumento dos investimentos financeiros que nos trará a solução.

O ponto crítico é como um dos biomas mais preservados (cerca de 85%) passou a ser um grande emissor de gás carbônico no País. Os fenômenos naturais são impactados negativamente pelas condições climáticas extremas. Essa situação ameaça nosso bioma e exige novas estratégias que unam ciência e competência para enfrentar esses fenômenos sem precedentes.

Restaurar ao proprietário formas de manejo do fogo pode ser uma alternativa. Eles podem ajudar. Ao mesmo tempo, com mais tecnologia e grupos de ação de combate ao fogo, equipados com boa logística e equipamentos adequados, podemos reduzir o tempo de resposta. Não podemos desistir e precisamos ter fé e resistência para rever nossa relação com o planeta.

Poderíamos, em um gesto responsável, olhar e fazer algo pela nascente do Rio Paraguai. Não sou pessimista, mas talvez apenas a desesperança e o senso de urgência possam nos salvar.

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