O livro "O avesso da pele", do escritor Jeferson Tenório, continua causando polêmica entre os deputados estaduais de Mato Grosso do Sul. Na sessão desta quarta-feira (13), nova discussão começou após o deputado Pedro Kemp (PT) se manifestar contra a "censura" da obra, que foi recolhida das escolas da Rede Estadual de Ensino por determinação do governador Eduardo Riedel (PSDB).
Anteriormente, na sessão do dia 5 de março, Kemp havia demonstrado preocupação com o conteúdo do livro.
"Entrando no mérito e conteúdo do livro eu também tenho muitas reservas e muitas dúvidas se é adequado a adoção para estudantes do ensino médio", disse, na ocasião.
Porém, nesta quarta, o deputado disse que teve oportunidade de ler o livro na íntegra e não encontrou nenhum conteúdo inadequado, recomendando, inclusive, a leitura.
"Nesse fim de semana li o livro todo e eu quero dizer que é ótimo, que trata sobre racismo estrutural na sociedade e eu recomendo a leitura, se fala um palavrão é um aqui e outro lá. ele retrata situações do cotidiano e as pessoas falam [palavrão] no cotidiano, agora no livro quando retrata situação que alguém fala palavrão é escândalo, lamento que o governo tenha mandado recolher", disse.
Ele afirma ainda que não encontrou erotização ou "pouca vergonha", mas que há uma cena de sexo. "É uma página que tem uma cena de sexo, em um livro de 170 páginas que trata de racismo, deram uma importância exagerada a esta cena", conta.
A manifestação, no entanto, teve posicionamentos contrários de outros parlamentares.
Pedro Caravina (PSDB) disse que foi um dos que fizeram encaminhamento para retirada do livro das escolas e reafirmou que não acha a linguagem adequada para estudantes do ensino médio.
"Não é pela erotização, mas pelo nível de palavras, e sem querer polarizar de esquerda e direita, mas as palavras para alunos do ensino médio, os alunos também falam palavrão, mas não podemos estimular a forma como os termos estão colocadas e entendo que não é um livro para ficar disponibilizado aos alunos pelo MEC, mas pode estar em qualquer livraria, inclusive se o pai quiser comprar, mas disponibilizar não é recomendado, continuando reafirmando", disse.
Professor Rinaldo Modesto (PSDB) disse que há vários outros livros disponibilizados que tratam sobre o tema do racismo, não havendo necessidade de manter "O avesso da pele" nas escolas.
"Não quero partidarizar, recebi telefonema de gente que não é de igreja nenhuma. Para um público deste, não vale a pena estar lá [o livro], tanto que não foi só Mato Grosso do Sul que recolheu o livro. A criançada fala mesmo e vê coisas piores, mas agora porque a pessoa usa cocaína, nós vamos fazer um livro dizendo que a cocaína é importante?", questionou.
Kemp retormou a palavra dizendo que, se for seguir o contexto de proibir o livro por ter cena de seco, deveriam ser retirados das bibliotecas livros do escritor Jorge Amado.
A situação acabou virando discussão, inclusive, política.
"Eu estou assustado com essa reação. Esse é o resultado de um fascista que ganhou as eleições e tirou todos os fascistas do armário, o estrago que esse fascista Bolsonaro fez no Brasil está retratado aqui", disse.
Ele ainda perguntou aos evangélicos se já leram o livro da Bíblia "Cântico dos cânticos". "É uma pornografia do começo ao fim".
Zé Teixeira (PSDB) disse que não daria o livro "O avesso da pele" para as filhas menores de idade.
"Estamos discutindo se é adequado para crianças. Tudo que vossa excelência falou sobre a Bíblia está correto, mas é para pessoas que já estão formadas, e não para formar o conhecimento. Esse livro não é adequado para pessoas de idade menor que ainda não estão preparadas para ler aquilo, tem que ter o momento certo", declarou.
A deputada Gleice Jane (PT) afirmou que também começou a ler o livro e, até o momento, não encontrou nenhuma cena chocante.
"De fato tem termos e palavrões, mas não vi nada absolutamente que não sejam falados. O livro não é para o ensino fundamental, é para o ensino médio. A gente precisa tomar cuidado com a liberdade da expressão da arte, a gente não questionava essas mesmas questões em anos anteriores. Por que de repente virou um escândalo?", questionou.
A deputada finalizou dizendo que é necessário um debate mais amplo sobre o tema.
Polêmica
NA sessão do dia 5 de março, os deputados estaduais solicitaram o recolhimento do livro por ter o que consideram linguajar considerado e chulo e inadequado para adolescentes.
Na última quinta-feira (7) o governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), determinou o recolhimento imediato do livro “O Avesso da Pele”, das escolas da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul (REE).
A obra havia sido enviada para 75 das 349 unidades escolares da rede estadual e, após o recolhimento, os exemplares serão encaminhados para o acervo da Secretaria Estadual de Educação.
Em nota, a SED informa que a determinação de recolhimento foi dada após avaliação da obra pela Secretaria.
"A medida se dá em função da linguagem utilizada em trechos do referido material, contendo expressões consideradas impróprias para a faixa etária da maioria dos estudantes atendidos pela REE (menores de 18 anos), com o uso de termos e jargões que inviabilizam a utilização pedagógica no ambiente escolar", diz a nota.
O livro entrou no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) do Ministério da Educação (MEC) em 2022, no governo do então presidente Jair Bolsonaro.
A obra O Avesso da Pele já foi traduzida para 16 idiomas e ganhou o Prêmio Jabuti, principal prêmio literário brasileiro, na categoria Romance Literário, em 2021.
O livro trata das relações raciais, sobre violência e negritude e identidade na história fictícia de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado em uma desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos.
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) explicou o processo de inclusão de obras no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
O MEC esclareceu que os professores escolhem livros a serem adotados em sala de aula, e não o MEC e que a pasta envia obras para escolas apenas mediante solicitação dos próprios educadores.
“A escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola a partir do Guia Digital, onde as obras integrantes do programa estão listadas para conhecimento de professores e gestores.”


Fábio Ricardo Trad - Advogado, professor universitário e ex-deputado federal - Foto: Marcelo Victor/Correio do Estado


