Política

COMPROVA EXPLICA

Entenda o que é o marco temporal e o que muda com a decisão do STF

Defendida por ruralistas, a tese é vista pelos povos originários e movimentos sociais como uma ameaça aos direitos dos indígenas

Continue lendo...

Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou o marco temporal, tese que sustenta que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem habitadas por eles em 1988, data de promulgação da Constituição Federal.

A decisão contraria um projeto de lei aprovado no Senado que ratifica o ano de promulgação da Carta Magna como limite para definir a ocupação do território por indígenas.

Defendida por ruralistas, a tese é vista pelos povos originários e movimentos sociais como uma ameaça aos direitos dos indígenas. Lideranças avaliam que, apesar da vitória no Supremo, ainda há muitas barreiras para a concretização das demarcações.

Conteúdo analisado: Tema que pode influenciar diretamente a vida de indígenas e proprietários de terras, a tese do marco temporal está em discussão no STF e no Congresso, e pode ser objeto de desinformação nas redes.

Comprova Explica: No dia 21 de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese de que a data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, poderia ser utilizada para definir a ocupação tradicional de terras por comunidades indígenas e orientar as demarcações de territórios no Brasil.

A decisão é de repercussão geral, ou seja, outros julgamentos sobre o tema tomarão como base o entendimento da Suprema Corte.

A tese, defendida por ruralistas, reflete a disputa pela posse de terra no país e a situação dos direitos dos povos originários.

Em paralelo ao julgamento do Supremo, no Congresso, parlamentares aprovaram, em 27 de setembro, o projeto de lei 2.903/2023 que fixa o ano de 1988 para determinar o reconhecimento de terras indígenas.

Lideranças indígenas apontam que, apesar da vitória no STF, ainda há obstáculos para o pleno reconhecimento de seus territórios.

Além da batalha contra o parlamento, comunidades enfrentam dificuldades para avançar com as demarcações, pois, na maioria das vezes, dependem da judicialização das disputas.

Com o objetivo de prevenir desinformação sobre o tema, este Comprova Explica apresenta o histórico e os principais pontos do marco temporal, analisa os efeitos da decisão do STF, e o futuro das demarcações dos territórios indígenas no país.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar informações a respeito da tese do marco temporal, sua origem e implicações, e sobre o julgamento do tema no STF e a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional.

Depois, o Comprova conversou com o advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Dinamam Tuxá, com uma das lideranças da Terra Indígena (TI) Ibirama Laklãnõ, em Santa Catarina, Tukun Gakran, e com o professor da FGV Direito Rio, Alvaro Palma de Jorge. Também buscou a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) por e-mail, mas não houve retorno até a publicação da verificação.

A tese do marco temporal

O marco temporal é uma tese jurídica que afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem habitadas por eles no momento da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

O marco temporal se contrapõe à teoria do indigenato, que considera que o direito desses povos sobre as terras tradicionalmente ocupadas é anterior à criação do Estado brasileiro, cabendo a este apenas demarcar e declarar os limites territoriais.

No âmbito judiciário, a discussão sobre o marco temporal teve início no STF em 2009 no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A discussão, no entanto, voltou à tona quando, em 2019, uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama Laklãnõ, onde também vivem povos Guarani e Kaingang, ganhou status de repercussão geral.

Isso significa que a decisão tomada neste caso serviria como uma orientação para outros julgamentos de procedimentos demarcatórios.

Segundo os apoiadores da proposta, que são sobretudo do setor ruralista, a falta de uma data definida para a ocupação das terras pelos indígenas geraria insegurança jurídica e conflitos fundiários no país.

Além disso, há a interpretação de que todo o território brasileiro poderia ser reivindicado como terra indígena, incluindo grandes centros urbanos. Isso geraria insegurança sobre proprietários de imóveis.

Já as lideranças contrárias ao marco temporal apontam que ele seria inconstitucional e que seu intuito é inviabilizar o processo de demarcação de terras indígenas, uma vez que, de acordo com a APIB, caso fosse aprovado, todos os territórios, independentemente do status, estariam sujeitos à avaliação de acordo com a tese.

Isso poderia resultar em novos processos de revisão, ameaçando a perda de terras indígenas já homologadas e o não reconhecimento de regiões em disputa.

“Imagina uma terra que não caísse no critério do marco temporal, portanto uma terra que não estivesse ocupada e não estivesse em disputa em 1988. E essa terra foi demarcada posteriormente. Com o marco temporal, seria possível dizer que aquela área foi demarcada incorretamente e você poderia ter uma disputa sobre essa questão”, explicou ao Comprova o professor da FGV Direito Rio Alvaro Palma de Jorge.

Outro ponto é a questão dos povos isolados e de recente contato. Entidades ligadas aos direitos dos povos indígenas relatam dificuldade em comprovar a presença desses grupos no período determinado pela tese, o que inviabilizaria a demarcação.

A TI Ibirama Laklãnõ e o marco temporal

Com uma área de 37 mil hectares, a Terra Indígena (TI) Ibirama Laklãnõ fica entre quatro municípios catarinenses do Alto Vale do Itajaí (Doutor Pedrinho, Vitor Meireles, José Boiteux e Itaiópolis). Atualmente, a TI abriga 2.057 indígenas das etnias Guarani, Guarani Mbya, Guarani Ñandeva, Kaingang e Xokleng.

Parte da área da TI está em disputa judicial, uma vez que o estado de Santa Catarina sustenta que os indígenas teriam direito a apenas 14 mil hectares.

No entanto, um decreto de 3 de abril de 1926 assinado pelo então governador catarinense, Antônio Vicente Bulcão Vianna, delimita o território dos Xokleng em 20 mil hectares – número inferior aos 37 mil reivindicados pelos povos, no entanto maior que os 14 mil defendidos pelo governo estadual.

Entretanto, líderes indígenas apontam que o decreto nunca foi cumprido na prática. Ao longo do século XX, a região foi sendo tomada por imigrantes e os povos indígenas foram expulsos.

Além disso, quando a terra foi demarcada, em 1956, ficou restrita aos 14 mil hectares, o que significa que os 23 mil hectares restantes foram loteados e vendidos.

“O povo Laklãnõ foi expulso de lá. Fomos dizimados, colocados em um espaço pequeno, onde hoje existe uma barragem, que não tem como a gente trabalhar”, afirma Tukun Gakran, uma das lideranças da Ibirama Laklãnõ.

Gakran faz referência à construção da Barragem Norte no rio Itajaí, na década de 1970, que alagou a área produtiva dos indígenas e alterou o perfil do rio Hercílio no trecho, agora represado e com menos peixes, o que prejudica até hoje a segurança alimentar dos Xokleng.

O documento que certifica os 37 mil hectares reivindicados pelos indígenas é um laudo feito por um grupo de trabalho da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 1997, que, por sua vez, deu origem à portaria 1.128, de 14 de agosto de 2003, aumentando a área da Terra Indígena.

Essa portaria foi contestada na Justiça pelo estado de Santa Catarina e por empresas e particulares que receberam títulos de propriedade daquelas terras.

Em 2009, com base na tese do marco temporal, o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA-SC) entrou com um pedido de reintegração de posse da área, alegando que parte do território reivindicado pelos Xokleng (cerca de 8 hectares) se sobrepõe à Reserva Biológica Estadual do Sassafrás, criada em 1977.

Quatro anos depois, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deu parecer favorável ao governo do estado.

A Funai recorreu da decisão do TRF-4 e moveu um recurso extraordinário no STF, sustentando que a Constituição garante aos indígenas o direito originário de seu território.

Em 2019, o caso ganhou status de repercussão geral. Foi esse recurso que o Supremo julgou em 21 de setembro e decidiu por derrubar a tese do marco temporal.

“Os políticos criaram essa tese dizendo que de 1988 para cá teria que ter um marco para definir a demarcação. Mas nós entendemos que a nossa história não começa em 1988. A gente não quer tomar a terra do povo não indígena, a gente quer o nosso espaço, onde nós vivíamos”, diz Tukun Gakran.

O julgamento no STF

STF encerrou, no dia 21 de setembro deste ano, o julgamento da tese do marco temporal, com 9 votos contra e 2 a favor. Os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber foram contrários ao entendimento que restringe a demarcação de terras indígenas. Apenas André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), votaram a favor da tese.

Na avaliação de Nunes Marques, primeiro a votar a favor da tese, a Constituição reconheceu os direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas essa proteção depende do marco temporal.

Conforme o ministro, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial, sendo necessária a comprovação de que a área estava ocupada na data da promulgação da Constituição ou que os indígenas tenham sido expulsos em decorrência de conflito pela posse.

Já André Mendonça considerou que o marco temporal equilibra os interesses de proprietários de terras e dos indígenas. O ministro também entendeu que o laudo antropológico para demarcação dos territórios deve ser conduzido por uma comissão integrante por todos os envolvidos.

No julgamento, os ministros entenderam que o artigo 231, que garante os direitos originários sobre as terras, é uma cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada depois da promulgação da Constituição. A decisão tem impacto em todos os conflitos judiciais sobre o tema.

| Sessão de julgamento sobre marco temporal no STF em agosto deste ano. (Foto: Carlos Moura/STF)

No dia 27 de setembro, o Supremo concluiu o julgamento e decidiu, por unanimidade, que os não-indígenas que ocuparam de boa-fé os territórios que venham a ser demarcados como terras indígenas poderão ser indenizados.

O valor de indenização deve ser pago pela União e deve contemplar o valor integral da terra, além de mudanças feitas no local.

O advogado e coordenador executivo da APIB, Dinamam Tuxá, avalia que um dos efeitos da decisão do STF é o destravamento de mais de 200 processos de demarcação que estão paralisados na Justiça aguardando a definição sobre a tese.

“São processos que estão relacionados justamente à questão da demarcação de terras, questões possessórias. De forma automática, esses processos têm que voltar a tramitar”, argumenta.

O julgamento também deve desobstruir pedidos de demarcação que estavam impedidos de tramitar na esfera administrativa, sob o mesmo argumento do marco.

“O estado brasileiro está com vários processos de demarcação no âmbito administrativo paralisados, e tinham uma arguição sob, também, a tese do marco temporal, que inviabilizava alguns processos de tramitarem. Agora, não tem mais essa justificativa ou nenhum tipo de impedimento legal para que faça o processo de demarcação caminhar”, completa Tuxá.

O marco temporal no Senado

Em 30 de maio deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou por 283 votos a favor e 155 contra, o projeto de lei 490/2007, que estabelece o marco temporal.

A proposta seguiu para análise do Senado, onde tramitou como PL 2.903/2023. Em 27 de setembro, o projeto foi aprovado em Plenário por 43 votos a 21. Agora, a proposta vai para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode sancionar ou vetar o texto.

A proposta define como “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” aquelas que comprovem que o local era habitado de forma permanente e utilizado em atividades produtivas na data da promulgação da Constituição.

Prevê também a necessidade de demonstrar a imprescindibilidade da terra para a reprodução física e cultural dos povos indígenas, assim como à preservação dos recursos ambientais necessários para o bem-estar dessa população.

Além disso, o projeto proíbe a ampliação de terras já demarcadas, torna nula as demarcações de áreas que não atendam aos requisitos previstos no texto e estabelece uma indenização a ocupantes não indígenas de territórios que vierem a ser reconhecidos como TI pelas benfeitorias realizadas no local.

Por mais que o STF tenha considerado o marco temporal inconstitucional, a decisão do Senado não impede que a lei seja aprovada e siga para sanção de Lula.

Caso seja sancionada, há ainda a possibilidade de que a questão seja novamente judicializada e caiba ao Supremo decidir por sua validade. No entanto, o presidente já afirmou a senadores e governistas que deve vetar a tese.

Conforme reportagem da CNN, a bancada do agronegócio avalia um pacote de medidas para reagir à decisão do STF.

A ofensiva deve incluir reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além de obstrução de votações e do apoio ao andamento de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para encarecer indenizações a ruralistas.

Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária afirmou que a decisão do STF seria um “ataque” ao direito de propriedade. Segundo o presidente da entidade, deputado Pedro Lupion (PP-PR), o Supremo “usurpou” a função do Legislativo ao declarar a inconstitucionalidade da tese.

Inconstitucionalidade da tese é celebrada pelos povos indígenas

A tese do marco temporal é amplamente criticada por lideranças indígenas e movimentos sociais, pois, segundo eles, representa um retrocesso aos direitos dos povos originários e uma afronta à sobrevivência dessas comunidades.

“O STF decidindo pela inconstitucionalidade dessa tese, ele reconhece também o direito originário dos povos indígenas. Ele reconhece que os povos indígenas sofreram com inúmeras violências no transcorrer dos anos, desde a data da invasão. Essa tese queria moer a nossa história, queria fazer mais um apagamento histórico”, afirma Dinamam Tuxá.

Caso fosse aprovado, o marco temporal colocaria em risco tanto terras já demarcadas, que podem ser reduzidas, quanto aquelas que ainda estão em processo de delimitação, que podem não ser regularizadas.

De acordo com dados do “Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil“, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 2022, 63% (871) das 1.393 terras indígenas que existem no Brasil têm alguma pendência administrativa no processo de demarcação.

“Para nós, a decisão do Supremo é muito importante porque tem muitos indígenas que precisam de terras, porque eles foram expulsos dos lugares onde moravam. A gente fica muito feliz que pelo menos uma parte do que foi tirado de nós pode ser devolvido”, destaca Tukun Gakran.

Conforme pesquisadores, lideranças e entidades contrárias ao marco temporal, a tese ignora o histórico de violência e marginalização que os povos indígenas viveram no Brasil.

Além disso, há o argumento de que, caso a tese fosse aprovada, ela não só dificultaria ainda mais a demarcação de terras indígenas como fomentaria o início de novas disputas, inclusive em terras já pacificadas.

| Indígenas no Supremo Tribunal Federal em maio de 2023. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

A demarcação de terras indígenas também tem sido considerada importante para garantir a preservação ambiental, pois o avanço indiscriminado de garimpeiros e novos pastos tem contribuído para o desmatamento de florestas e a emergência climática.

Em 2021, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC) publicaram o relatório “Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais e a Governança Florestal”, que reúne 300 estudos científicos publicados sobre o tema nas últimas duas décadas.

A compilação demonstra que as taxas de desmatamento nas florestas da América Latina e Caribe são significativamente menores em áreas indígenas e tradicionais cujos direitos territoriais coletivos foram formalmente reconhecidos pelos governos.

No Brasil, as taxas de desmatamento dentro de terras indígenas são cerca de 2,5 vezes menores do que fora delas.

De acordo com o MapBiomas, as terras indígenas perderam apenas 1% de sua vegetação nativa nos últimos 30 anos, enquanto nas áreas privadas essa supressão foi de 20,6%.

De 1990 a 2020, foram desmatados um total de 1,1 milhão de hectares em terras indígenas, ao passo que o desmatamento em áreas privadas foi de 47,2 milhões de hectares.

Para os povos indígenas, determinados territórios também são uma maneira direta de conexão com antepassados, da manutenção da própria cultura e também de sobrevivência diante da expansão da vida urbana e rural no Brasil.

Atualmente, conforme dados do Censo 2022, do IBGE, há 1,69 milhão de pessoas indígenas no Brasil, o equivalente a 0,83% da população. A maior parte, cerca de 63%, vive fora dos territórios indígenas oficialmente limitados.

Apesar da recente vitória no STF, lideranças defendem que ainda existem barreiras para que todas as terras indígenas sejam reconhecidas.

O coordenador executivo da APIB, Dinamam Tuxá, pontua: “Nós temos diversas barreiras, desde políticas a barreiras orçamentárias. Temos barreiras no próprio judiciário, porque muitas dessas demarcações foram judicializadas ou vão ser judicializadas”.

“Nós só garantimos o mínimo para que consigamos avançar com a política de demarcação. Mas esse mínimo é muito importante. É o pilar, a base para garantir que os processos de demarcação ocorram, agora e no futuro”, completa.

Demarcação de terras indígenas

De acordo com a Constituição Federal, as terras indígenas são bens da União e de usufruto exclusivo dos povos indígenas.

Elas são bens inalienáveis e indisponíveis, ou seja, não podem ser objeto de compra, venda, doação ou qualquer outro tipo de negócio, sendo nulos e extintos todos os atos que permitam sua ocupação, domínio ou posse por não indígenas.

Outro ponto importante é o fato de que os direitos dos povos indígenas sobre suas terras são imprescritíveis.

No artigo 231, a Constituição prevê que as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas se destinem à posse permanente deles.

Segundo o documento, “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

A Constituição também estabelece que a União deveria encerrar todas as devidas demarcações em até cinco anos contados a partir da promulgação do texto (ou seja, até 5 de outubro de 1993), mas isso não se cumpriu.

Conforme o “Estatuto do Índio” (Lei 6001/1973), que define a demarcação das terras indígenas, o processo tem início com a identificação e delimitação do território pela Funai.

O órgão então realiza estudos que incluem avaliações antropológicas e um levantamento fundiário.

As análises passam pelo Ministério da Justiça e, caso aprovadas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) precisa reassentar eventuais não-indígenas que estavam no local. No fim, a documentação chega ao presidente da República para homologação por decreto da Terra Indígena.

Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas relevantes para a população e que têm potencial de gerar desinformação nas redes sociais.

A luta contra o marco temporal é uma das principais pautas defendidas pelas comunidades indígenas nos últimos anos.

As questões sobre direito à terra no Brasil, assim como as decisões de grande repercussão do STF, constantemente são alvos de desinformação.

Por isso, é importante munir a população de informações verídicas e com a devida apuração. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A agência Aos Fatos já mostrou, por exemplo, que deputados estavam mentindo sobre terras indígenas nas redes e na Câmara para defender marco temporal.

Neste ano, a Lupa produziu um material explicativo sobre a tese do marco temporal e mostrou que Lira errou dado sobre indígenas ao defender marco temporal no Roda Viva.

Sobre os povos originários, o Comprova explicou sobre a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami; mostrou que a retirada de produtores de arroz de terras indígenas não foi determinação de Lula; e que o cacique Raoni mora em Mato Grosso e não há evidências de que ele tenha imóvel em Paris.

ENTREVISTA

"Não demonizo a classe política, exceções e malfeitos estão em todas as áreas"

O ex-deputado federal também revelou que, caso seja confirmada a sua candidatura, a ex-primeira-dama do Estado Dona Gilda será a sua vice

20/12/2025 09h00

Fábio Ricardo Trad - Advogado, professor universitário e ex-deputado federal

Fábio Ricardo Trad - Advogado, professor universitário e ex-deputado federal Marcelo Victor/Correio do Estado

Continue Lendo...

Após ser lançado como pré-candidato a governador de Mato Grosso do Sul pelo PT, o ex-deputado federal Fábio Trad concedeu entrevista exclusiva ao Correio do Estado para comentar sobre esse novo desafio político na sua carreira pública.

“Posso dizer que cheguei a este momento com certa maturidade política, experiência no trato com a coisa pública e conhecimento do funcionamento do Estado brasileiro”, declarou.

Ele também destacou que suas prioridades serão as áreas essenciais que mais afetam a vida cotidiana das pessoas: saúde, educação e segurança pública.

Já na área ambiental, Fábio Trad disse que o Pantanal é patrimônio ambiental e ativo econômico. “Preservá-lo não é obstáculo ao desenvolvimento, mas condição para que ele seja sustentável e permanente”, ressaltou.

Para a segurança pública, o ex-deputado federal disse que agirá com inteligência, rigor, integração entre forças, cooperação federativa e investimento em tecnologia.

“Segurança pública não se faz apenas com discurso, mas com estratégia, coordenação, legalidade e profissionalismo. Polícia valorizada é garantia de segurança para a sociedade”, afirmou o pré-candidato a governador.

__

O que levou o senhor a disputar o governo de Mato Grosso do Sul neste momento da sua trajetória política?

Por enquanto, sou pré-candidato. Pré! Portanto, não falo como candidato, mas respondendo à sua pergunta, posso dizer que cheguei a este momento com certa maturidade política, experiência no trato com a coisa pública e conhecimento do funcionamento do estado brasileiro.

Entendo que Mato Grosso do Sul precisa dar um salto de qualidade na gestão pública, com mais sensibilidade social, planejamento e compromisso democrático.

Penso que, confirmada a candidatura, posso contribuir para um debate público com equilíbrio, diálogo e responsabilidade, até porque Mato Grosso do Sul precisa ter uma campanha eleitoral de verdade, honesta, leal, franca.

Caso contrário, os quatro anos do atual governador não serão submetidos a qualquer escrutínio público e isso não é bom para a população e para o Estado.

Qual é a principal diferença entre o seu projeto de governo e o da atual administração estadual?

Sendo confirmada a candidatura, proporei um modelo totalmente diferente da atual gestão. Isto porque a diferença central está na concepção de Estado.

Defendo um governo que enxergue desenvolvimento e justiça social como dimensões inseparáveis, com políticas públicas avaliáveis, transparência real e foco em resultados concretos para a população, especialmente nas áreas essenciais.

Quais serão as três prioridades do seu governo nos primeiros cem dias, se eleito?

Se confirmar minha candidatura, porque sou pré-candidato, as prioridades serão as áreas essenciais que mais afetam a vida cotidiana das pessoas: saúde, educação e segurança pública.

Na saúde, organizar a rede para reduzir filas e melhorar o acesso. Na educação, garantir condições adequadas de funcionamento das escolas e valorização dos profissionais. Na segurança, fortalecer ações integradas e inteligentes para ampliar a proteção da população.

Enfim, estabelecer um pacto institucional com os municípios para revisar prioridades orçamentárias e garantir que recursos públicos cheguem onde a população mais precisa.

Como o senhor pretende gerar emprego e renda em um estado fortemente dependente do agronegócio?

Se confirmar a candidatura, valorizando o agronegócio, mas diversificando a economia. Isso passa por incentivar cadeias produtivas locais, agregar valor à produção, fortalecer a indústria, a bioeconomia, a ciência, a inovação e apoiar pequenas e médias empresas.

De que forma seu governo pretende conciliar produção agrícola e preservação do Pantanal?

Se for confirmada a candidatura, com base na ciência, no cumprimento da lei e no diálogo. O Pantanal é patrimônio ambiental e ativo econômico. Preservá-lo não é obstáculo ao desenvolvimento, mas condição para que ele seja sustentável e permanente.

Mato Grosso do Sul vive conflitos históricos envolvendo terras indígenas. Qual será a sua postura como governador diante desse cenário?

Se for candidato, proporei uma atuação com firmeza institucional, respeito à Constituição e diálogo permanente.

Conflitos não se resolvem com omissão nem com radicalismo, mas com mediação qualificada, segurança jurídica e presença efetiva do Estado. Os direitos serão conciliados com muita escuta, diálogo paritário, respeito e estrito cumprimento da lei.

A saúde pública é uma das maiores queixas da população. O que o senhor fará para reduzir filas e melhorar o atendimento?

Sendo confirmada a candidatura, o tripé será: gestão, planejamento e integração. É preciso melhorar a regulação, fortalecer a atenção primária, otimizar o uso da rede existente e apoiar com muita força os municípios, que são a porta de entrada do sistema de saúde pública.

Como enfrentar o crime organizado e o tráfico nas regiões de fronteira do Estado?

Sendo confirmada a candidatura, com inteligência, rigor, integração entre forças de segurança, cooperação federativa e investimento em tecnologia. Segurança pública não se faz apenas com discurso, mas com estratégia, coordenação, legalidade e profissionalismo. Polícia valorizada é garantia de segurança para a sociedade.

Caso não tenha maioria na Assembleia Legislativa, como pretende governar e aprovar projetos?

Se se confirmar a minha candidatura, asseguro que haverá permanente diálogo institucional, respeito às diferenças e construção de consensos em torno do interesse público. Governar não é impor, mas construir o que é possível visando o bem comum. O Legislativo será respeitado e valorizado.

Não demonizo a classe política, exceções e malfeitos estão em todas as áreas humanas.

Só se avança em gestão se conjugarmos as ações na primeira pessoa do plural, nunca no personalismo. Será um governo de parcerias institucionais sólidas, transparentes e republicanas focadas nos interesses da população.

Por que o eleitor sul-mato-grossense deve confiar no senhor para governar o Estado?

Essa pergunta deve ser feita ao eleitor. De minha parte, só posso dizer que não proporei nada que não possa ser cumprido.

Como o senhor pretende contornar o fato de o seu irmão senador Nelsinho Trad disputar a reeleição apoiando a direita?

Com serenidade e respeito. Somos pessoas públicas com trajetórias, posições e responsabilidades próprias. O eleitor sabe distinguir relações familiares de projetos políticos. Não nascemos irmãos para sermos aliados na política, mas no afeto e no amor. Isso é inquebrantável!

Quem está cotado para ser seu pré-candidato a vice-governador?

Será a ex-primeira-dama do Estado Dona Gilda, esposa do deputado estadual Zeca do PT. A Dona Gilda é muito querida, respeitada, eticamente conceituada e trabalhadora, com experiência bem-sucedida em programas sociais de redistribuição de renda.

Ela dialoga bem com povos originários, quilombolas e indígenas, focando nos mais vulneráveis e na grande quantidade de pessoas pobres no Estado.

Como o senhor avalia a gestão do presidente da República?

O governo federal teve um bom desempenho, apesar de ser atrapalhado e sabotado por um congresso inimigo do povo. A conquista da isenção do Imposto de Renda para 58% da classe trabalhadora [até R$ 5.000, com benefício adicional até R$ 7.500] equivale a um 14º salário para muitos.

Essa medida é crucial para aumentar a renda da classe média trabalhadora e dos mais vulneráveis, embora possa não fazer diferença para salários mais altos”.

O senhor se sente à vontade no PT defendendo seus projetos de Estado?

Fui recebido com carinho e respeito pelos militantes do PT e do campo da esquerda, em virtude de minhas posições críticas ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) desde 2019.

Com relação ao preconceito que as pessoas têm em relação ao PT, posso desmistificar essa ideia dizendo que é um partido muito aguerrido e combativo.

O PT é uma legenda programática, propositiva, muito preocupada com a questão social e a maior da América Latina.

O Brasil, sob o governo do presidente Lula, experimentou profundas transformações econômicas. O País saiu do mapa da fome, retirou 2 milhões de famílias do Bolsa Família, reduziu a taxa de desemprego e controlou a inflação, que hoje está compatível com a meta.

Houve uma diminuição significativa da desigualdade social, um problema histórico no Brasil. Os indicadores econômicos apontam para uma era de prosperidade, aumentando a renda e a dignidade das pessoas mais vulneráveis no nosso Estado.

*PERFIL

Fábio Ricardo Trad - Advogado, professor universitário e ex-deputado federalFábio Ricardo Trad - Advogado, professor universitário e ex-deputado federal - Foto: Marcelo Victor/Correio do Estado
 

Fábio Trad

É advogado e professor universitário, com atuação reconhecida nas áreas de Direito Penal e Constitucional. Foi deputado federal por três mandatos consecutivos, período em que se destacou nacionalmente pela qualidade técnica de sua atuação parlamentar, sendo reiteradamente apontado como um dos melhores legisladores do País.

No Congresso Nacional, teve participação relevante em comissões estratégicas e nos principais debates sobre democracia, direitos fundamentais, justiça social, saúde, educação e segurança pública, sempre com postura independente, republicana e fiel à Constituição.

Na advocacia, atua no foro e nos tribunais, inclusive em instâncias superiores. Na docência, dedica-se à formação jurídica com foco na técnica e na função social do Direito. É palestrante e articulista, participando ativamente do debate público sobre temas jurídicos e institucionais.

Assine o Correio do Estado

INVESTIGAÇÃO

Beto assina o pedido para prorrogação da CPMI do INSS por mais quatro meses

A comissão termina seus trabalhos em 28 de março de 2026, mas poderá chegar até julho com a possibilidade de alongamento

20/12/2025 08h20

O deputado federal sul-mato-grossense Beto Pereira (PSDB) é membro titular da CPMI do INSS

O deputado federal sul-mato-grossense Beto Pereira (PSDB) é membro titular da CPMI do INSS Waldemir Barreto/Agência Senado

Continue Lendo...

Em razão da nova fase da Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal (PF) na quinta-feira e que resultou nas prisões de Romeu Antunes – filho de Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS – e de Éric Fidelis – filho do ex-diretor de Benefícios do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) André Fidelis –, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS deve ser prorrogada por mais 120 dias.

A informação é do deputado federal sul-mato-grossense Beto Pereira (PSDB), membro titular da CPMI do INSS, que assinou, na quinta-feira, o pedido de alongamento dos trabalhos, em função dos desdobramentos dos últimos dias.

“Assinei o pedido proposto pelo deputado federal Marcel van Hattem [Novo-RS] e acredito que a CPMI do INSS será prorrogada por mais 120 dias”, declarou.

O parlamentar explicou ao Correio do Estado que os novos fatos têm de ser fiscalizados pela Câmara dos Deputados e o Senado.

“Essa ação é necessária para que possamos desvendar e entregar à população o fim dos descontos aos aposentados e pensionistas de uma vez por todas”, pontuou.

Beto Pereira ainda apresentou o paradoxo de que o cidadão comum para aposentar enfrenta uma burocracia sem tamanho e para as empresas poderem aplicar descontos há uma facilidade sem precedentes. 

“Para aposentar é tão difícil, pois o trabalhador tem de apresentar tantos documentos, entretanto, para descontar é tão fácil, não precisa nem enfrentar nenhuma fila”, ironizou.

ASSINATURAS

A oposição ao governo do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já conseguiu obter o número mínimo de assinaturas para prorrogar os trabalhos da CPMI do INSS. Foram obtidas, até esta sexta-feira, as assinaturas de 175 deputados federais e 29 senadores.

Segundo o deputado Marcel van Hattem, não houve assinatura de petistas dessa vez. “Em menos de 24 horas conseguimos obter todas as assinaturas”, disse o parlamentar pelas redes sociais.

“Protocolamos esse requerimento ainda nesta sexta-feira, para que nós possamos submeter à leitura do presidente do Congresso Nacional para que os trabalhos não parem”, declarou.

A CPMI do INSS termina seus trabalhos em 28 de março de 2026, mas, com a possibilidade de prorrogação, ela poderia se estender até julho do próximo ano.

A operação da PF mirando o senador Weverton Rocha (PDT-MA) e as revelações ligando Fábio Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente Lula, ao esquema de roubo de aposentadorias deram um novo fôlego ao colegiado. Tanto que o relator da CPMI do INSS, deputado federal Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), pediu a convocação de Lulinha.

Durante a operação de quinta-feira, foram presos o secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, o ex-chefe de gabinete de Weverton Rocha Romeu Carvalho Antunes, o filho de Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como Careca do INSS, e Éric Fidelis, filho do ex-diretor de Benefícios do INSS André Fidelis.

Como mostramos, a CPMI do INSS apontava o senador Weverton Rocha como um dos chamados “peixes grandes” no esquema.

O outro nome na mira da comissão é o do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi (PDT). Sobre Weverton, a esperança da CPMI era de que a PF pudesse desdobrar eventuais relações dele com o empresário Gustavo Marques Gaspar, ex-assessor do senador.

Ele é apontado não somente como homem de confiança de Rocha, mas como quem teria assinado um documento que dava amplos poderes ao consultor Rubens Oliveira Costa, apontado pela PF como o “carregador de mala” do Careca do INSS.

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).