Ele percorre os corredores da Santa Casa de Campo Grande com a familiaridade de quem conhece cada canto daquele prédio. E não poderia ser diferente. Sebastião Parente Teles, 58 anos, começou a trabalhar lá quando tinha 19 anos e, hoje, mesmo aposentado, continua atuando no hospital, que é uma espécie de segunda casa.
Tião, como é chamado pelos colegas de serviço, passou por vários setores do hospital e acompanhou mudanças na estrutura do prédio, na administração da Santa Casa e até na forma de tratamento dos pacientes.
Por influência da irmã, que já trabalhava no local, ele aceitou o emprego em 1977. Pouco antes, atuou como garçom e jogador de futebol, até ter de escolher entre a insegurança dos gramados e a estabilidade da carteira assinada. Optou pela segunda alternativa e parece não ter se arrependido.
“Eu sempre gostei. É meu mundo. Sempre vivi ali”, declara, referindo-se ao Pronto Socorro, o setor predileto. Mas no histórico tem também a área de faturamento, internação e transporte.
As lembranças dele são sempre contextualizadas entre o antigo e o novo prédio do hospital, que foi inaugurado em fevereiro de 1981, com 33 mil metros quadrados.
Das velhas instalações, ele destaca a proximidade entre um setor e outro. “Era mais fácil se encontrar com as pessoas, havia menos pacientes. Era tudo mais fácil, tudo mais perto. Hoje fica tudo mais longe, tudo mais difícil. E aquele tempo não tinha informatização”, recorda-se, sobre o tempo em que usavam máquinas de escrever.
Questionado sobre a dificuldade de encontrar documentos ou prontuários dos pacientes nesse período, ele explica que os familiares não demonstravam tanto interesse quanto agora. “Era muito difícil! Quando a pessoa morria, diziam: ‘Foi Deus quem quis’. Ninguém ia atrás e, hoje, não”.
Essas características, claro, tinham influência direta no relacionamento entre profissionais e pacientes. Tião conta que os doentes eram conhecidos pelos nomes. “Agora você tem um prontuário. Então, às vezes, você o olha pelo número. Isso é ruim, isso é muito frio. Ter de chamar um paciente por um painel. Então, isso se torna frio, mas tem que evoluir. A gente vai evoluindo.”
Outra mudança apontada por ele foi a transferência do número 192 para o Corpo de Bombeiros e, posteriormente, para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Antes, quem acionasse essas teclas de emergência falaria direto com o Pronto Socorro do hospital. Tião atendeu muitas dessas ligações.
“Por diversas vezes, eu dirigia ambulância, porque sempre fui responsável pelo setor de transporte e, naquela época, dirigia ambulância também. Saía daqui com a sirene ligada e ia buscar paciente”, conta. “Era trote direto, mas depois compramos bina. O pessoal ameaçava: ‘Tem esfaqueado aqui e se você não vier ele vai morrer’. Eu ia correndo.”
ASSESSOR
Sebastião também atuou como uma espécie de assessor de imprensa quando o hospital não tinha o serviço e diz que a amizade com alguns jornalistas da época permanece. “Tínhamos um posto da Polícia Militar e outro da Polícia Civil. A imprensa passava ali, pegava as ocorrências e vinha aqui pegar informação. A gente tinha um livro de ocorrência; mas, às vezes, ficavam sabendo das coisas primeiro que a gente.”
O respeito era o que marcava essa relação. “Sempre procuramos preservar a integridade do paciente, não passar informação descabida. Eu falava: ‘Isso aí vocês têm que segurar, porque não saiu ainda ou a própria polícia pediu pra segurar’. Nunca tive problema”.
Em relação às crises financeiras enfrentadas pelo hospital, segundo ele, não houve influência nos trabalhos dos profissionais. “Sempre quando tem, pedem para economizar, diminuir custos. Mas, no atendimento ao paciente, a gente observa que dificilmente alguma coisa foi deixada de fazer por crise financeira.”
Até quando houve intervenção judicial e o hospital deixou de ser administrado pela Associação Beneficente de Campo Grande (ABCG) e ficou sob a responsabilidade de representantes do Ministério da Saúde, do governo do Estado e da prefeitura, ele alega que não ocorreram diferenças na rotina. “Para os funcionários, passa batido, porque nós temos que trabalhar. Com A, B ou C, nós temos que trabalhar e fazer nossa função.”
E nessa rotina de trabalho ele conta ser inevitável o contato com pessoas gravemente feridas. “Às vezes, a gente vê o paciente grave. Isso é inevitável pra quem trabalha na própria recepção”, diz. Para ele, os episódios mais tristes envolvem crianças.


