Ela acaba de ganhar o Troféu Mulher Imprensa na categoria colunista de jornal, prêmio que seus leitores e telespectadores julgaram mais que merecido. Mas em meio ao furacão político de Brasília, a jornalista Eliane Cantanhêde nem teve tempo de comemorar. Colunista do jornal Estadão, comentarista do jornal Em Pauta na Globonews e diversas emissoras de rádio, inclusive estrangeiras, seu dia, como ela explica, começa com uma bomba de manhã, outra na hora do almoço, uma terceira à tarde, uma quarta na hora do jantar. Formada em jornalismo pela UnB já era jornalista profissional havia quase dois anos atuando no Jornal do Brasil. Passou por Veja , voltou ao JB, substituindo um dos ícones do jornalismo, o Carlos Castello Branco. Em sua carreira de sucesso, foi diretora de Redação das sucursais do Globo e da Gazeta Mercantil em Brasília e estreou na Folha em 1997, de onde saiu recentemente para o Estadão. Versátil, Eliane escreve sobre política externa, defesa e comportamento e é autora do livro sobre José Alencar, biografia do vice-presidente de Lula que inclusive foi lançado em Campo Grande. Seu habitual bom humor e a leve irreverência de seus textos e comentários na TV, além de suas opiniões contundentes e embasadas, vêm atraindo público e às vezes ganhando inimigos. Sobre a crise política e as constantes manifestações, a jornalista diz que o povo está cansado. “ Cansou do mensalão, da devastação da Petrobrás, do roubo de milhões de reais e dólares, da arrogância, das mentiras, das mistificações e do lamentável estado da economia, sem perspectiva de melhorar. Segundo Eliane, o mundo político e o mundo das ruas se encontram num ponto: os dois lados querem a saída da Dilma, mas ninguém sabe como e o que vem depois”. Direto de Brasília, Eliane, entre um compromisso e outro, nos deu esta entrevista exclusiva. Confiram algumas partes.
CORREIO DO ESTADO PERGUNTA - Depois de 17 anos na Folha de São Paulo, escrevendo uma das colunas mais importantes e lidas do País, você assumiu publicamente que foi demitida - do dia para noite -. Suas opiniões estavam incomodando ou contrariando a política do jornal?
ELIANE CANTÂNHEDE - Não tenho essa resposta. Só confirmo que, segundo o último Datafolha com o leitorado, eu fui a colunista mais lida entre os 120 do jornal, só atrás do ótimo Zé Simão, que não é exatamente colunista, é hors concours. Também acho difícil concordar com o argumento de “contenção de despesas”, já que meu salário era, proporcionalmente, bem baixo.. Nunca perguntei o motivo, nem me interessa. Acho que eles cansaram de mim e, a bem da verdade, eu também estava cansada deles. Saí para uma muito melhor, em vários sentidos. Estou feliz no estadão, principal jornal de São Paulo, na GloboNews e nas minhas rádios.
Por tratar-se de uma forte formadora de opinião, os políticos e/ou empresários costumam lhe assediar para promover pautas?
Obviamente no sentido de ligar, sugerir, defender, argumentar, é muito comum. Só que os políticos, empresários e diretores de órgãos públicos, estatais, organismos variados e ONGs não costumam fazer isso diretamente. Têm uma rede de jornalistas cada vez mais competentes que sabem o que sugerir a que jornalista e a que veículo. Já que trabalho com opinião, quase nunca as pautas me interessam, mas, se são quentes ou interessantes, tento repassar para o repórter da área. Se é da LavaJato, retransmito para os repórteres investigativos; se é sobre Zika e dengue, para o de saúde e daí por diante. Não é comum, mas às vezes aparece coisa boa.
Como é a sua relação com suas fontes?
Como sempre digo, é uma relação próxima o suficiente para ter informação e longe o necessário para evitar promiscuidade. Algumas fontes são mais confiáveis, outras são mais abertas, contam tudo. Só não suporto, e risco do caderninho, como se dizia antigamente, fonte que mente. Mentiu? Nunca mais quero saber. Acho que diz do caráter da pessoa e da qualidade do político.
Como separar os boatos, aquilo que os políticos querem que o jornalista diga da realidade? Quantas fontes – ou horas de trabalho – você tem que dedicar para noticiar algo?
Primeiro, é preciso ter experiência, ter tempo de praia. Segundo, é importante conhecer os personagens, qual o o grupo político, o jogo deles, os interesses de cada um. Em Brasília, em geral, sabe-se quem é quem. Outra dica e não acreditar em tudo que circula nas redes. Eu nem leio, para não perder tempo e não me irritar. Só leio e considero o que está em sites, digamos assim, oficiais: Estadão, UOL, G1... Também acompanho blogs sérios, adoro rádios e sou viciada na GloboNews. Por fim, ninguém é dono da verdade. É preciso ler, ouvir e avaliar todos os lados sem preconceito.
Você está vivendo no “olho do furacão”, com o noticiário mudando de minuto a minuto. Como conviver com este caos midiático?
Nós, jornalistas de Brasília, estamos trabalhando quase que ininterruptamente. Tem uma bomba de manhã, outra na hora do almoço, uma terceira à tarde, uma quarta na hora do jantar. Às vezes, estou ao vivo no GloboNews Em Pauta, das 20h às 21h, e a produtora me sopra no “ponto”: aconteceu isso, aquilo! Na sexta-feira passada, por exemplo, ela avisou que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, tinha dado uma liminar suspendendo a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil do governo Dilma Rousseff e jogando Lula de volta no colo do juiz Sérgio Moro. Foi uma correria. A sorte é que eu não esperava que fosse na sexta-feira, mas tinha os bastidores da decisão. E, depois de um dia inteiro de trabalho, ainda chego em casa e vou checar os online, e-mails, FB, Twitter, messenger, torpedo... O pior é que as pessoas mandam mensagem e acham que você está ali disponível o dia inteiro, lendo. E não está!
O Lula, como você disse em recente coluna, não é o pó de pirlimpimpim, então quem acreditar que ele irá resolver os problemas do atual governo? Ou, não seria apenas sacramentar o que de fato já acontece – ele tem sim, ingerência no governo?
Se o Lula tivesse assumido o governo um ano atrás, tinha até chance de dar certo, porque a quebradeira da economia ainda estava começando, a Lava Jato ainda não tinha chegado no Lula, a Zelotes não tinha pego o filho dele, a relação com o Congresso não tinha se deteriorado tanto. Hoje?! Não dá mais para esperar muita mudança. Nem o mágico Lula é capaz de fazer tanta mágica, com o país tão destrambelhado, o governo batendo de frente com as instituições e o próprio Lula temendo ser preso a qualquer momento. A bruxaria era boa, mas veio tarde demais.
Você acredita em quais das três possibilidades: renúncia de Dilma, cassação do mandato, impeachment ou, como você descreveu – renúncia branca?
Neste momento, estamos na fase da renúncia branca, quando Dilma tenta trazer Lula para a Casa Civil por dois motivos: para livrá-lo do juiz Sérgio Moro e ter foro privilegiado e por reconhecimento de que ela não tem o instrumental político e pessoal para gerir o país e sair da crise. Dilma jura que não vai renunciar e a cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral demorar muito. Então, o processo de impeachment na Câmara está andando rapidamente, impulsionado pela crise, pela Lava Jato, pela opinião pública. Segundo o último Datafolha, 68% dos brasileiros são a favor do impeachment. Isso tem um efeito muito forte no Congresso, onde Dilma perdeu o PSB e o PRB e está para perder o PMDB. Mas, atenção, não dá para dizer que vai ter impeachment, só que a possibilidade está cada vez mais forte.
Qual o maior problema da presidente, em sua opinião: a falta de apoio do próprio partido ou a sua forma de governar – que dizem é um tanto autoritária?
A bem da presidente Dilma Roussef, é preciso dizer que ela é tida como uma pessoa honesta e de boas intenções. Mas, após a ressalva, é importante reconhecer que ela foi um desastre na economia, desdenhou a política, irritou pessoas e instituições, freou a política externa de forma incompreensível. Perdeu apoio na opinião pública, nos meios empresariais, na mídia, na base aliada. O pior é que nunca foi assimilada pelo próprio PT, como você diz. Se o PT não votava o ajuste fiscal e se a CUT, a UNE, o MST sabotam a política econômica, ato contínuo o PMDB tirava o corpo fora. Eles diziam: “o PT quer passar de bonzinho, e nós é que vamos virar os maus?” E é assim que o país vai caminhando para três anos consecutivos de recessão.
Você acredita em quais das três possibilidades: renúncia de Dilma, cassação do mandato, impeachment ou, como você descreveu – renúncia branca?
Neste momento, estamos na fase da renúncia branca, quando Dilma tenta trazer Lula para a Casa Civil por dois motivos: para livrá-lo do juiz Sérgio Moro e ter foro privilegiado e por reconhecimento de que ela não tem o instrumental político e pessoal para gerir o país e sair da crise. Dilma jura que não vai renunciar e a cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral demorar muito. Então, o processo de impeachment na Câmara está andando rapidamente, impulsionado pela crise, pela Lava Jato, pela opinião pública. Segundo o último Datafolha, 68% dos brasileiros são a favor do impeachment. Isso tem um efeito muito forte no Congresso, onde Dilma perdeu o PSB, o PRB e o PMDB. Mas, atenção, não dá para dizer que vai ter impeachment, só que a possibilidade está cada vez mais forte.
Em relação à delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral considera que foi algo previsível ou a decisão só foi tomada depois de muita pressão? Em sua opinião ele poderá provar tudo que disse?
O senador Delcidio do Amaral se tornou peça-chave na Lava Jato, onde a expectativa era desde o início que ele fizesse a “delação das delações”, porque ele foi diretor da Petrobras ainda no governo Fernando Henrique Cardoso e, já no primeiro ano de Lula, trocou o PSDB pelo PT. Então, a PF acha que ele sabe como o esquema da maior empresa do país evoluiu de um governo para o outro, até virar o paraíso dos políticos e praticamente quebrar a Petrobras, hoje a empresa mais endividada do mundo, com prejuízos de R$ 35 bilhões num único ano – 2015. A Assessoria de Delcidio, que foi líder do governo Dilma no Senado, negou até o último minuto que ele faria a delação, mas todo mundo já esperava, porque ele foi preso, abandonado pela cúpula do PT e não tem mais nada a perder. Agora, há dúvidas se ele poderá provar tudo o que diz. Na PF, a impressão é que ele fala muita coisa verdadeira, mas às vezes “chuta”, ou seja, extrapola, fantasia um pouco. E, cá pra nós, o espetáculo das gravações dele com o filho do Nestor Cerveró e depois do assessor dele com o ministro Aloizio Mercadante são antológicas. Não tem imagem pública que resista a coisas assim...
Algumas cabeças coroadas estão dizendo que o Exército estaria pronto para ir às ruas caso a situação se deteriore?
O Exército e as demais Forças Armadas estão bastante conscientes da gravidade da situação, como estão conscientes também das suas responsabilidades e limitações constitucionais. A presidente da Republica é a comandante-em-chefe das FA e só ela pode convocar as FA para intervir em caso de sérios tumultos de rua, quando as forças policiais não são suficientes. Mas estou falando em tese. Na prática, ninguém acredita nisso. Basta você ver que as manifestações de domingo, dia 13, contra o governo, foram absolutamente pacíficas. E as manifestações da sexta-feira seguinte, a favor, também. Há um temor de confrontos de rua, mas precisamos lembrar o quanto o Brasil é pacífico em horas difíceis da política, como nas Diretas já, na eleição e morte de Tancredo Neves, na Constituinte, na eleição e depois na queda de Fernando Collor. Isso aqui não é uma Venezuela!
O destino do País poderá ficar nas mãos das instituições judiciárias? A lava-jato vai continuar independente do que se revolver sobre impeachment?
O destino do país está onde deve estar: nas mãos do Judiciário, do Congresso, das instituições, da sociedade. E, sim, a Lava Jato vai em frente, fazendo o que tem de fazer, investigando quem tem de investigar. As pessoas estranham, mas é natural que o juiz Sérgio Moro, de primeira instância, possa ser mais célere e o Supremo Tribunal Federal, última instância, seja bem mais vagaroso. Mas isso não significa impunidade. Aliás, é um erro primário o governo, que já tem tantos flancos, abrir uma guerra justamente agora contra a PF, que tem papel central na Lava Jato. A leitura óbvia na opinião pública é de que querem acobertar o Lula, os filhos do Lula e o PT. Os delegados estão reagindo fortemente.
A corrupção, como todos sabem, não é privilégio de um único partido – além de ser prática antiga no Brasil - o que mudou então? O tamanho do rombo ou a desfaçatez
Tem razão. A corrupção faz parte da história do Brasil e está entranhada nos Poderes. A diferença - e o exemplo mais gritante é a Petrobras - é que o PT no governo Lula avançou todos os limites, extrapolou e fez uma inversão. Antes, o centro da corrupção era empresarial, com políticos se beneficiando, depois passou a ser político, com as empresas operando junto com diretos e doleiros.
Como você recebe eventuais críticas de leitores/assinantes dizendo você é ligada ao PSDB?
Quando o governo era do PSDB, os tucanos viviam com raiva de mim, muitos deixaram de me receber, e os petistas me aplaudiam. Agora, o jogo se inverteu e os tucanos me aplaudem e os petistas me criticam, usando principalmente blogueiros sujos, que recebem de órgãos públicos. Quem mudou não fui eu, quem mudou foram eles. A diferença é que os tucanos são menos belicosos e os petistas são de guerra, seguem aquela coisa do nós contra eles. Se você não faz parte do “nós”, tá lascado, alijado. Veja só as estatais, os fundos de pensão, a relação com a mídia, os negócios privados... Só a “companheirismo” tem vez. Eu sigo a máxima do Millor Fernandes: “jornalismo é de oposição, o resto são Secos & Molhados”. O governo, qualquer governo, tem mil armas e canais para badalar seus feitos e esconder os seus podres. A função da imprensa e vasculhar e mostrar os podres. Seria muito mais fácil ficar amiguinha, deixar pra lá e não incomodar, mas não virei jornalista pra isso e não é assim que se constrói um país e um futuro melhor.
Você se declara uma otimista em relação ao Brasil. Nosso País tem jeito?
Como assim?! O Brasil é um país fantástico, com pessoas maravilhosas! Olhe em volta e compare com os demais emergentes: Rússia, Turquia, África do Sul, Índia, até a própria China, que é rica, mas “emergente” num conceito mais global. Todos são muitíssimo corruptos, mas qual deles está fazendo uma Lava Jato como o Brasil? Nenhum. E aqui na América Latina? México? Venezuela? O Brasil está dando um exemplo ao mundo de limpeza, combate à corrupção, cidadania atenta, instituições fortes. Tudo isso, na hora, dói. Mas é o que cura.


