Professora doutora de Direito Administrativo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a advogada Luciani Coimbra viu avanços no Projeto de Lei (PL) nº 3.954/23, do Senado, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e segue agora para sanção da Presidência.
De autoria da senadora Tereza Cristina (PP), a proposta flexibiliza as regras de licitações e, entre outros pontos, autoriza disputa fechada em licitações de obras e serviços, permitindo ainda o uso de títulos de capitalização como garantia pelas empresas contratadas.
O PL nº 3.954/23 permite o modo de disputa fechada nas licitações de obras ou serviços de engenharia de até R$ 1,5 milhão, e a regra também vale para serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Na disputa fechada, as propostas ficam em sigilo até a data e a hora designadas para sua divulgação.
Para agilizar as compras governamentais, o projeto permite que municípios também utilizem atas de registro de preços de outras cidades, desde que precedidas de licitação.
A ata de registro de preços é uma espécie de contrato em que empresas assumem o compromisso de venda com preços e prazos registrados previamente e as compras podem ser feitas por demanda. Essa modalidade autoriza a adesão de outros órgãos à mesma ata por adesão ou “carona”, e atualmente a adesão só é prevista em atas federais, estaduais ou distritais.
Nas contratações em geral, se a empresa escolhida não assinar o contrato, o poder público poderá convocar as demais classificadas na licitação para concluir a obra ou o serviço afetado pela rescisão contratual. O orçamento público poderá autorizar ainda o aproveitamento, em favor da nova contratada, de eventual saldo a liquidar inscrito em despesas empenhadas ou em restos a pagar não processados.
A proposta também estabelece prazo de 30 dias para o pagamento das parcelas já executadas. Isso dá justa garantia para as empresas contratadas, o que deverá ampliar a competitividade dos procedimentos licitatórios e atrair a participação de empresas sérias e comprometidas com a execução do objeto licitado.
A professora doutora Luciani Coimbra explicou que, atualmente, os convênios não têm normas específicas, mas utilizam regras da lei quando há correspondência.
“Tudo que está no PL nº 3.954/2023 são questões que estavam sendo discutidas há anos. Na questão da adesão, o texto dava a entender que os municípios não poderiam aderir a atas de registro de preço de outros municípios e de consórcios de municípios. Tinha o entendimento de que os municípios teriam sido tratados como entes políticos inferiores. Nesse ponto, ele iguala os entes e garante a autonomia deles”, disse.
Luciani Coimbra completou que os demais pontos também são adequações da nova Lei de Licitações, muito próximos do que já era realizado em leis esparsas e que não foram tratados por ela na unificação. “Nas parcerias público-privadas [PPPs], por exemplo, tem um rol mais amplo de garantias que na Lei Federal nº 8.666/93, que vale só até o dia 30 deste mês, e a Nova Lei de Licitações (Lei Federal nº 14.133/21) trouxe para as licitações. Os modos de disputa também são os praticados, só acrescentou um limite financeiro para o modo fechado, que sempre foi o utilizado na Lei nº 8.666/93”, explicou.
Ela recordou ainda que o pregão utiliza o modo aberto, e a Lei nº 8.666/93, o modo fechado, enquanto a Lei nº 14.133/21 apresenta os dois e a possibilidade dos dois usos. “O que o PL nº 3.954/23 fez foi fixar um limite de recurso para o uso do fechado. Não vejo violação a princípios, e sim uma adequação da lei. Hoje, os municípios aderem às atas, assim como estados e União, e como a Lei nº 14.133/21 não previa expressamente a possibilidade de adesão às atas de registro de preço municipais, havia o entendimento de que a lei feria a autonomia municipal, isso manteve o que é feito hoje para quem ainda não está utilizando a Lei nº 14.133/21”, assegurou.
AUTORA
A autora do PL nº 3.954/23, senadora Tereza Cristina, disse que apresentou esse PL depois de ouvir as dificuldades dos municípios e debater com os prefeitos, inclusive em audiências públicas no Senado. “O objetivo é permitir que os recursos públicos destinados a obras e serviços sejam executados com lisura e cheguem efetivamente à população”, afirmou.
Para Tereza Cristina, alterações em convênios acabam dificultadas por normas infralegais com muitas exigências, e o PL nº 3.954/23 permite que, nos casos em que o valor global pactuado para um convênio for insuficiente, por motivo de força maior ou evento imprevisível, poderão ser aportados novos recursos ou reduzidas as metas e etapas, desde que isso não afete a funcionalidade do convênio. “Também poderão ocorrer ajustes nos instrumentos celebrados com recursos de transferências voluntárias”, ressaltou.
Ela destacou que a dinâmica da fase de lances é incompatível com a complexidade de licitação de grandes obras. “A criação de estímulo artificial para a oferta de descontos sucessivos nas licitações para obras e serviços de engenharia desse porte pode provocar cotações inexequíveis e jogos de planilha, provocando a necessidade de negociações precoces”, disse.
SAIBA
O Sistema de Registro de Preços (SRP) é um procedimento precedido de licitação, em que o preço é registrado em ata e, durante um determinado prazo, poderá ser utilizado pelo órgão gerenciador da ata de registro de preço e pelos órgãos participantes. Há previsão de adesão à ata por órgão que não participou, o que é chamado de “carona”. Para fazer a adesão, o órgão deve justificar que a contratação seria mais econômica e eficiente do que licitar.


Fábio Ricardo Trad - Advogado, professor universitário e ex-deputado federal - Foto: Marcelo Victor/Correio do Estado


