Nos últimos tempos, casos de violência policial têm ganhado ampla repercussão midiática, gerando impacto substancial na opinião pública. Nesse contexto, como tem sido usual nos últimos anos para todo e qualquer assunto de importância no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez mais, foi chamado a se manifestar, arbitrando limites às operações das forças de segurança – dentro do reconhecido papel de guardião da Constituição e dos direitos fundamentais.
É com essa premissa que devemos ler a recente decisão (singular) do ministro Luís Roberto Barroso, que prevê, entre outras determinações, regramento específico para o uso de câmeras corporais por parte dos policiais militares do estado de São Paulo.
Embora seja imperioso reconhecer o importante papel das Cortes Constitucionais em ambientes institucionais em que o Estado Democrático de Direito ainda está em construção (e o STF, na realidade brasileira, já demonstrou seu relevo nesse sentido), é extremamente necessário compreender que todos os demais polos de poder da nação (aqui, já incluídos os membros dos Poderes Legislativo e Executivo) têm, também, o dever de contribuir e zelar pelo cumprimento estrito das balizas constitucionais, em igualdade de condições (do ponto de vista prático) com os membros do Judiciário.
Com efeito, o papel de “guardião da Constituição” não é (ou deveria ser) único e, muito menos, privativo do STF e/ou de seus ministros, especialmente no desempenho de atividade jurisdicional singular.
A imposição de regras minudentes em operações policiais – que, a rigor, supostamente tencionam compatibilizar a equação atividade estatal x direitos individuais fundamentais – é construção que depende, também, de conhecimentos especializados e elementos técnicos próprios por parte dos agentes públicos encarregados de operacionalizar a lógica da segurança pública.
Se, em alguma medida, a política pública de segurança, por exemplo, precisa ser ajustada ou corrigida, por qual razão devemos acreditar que tal papel cabe apenas ao Supremo? É preciso sempre lembrar, afinal, que, embora com relevante função em nosso sistema de controle do poder, a autocontenção e o comedimento são características essenciais das Cortes Constitucionais – até mesmo levando em consideração que a fonte de legitimidade de atuação do STF não é oriunda do crivo das urnas.
No contexto das duras e estressantes ações de enfrentamento para a moderação do recrudescimento da violência e da criminalidade, é, ainda, necessário pontuar que, todos nós (agentes públicos e sociedade) estamos atrelados ao devido processo legal.
Assim, é certo que há instrumentos suficientes para que eventuais ilegalidades e abusos sejam regularmente coibidos e punidos – sem que, para isso, partamos do equivocado pressuposto que agentes públicos, necessariamente, ajam de forma dolosa fora da lei, e que, portanto, seja necessário tornar o STF árbitro (prévio) de tudo.
Pensar de maneira distinta é, segundo minha análise, conceder alcance apregoado ao Supremo daquele pensado em 1988, hipotecando, assim, nossa democracia para o crivo de 11 pessoas – ainda que bem-intencionadas.
Zelar pela Constituição é, em um ambiente colaborativo de qualidade efetiva, poder-dever de todos, dentro ou fora do Judiciário. Não podemos permitir, isso posto, que os demais polos de poder sejam subtraídos de suas responsabilidades constitucionais.