Em 2024, um projeto de lei que trata do tombamento do Complexo dos Poderes – Parque dos Poderes, Parque Estadual do Prosa e Parque das Nações Indígenas (PNI) –, a fim de proteger o patrimônio histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e paisagístico, foi assunto recorrentemente noticiado.
Na semana passada, surpreso, leio aqui neste mesmo jornal os encaminhamentos para a concessão do PNI à iniciativa privada, abrangendo todos os equipamentos nele inseridos (o aquário, o Museu de Arte Contemporânea, a Casa do Pantanal, etc.).
Sou um dos arquitetos responsáveis pelo plano diretor do PNI e acompanho com interesse esses debates. No ano passado, fui convidado pela Câmara Municipal para um seminário de discussão sobre o tombamento do Complexo dos Poderes. Confirmei presença lisonjeado, pois finalmente, após quase 30 anos, o projeto do PNI (realizado entre maio e novembro de 1993) poderia ser publicamente relatado – mesmo que de forma resumida.
Por aqueles tempos, Campo Grande demandava grandes espaços de lazer e o governo do Estado intencionava realizar empreendimentos públicos institucionais. O Plano Diretor Municipal vigente à época destinava nos Altos da Av. Afonso Pena (não pavimentada) áreas para serem preservadas ambientalmente.
Nelas, no início de 1980, o governador Pedro Pedrossian concretizou o primeiro empreendimento: um centro político e administrativo para MS – o Parque dos Poderes. Anos depois, em áreas limítrofes, vieram o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) e o PNI. Por último, o Parque Estadual do Prosa, ainda incompleto.
Para o PNI, nossa abordagem projetual foi inovadora. Constituímos grande equipe multidisciplinar, com profissionais especializados em diversas áreas – arquitetos/urbanistas, engenheiros, geógrafo, sociólogo, biólogo/botânico, etc. Gerenciamos e coordenamos todo o trabalho, sempre com a preocupação de,
antes de intervir, estudar e entender com profundidade a área-objeto.
Os estudos preliminares nos permitiram conhecer a cidade, a sua estruturação, a organização do seu espaço urbano e o perfil de sua população, bem como identificar os espaços de lazer existentes – públicos, privados, com fins educacionais, nas ruas, nos terrenos, entre outros.
O mesmo ocorreu com a infraestrutura (saneamento, energia, etc.) e com os serviços urbanos disponíveis (transporte coletivo, segurança, saúde, etc.). Levou-se em consideração o clima local, os riscos de erosão, os córregos (Prosa, Segredo e Reveilleau), a drenagem superficial, a cobertura vegetal e a fauna/flora existente.
Enfim, identificamos a realidade do lugar, analisando demandas e possíveis impactos pela implantação de um parque.
Fosse hoje essa abordagem, ela seria entendida como um estudo de impacto ambiental.
A estruturação física e espacial do PNI continha os setores administrativo, contemplativo, artístico-cultural, esportivo, educacional e histórico, os quais eram acessados pelos sete portais (entradas) com nomes de sete povos indígenas de MS. Após inaugurado, inúmeras intervenções foram decididas e executadas sem a mínima adequação ao plano diretor originalmente concebido e parcialmente implantado.
A começar pelos acessos, com alguns não executados, como o da Via Park, principal entrada ao grande lago, e o de integração entre o PNI e o Cras, que favoreceria o controle e a vigilância pela Polícia Florestal ali localizada. Outros estão em lugares indevidos, como um acrescido na Rua Antônio Maria Coelho – razão desconhecida.
Projetamos estacionamentos e calçadas para serem tratados física e paisagisticamente para configurar um parque linear. Hoje, automóveis sobre as calçadas, a má localização de comércios ambulantes, a ausência de tratamento paisagístico e, especialmente, a implantação inadaptada da antiga Cidade do Natal isolam e desconfiguram o setor.
Não prevista originalmente e construída há décadas, a Casa do Pantanal não tem uso nenhum. Já o aquário, se fosse executado conforme o plano diretor de 1993, estaria localizado mais adequadamente junto à Praça das Águas e ao viveiro de plantas (setor educacional), não fragmentando física e visualmente onde hoje está. E mais: daria vida a um lado vazio e esquecido do PNI.
Quanto aos lagos, apenas o maior, cujo entorno hoje ancora as principais atividades, foi devidamente executado. O conjunto formado pelos três menores, projetada a jusante desse maior, foi executado parcialmente e não cumpre as funções de animar aquele setor, conter resíduos sólidos e evitar o assoreamento.
Essas não são as únicas intromissões ao plano diretor original, porém, sobrepondo aquilo que foi projetado ao que hoje se encontra consolidado, cabe perguntar: considerando patrimônio como significado de herança paterna, bens transmitidos entre gerações, o PNI é um patrimônio cultural?
Se também pensarmos tombamento como a proteção aos bens de valores (históricos, arquitetônicos, ambientais, etc.), os impedindo de serem descaracterizados ou destruídos, esses valores no PNI devem ser preservados para futuras gerações?
Ainda, tendo privatização como o processo de concessão de um bem público para a iniciativa privada, com a responsabilidade de prestação de serviços, isso garante uma boa gestão e é de interesse público? A população foi suficientemente escutada?
Enfim, com todas essas definições – patrimônio, tombamento e privatização –, fica evidente que o PNI merece ser protegido. Contudo, o que se vê hoje é a desobediência ao seu plano diretor, a sua descaracterização, tal como acontece a outros parques na cidade.




