Políticos de Dourados, uma das cidades economicamente mais prósperas de Mato Grosso do Sul, viraram foco de investigação, de novo, por suspeitas de fraude na prestação de contas dos candidatos a vereador pelo PSD.
Mobilização policial atrás de políticos envolvidos em corrupção já não é uma novidade no município de 240 mil habitantes, tanto que, de três décadas para cá, a Justiça já pôs a mão em ex-governador, deputado estadual, prefeito, vice-prefeito, secretários municipais e vereadores.
Onze anos atrás, por corrupção, a cidade ficou sem prefeito, vice e 9 dos 12 vereadores. Anos se foram, mas a corrupção parece ter fincado os pés na região.
Na mais recente investida, ocorrida 10 dias atrás, policiais federais cumpriram 18 mandados de busca e apreensão na Câmara Municipal e na casa de candidatos do PSD que disputaram as eleições para vereador em 2018.
A residência da vereadora Daniela Hall, única do partido a se eleger, foi um dos alvos.
Os supostos envolvidos no caso teriam apresentado documentos falsos para fraudar as contas eleitorais no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS).
O grupo, diz a denúncia, captava recursos do Fundo Eleitoral, dinheiro público e, em vez de aplicar nas campanhas, a soma era desviada.
A vereadora negou irregularidades em suas contas, que teriam sido aprovadas pelo TRE-MS, e ainda se queixou da operação, denominada A Verdade vos Libertará.
Ela convocou a imprensa para dizer que os policiais entraram em sua casa logo pela manhã, enquanto ainda dormia.
Ela disse que, por ser advogada, deveria ser acompanhada por um representante da OAB, o que não ocorreu. A Polícia Federal (PF) segue investigando o caso.
POLÍTICA & CORRUPÇÃO
Episódios como esse viraram uma vergonhosa rotina, embora a cidade ostente, já há umas quatro décadas, posição de ressalto regional como maior produtora de milho, segunda que mais planta e colhe soja e feijão, um dos mais importantes eixos agropecuários do Centro-Oeste brasileiro e dona de reputado polo educacional, pois por lá domiciliaram-se sedes da UFMS, da UEMS e de universidade particular de prestígio.
Já perto de 240 mil habitantes, em uma proporção similar à da dinamização econômica, cresce, do outro lado, algo que perturba a banda boa da cidade: a corrupção, com o efetivo envolvimento de políticos que moram na cidade.
Junto à economia do conhecido centro regional sul de MS cresceu a importância política do município na esfera estadual.
Em 1987, por exemplo, o escolhido vice-governador de MS saiu de Dourados, o médico George Takimoto, que depois virou deputado estadual.
De lá para cá, período de 34 anos, por quatro pleitos, Dourados teve contribuição determinante nas eleições que definiram os nomes dos chefes de governo de MS.
Braz Melo, engenheiro civil, foi vice-governador no segundo mandato de Wilson Martins, eleito em 1994. Já Egon Krakhecke, engenheiro agrônomo, foi vice de José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, de 2003 a 2007.
Murilo Zauith ocupou o cargo de vice-governador de 2007 a 2011. Zauith, dono de faculdade, tornou-se vice pela segunda vez em janeiro de 2019, cargo que ocupa até hoje.
Nessas três décadas, Dourados passou a segmentar suas notícias em páginas de economia, agronegócio e, em uma proporção parecida, seções que relatam os deslizes dos políticos suspeitos de corrução.
AS IMPLICAÇÕES
Braz Melo, por exemplo, que anos depois virou prefeito e vereador da cidade, foi afastado do cargo dois anos atrás por improbidade administrativa.
Ele meteu-se, lá nos anos 1990, em uma encrenca que ficou conhecida como o escândalo do leite em pó, produto que teria sido negociado de modo superfaturado. Pelo crime, perdeu o mandato.
A vaga de Braz, já exercendo mandato na Câmara Municipal, foi ocupada por duas vereadoras, uma delas, ex-secretária de Educação da cidade, foi para a cadeia e lá ficou por um dia por suposto envolvimento em crime de improbidade administrativa.
Hoje, o mandato que era de Braz e da suspeita pertence a então suplente Lia Nogueira, do PP, uma jornalista.
Operação policial posta em prática para investigar tretas políticas pegou também Zé Teixeira, deputado estadual do DEM, integrante de família tradicional da cidade.
Em uma manhã de setembro de 2018, o parlamentar foi acordado por policiais federais que foram até uma suíte de um dos hotéis mais caros de Campo Grande.
Naquele dia, Zé Teixeira foi preso por suposta participação em uma trama formada para distribuir propina a membros do governo e Legislativo estaduais.
Dias depois ele foi solto, disputou mais uma reeleição e venceu. Baiano de Guanambi, Zé Teixeira, de 81 anos de idade, é hoje primeiro-secretário da Assembleia Legislativa de MS.
OPERAÇÃO EMBLEMÁTICA
Em setembro de 2010, ao menos 200 policiais federais cumpriram mandados de prisão contra políticos de Dourados implicados em crimes de formação de quadrilha, fraude a licitação e corrupção.
Para a cadeia foram levados vereadores, secretários municipais, empresários, servidores públicos, vice-prefeito e, dias depois, o prefeito da cidade, que meses antes tinha sido flagrado em casa e de chinelo contando dinheiro de propina.
A cidade ficou sem prefeito e Legislativo municipal, e um juiz chegou a ser convocado para mandar no município. Até hoje, uma década depois, suspeitos detidos no âmbito da Operação Uragano têm sido sentenciados.
Entre os políticos envolvidos e presos, ninguém mais conseguiu voltar à política. Ari Artuzzi, o então prefeito e apontado como chefe da organização, morreu três anos depois, sem mandato e alegando dificuldades financeiras.


Fábio Ricardo Trad - Advogado, professor universitário e ex-deputado federal - Foto: Marcelo Victor/Correio do Estado


