Política

precedente perigoso

Juristas dizem que redução de penas a golpistas pode provocar efeito dominó

Focando Bolsonaro, Câmara dos Deputados aprovou, por 291 a 148 votos, o novo texto, que agora será enviado ao Senado

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A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada de ontem, por 291 votos a 148 votos, o projeto de lei que prevê a redução de penas de pessoas condenadas pelos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro de 2023 e pela tentativa de golpe de Estado, focando, preferencialmente, o ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL).

O texto é um substitutivo do relator, deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), ao Projeto de Lei nº 2.162/23, do deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e outros. Para juristas ouvidos pelo Correio do Estado, a aprovação desse projeto de lei pode criar um precedente perigoso.

Para o professor doutor da Faculdade de Direito (Fadir), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Sandro de Oliveira, por exemplo, a aprovação do novo texto, que agora será analisado pelo Senado, pode abrir um precedente perigoso, causando um efeito dominó.

CALIBRAGEM

Sandro de Oliveira acrescentou que, além das mudanças substanciais propostas, é perceptível que parte do Parlamento não trata o tema como um debate democrático voltado à calibragem abstrata do sistema de penas, mas como instrumento para interferir em um caso concreto específico. “Essa postura, ao buscar alterar os efeitos de decisões já transitadas em julgado, acende um sinal de alerta quanto à possível violação de princípios constitucionais inegociáveis”, disse.

Na opinião dele, quando o Poder Legislativo emite juízo de valor sobre a correção, justiça ou proporcionalidade de decisões proferidas pelo Poder Judiciário, especialmente decisões transitadas ou inseridas no exercício típico da jurisdição, abre-se um debate jurídico relevante sobre os limites institucionais de cada função estatal.

“Pela ordem constitucional brasileira, o Legislativo exerce a função de criar e inovar na ordem jurídica, estabelecendo normas gerais e abstratas. Já o Judiciário detém a competência exclusiva de interpretar e aplicar o direito aos casos concretos, exercendo o controle jurisdicional de conflitos e responsabilizações. Assim, a avaliação da justiça ou injustiça de decisões judiciais, salvo nas hipóteses previstas de revisão interna dentro do próprio sistema de justiça, é uma atribuição típica do Judiciário, não do Parlamento”, afirmou.

O professor doutor argumentou que, quando o Legislativo, por seus membros ou por sua atuação institucional, procura reexaminar o mérito de decisões judiciais com base em critérios de justiça, adequação ou correção da pena, há risco de sobreposição de funções, o que tensiona o princípio da separação de Poderes consagrado no art. 2º da Constituição Federal de 1988. “Essa substituição de funções pode caracterizar iniciativa incompatível com o desenho constitucional, pois o Parlamento não aplica o direito aos casos concretos, nem revisa decisões judiciais”, comentou. 

Nessa perspectiva, conforme o jurista, torna-se juridicamente plausível o debate sobre eventual inconstitucionalidade material, caso atos legislativos venham a ser utilizados para, direta ou indiretamente, revisar, mitigar ou interferir no conteúdo de decisões judiciais específicas, como aparenta ser o caso do PL da Dosimetria.

“A Constituição reserva mecanismos de controle e revisão de decisões exclusivamente ao sistema jurisdicional, não autorizando o Legislativo a atuar como instância revisora de justiça. Por isso, avaliações legislativas que ultrapassem o âmbito de produção normativa e avancem sobre o mérito de decisões judiciais suscitam questionamentos legítimos quanto à sua conformidade com o modelo constitucional de separação funcional”, assegurou.

Sobre esse ponto, Sandro de Oliveira pontuou que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é consolidado desde 2005, como demonstram as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 2.797/DF, nº 3.105/DF e nº 4.424/DF. “Nesses precedentes, a Corte enfatiza que a função jurisdicional de aplicar o direito ao caso concreto não pode ser suprimida nem esvaziada por legislação que busque substituir a interpretação judicial. Então é grande a possibilidade de controle de constitucionalidade sobre o produto final do PL da Dosimetria”, afirmou.

De acordo com o professor doutor, no fim das contas, pode-se afirmar que, diante da falta de apoio político para uma anistia ampla e irrestrita aos já condenados pela tentativa de golpe de Estado, o Parlamento parece buscar uma espécie de semianistia, se é que tal figura se sustenta juridicamente. “Preserva-se a punição, mas se abrandam seus efeitos por meio da reforma pretendida. Ocorre que essa solução produz um custo elevado: a nova norma inevitavelmente alcançará também condenados por razões diversas da tentativa de golpe, gerando um típico efeito dominó”, alertou.

CLEMÊNCIA

Já o advogado Benedicto Arthur Figueiredo Neto explicou que, quanto à questão dos atos de golpe de Estado, o projeto de lei anda bem, “porque visa separar o joio do trigo quando prevê que as pessoas que praticaram atos de golpe de Estado, em contexto de multidão”, a pena deve ser reduzida de um a dois terços desde que a pessoa não tenha sido financiadora ou exercido papel de liderança, beneficiando a massa das pessoas que participaram dos atos do 8 de Janeiro, também chamados de golpistas, como é o caso da cabeleireira Débora Rodrigues, que teve uma pena altíssima por pichar uma estátua com batom e depois lavada com água e sabão e que não teve dano algum ao patrimônio público.

Ele pontuou, entretanto, que o que vem chamando a atenção é a mudança na aplicação da dosimetria da pena, que, em vez de prever o acúmulo material, ou seja, somar-se todas as penas para se chegar ao resultado altíssimo, passa-se a ser calculado pelo acúmulo formal próprio. “Ou seja, no caso da pena do presidente Bolsonaro, considera-se que ele praticou uma só ação que gerou mais de dois crimes, pouco importando se foram idênticos ou não, e que, a partir de então, vai lhe ser aplicada a pena mais grave, devendo ser aumentada de um sexto até a metade, ficando esse cálculo a critério do julgador”, assegurou.

Na opinião dele, Bolsonaro foi condenado por liderança em organização criminosa, tentativa de abolição ao Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, dano ao patrimônio e deterioração ao patrimônio tombado, gerando uma pena absurda de 27 anos de prisão, sem que ele tivesse qualquer controle do que estivesse acontecendo.

O que muda com o novo texto

Fim da soma de penas

O texto impede que os crimes contra o Estado Democrático de Direito, como golpe, incitação e abolição violenta sejam somados. Quando praticados no mesmo contexto, serão tratados como concurso formal, aplicando-se apenas a pena mais grave com um aumento.

Contexto de multidão

Cria-se o artigo nº 359-V, que prevê diminuição de um terço a dois terços da pena para réus que participaram de um ato ilegal sem exercer liderança e sem financiar a mobilização. Vai beneficiar principalmente os réus primários e sem papel de comando no 8 de Janeiro, o que representa a maioria dos condenados.

Progressão de regime

É retomada a possibilidade de progressão após cumprimento de um sexto da pena, exceto nos crimes mais graves: hediondos, feminicídio, milícia ou delitos com violência ou grave ameaça. Como os crimes do 8 de Janeiro não entram nessas exceções, os réus primários terão progressão antecipada.

Remição em prisão domiciliar

O projeto deixa claro que a remição de pena por estudo ou trabalho vale para quem cumpre pena em regime domiciliar, hipótese até hoje discutida nos tribunais. Acelera o tempo útil de cumprimento de pena para quem está fora do sistema prisional – em regime fechado ou semiaberto domiciliar.

Delitos acessórios

Reduz as penas dos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Hoje, com a pena de 6 meses a 3 anos de detenção e multa, o dano qualificado passa a 2 anos e multa. Altera a pena de deterioração de patrimônio tombado de multa e 1 ano a 3 anos de detenção para 6 meses a 2 anos e multa.

Política

Gilmar atende Senado e reconsidera liminar sobre impeachment de ministros

A decisão mantém, porém, a exigência de quórum mínimo de dois terços do Senado para aprovar o afastamento

10/12/2025 22h00

Crédito: Antonio Cruz / Agência Brasil

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes atendeu a pedido do Senado e suspendeu parte da decisão liminar que alterou o rito de impeachment contra integrantes da Corte para aguardar que o Congresso legisle sobre o tema. O trecho suspenso foi o que dizia que apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) poderia pedir o afastamento de ministros do Supremo. A decisão mantém, porém, a exigência de quórum mínimo de dois terços do Senado para aprovar o afastamento. A legislação atual previa maioria simples.

"A mim me parece, nesse contexto, que o Senado Federal, em especial os senadores que passam pela cadeira presidencial, tem demonstrado adequada percepção dos potenciais traumáticos, sob o ponto de vista institucional, que decorrem da instauração de processos de impeachment contra Ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo certo que, por isso mesmo, vem adotando postura prudente e equilibrada, em consonância com os postulados da separação dos poderes e da independência judicial", disse Gilmar na decisão.

Na manifestação enviada na terça-feira a Gilmar, a advocacia do Senado pediu que o Supremo aguardasse o Congresso concluir a apreciação do projeto de lei (PL) de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) que altera a Lei do Impeachment, de 1950.

"Entendo que o profícuo debate legislativo em curso evidencia a possibilidade de acolhimento parcial das demandas formuladas pelo Senado Federal", considerou Gilmar.

O ministro ainda elogiou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e disse que o parlamentar mostrou "elevado espírito público" ao arquivar 36 pedidos de impeachment contra ministros protocolados durante sua gestão. Alcolumbre criticou a liminar de Gilmar e chegou a pautar a PEC do Marco Temporal, aprovada ontem, em retaliação ao ministro.

O PL estava na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado desta quarta-feira, 10, mas o debate foi adiado para 2026. O adiamento atendeu ao pedido do relator da proposta, senador Weverton Rocha (PDT-MA). Ele disse que ainda recebe sugestões de mudanças no texto e que, após conversa com Pacheco na manhã de hoje, decidiu fazer mais uma sessão de debates.

Pacheco é aliado de Gilmar e apoiava a indicação do senador para uma vaga no Supremo até a indicação do advogado-geral da União Jorge Messias.

"A suspensão temporária das ações e a revogação ou suspensão dos efeitos da medida cautelar, pelo curto período necessário à conclusão da deliberação parlamentar, mostra-se providência adequada e proporcional, pois permite que o Congresso Nacional conclua a apreciação de matéria de sua competência constitucional sem comprometer a coerência sistêmica do ordenamento e sem gerar oscilações indesejáveis no tratamento da matéria", diz a manifestação do Senado.

A liminar seria analisada em sessão virtual pelo plenário do Supremo a partir desta sexta-feira, 12, até o dia 19. Com a reconsideração, o tema foi retirado de pauta.

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Política

CCJ aprova cassação do mandato de Carla Zambelli; decisão final é do plenário da Câmara

O caso segue para deliberação no plenário. Ela está presa na Itália, para onde fugiu após ser condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)

10/12/2025 21h00

Deputada federal Carla Zambelli

Deputada federal Carla Zambelli Agência Câmara

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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta quarta-feira, 10, a cassação do mandato da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) por 32 votos a 2. O caso segue para deliberação no plenário. Ela está presa na Itália, para onde fugiu após ser condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A comissão rejeitou em primeira votação o parecer do deputado Douglas Garcia (Republicanos-PR), que foi contra a cassação de Zambelli. Como a proposta do relator foi derrotada, a CCJ designou o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) como novo relator para apresentar manifestação pela perda do mandato.

"A Câmara dos Deputados encontra-se diante de uma situação insuperável. A condenação criminal da deputada Carla Zambelli é definitiva. A pena é de regime fechado. A parlamentar já está detida pelas autoridades italianas, por determinação do STF, o que a impede absolutamente de exercer seu mandato", defendeu Cajado.

O parecer inicial de Garcia foi derrotado por 32 votos a 27 em uma manobra do Centrão. A diferença de cinco votos contra Zambelli na primeira votação coincide com as mudanças promovidas pelo União Brasil na CCJ. O partido alterou a sua bancada de cinco deputados na comissão às vésperas da votação da perda do mandato da deputada. A sigla trocou parlamentares da sua ala bolsonarista por nomes mais moderados e governistas.

No dia 8 de dezembro, a bancada do União na CCJ era integrada pelos deputados Coronel Assis, Delegado Marcelo Freitas, José Rocha e Nicoletti, todos, com exceção de Zé Rocha, da ala ligada ao bolsonarismo. Nesta terça-feira, 9, passaram a compor a comissão os deputados Benes Leocádio, Meire Serafim, Moses Rodrigues, Pedro Lucas Fernandes e Vanderlan Alves.

Zambelli foi condenado duas vezes pelo STF neste ano e, nos dois casos, os ministros determinaram a sua cassação. Em junho, a Corte a condenou a dez anos de prisão e à perda do mandato por envolvimento na invasão feita pelo hacker Walter Delgatti Neto ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Este foi o caso analisado pela CCJ e que levou à decisão pela cassação.

Passados dois meses, o STF julgou novos crimes da deputada e a condenou a cinco anos e três meses de prisão e perda do mandato por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal no episódio em que perseguiu um homem com arma em punho, na véspera do segundo turno das eleições de 2022.

Zambelli participou por videoconferência da deliberação da CCJ e pediu que os parlamentares votassem contra a sua cassação, alegando ser inocente e sofrer perseguição política. "É na busca da verdadeira independência dos Poderes que eu peço que os senhores votem contra a minha cassação", disse.

Cajado avaliou, por sua vez, que a maioria da CCJ "não vislumbrou a ocorrência de perseguição política". Já Garcia, relator inicial do caso, disse que, ao ter acesso aos autos dos processos que tramitaram no STF, encontrou elementos de direcionamento do ministro Alexandre de Moraes contra Zambelli.

Garcia apresentou a primeira versão do seu relatório no dia 2 de dezembro e um novo nesta terça-feira, mas defendeu em ambas versões a manutenção do cargo de Zambelli. Segundo o deputado, o problema estrutural do caso contra a parlamentar é que a CCJ julgou a perda do mandato "com base em provas que não existem".

Parlamentares do PL, partido de Zambelli, defenderam a manutenção do cargo reproduzindo os mesmos argumentos de Garcia, de que não tiveram amplo acesso à investigação da Polícia Federal (PF) que levou à sua condenação e de que a principal prova contra a deputada seria a palavra do hacker.

"O núcleo da acusação foi baseada na palavra de um hacker", disse a deputada Chris Tonietto (PL-RJ). "Do que nós tivemos acesso, a única coisa que tinha contra a deputada Carla é a palavra de um hacker que é conhecido como um mentiroso contumaz", afirmou a deputada Chris Tonietto (PL-RJ). "É a condenação de um parlamentar por crime de terceiro (Walter Delgatti)."

Já os deputados governistas defenderam que não cabe à Câmara se colocar contra decisão do STF. "Eu quero contrapor o núcleo central do relatório à luz da constituição. Não se trata aqui, porque está muito na moda neste Parlamento, fazer a revisão de pena. Fazer a revisão do processo", disse a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

"A própria Constituição ao estabelecer no seu artigo segundo a harmonia e a independência entre os Poderes determina que cada Poder cuida das suas atribuições. Não cabe ao Parlamento e a essa comissão, não cabe nem sequer ao plenário desta Casa a revisão de pena, processo ou adentrar as competências do Supremo Tribunal Federal", finalizou.

A cassação do mandato de Zambelli ocorreu quase seis meses após a ordem prisão e primeira condenação pelo STF. A votação às vésperas do recesso parlamentar faz parte de um acordo firmado por líderes partidários na esteira da votação do PL da Dosimetria, que reduz penas dos condenados por envolvimentos em atos golpistas.

Além da parlamentar, a Câmara votará a cassação dos deputados Glauber Braga (PSOL-RJ), por quebra de decoro ao reagir com chutes a provocações de um militante do Movimento Brasil Livre (MBL), e Alexandre Ramagem (PL-RJ), que está foragido nos Estados Unidos após ser condenado pelo STF por envolvimento na tentativa de golpe de Estado liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro./COLABOROU LEVY TELES

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