Em um intervalo de aproximadamente 24 horas, seis pessoas morreram de Covid-19, em unidades de pronto atendimento (UPAs) e centros regionais de saúde (CRSs) de Campo Grande aguardando um leito hospitalar.
O relatório das mortes que o Correio do Estado teve acesso mostra que estes pacientes que esperavam por vagas em unidades de terapia intensiva (UTIs) nos hospitais de Campo Grande – todas lotadas – foram a óbito entre a manhã do dia 15 e a manhã do dia 16.
De lá para cá, ocorreram pelo menos outras duas mortes nas UPAs de Campo Grande. Em outra lista que o Correio do Estado teve acesso havia 80 pessoas nas UPAs aguardando um leito hospitalar em Campo Grande.
Desde o dia 15 de maio, pelo menos 20 pessoas morreram nas UPAs, conforme outro levantamento extraoficial que a reportagem recebeu.
O Correio do Estado entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) para questionar as mortes. A Pasta negou que esse seja o número certo, mas não informou os dados oficiais.
A longa fila de espera ocorre em meio a uma “guerra de decretos”, com duas regras vigentes: uma decretada pelo governo de Mato Grosso do Sul, no dia 9 deste mês e válida por 14 dias, que coloca a Capital e outras 42 cidades na bandeira cinza do Programa de Saúde e Segurança da Economia (Prosseguir).
Neste tempo, em que atividades não essenciais, como comércio varejista em geral, shoppings, restaurantes e cinemas não podem abrir, e outra mais flexível foi decretada pelo prefeito Marcos Trad (PSD), na segunda-feira (14), e traz Campo Grande de volta à bandeira vermelha, em que todas as atividades não essenciais são permitidas e a circulação de pessoas é maior.
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) vai analisar a constitucionalidade dos decretos. Até ontem, porém, ainda não havia sido ajuizada nenhuma ação direta de constitucionalidade para que o Judiciário pudesse decidir qual decreto vale.
Apesar de serem estruturadas para darem o primeiro atendimento e estabilizarem pacientes graves, as UPAs não devem manter o enfermo por mais de 24 horas, conforme a Resolução 2.079 do Conselho Federal de Medicina, de 2014. Após esse período, caso necessário, o paciente deve ser encaminhado a um hospital de referência.
Segundo a Sesau, até ontem, havia 57 pacientes com suspeitas de síndrome respiratória aguda grave (Srag), o que inclui Covid-19, em atendimento nas UPAs do município.
Destes, nove encontravam-se intubados. A título de comparação, no dia 4 de junho havia 31 pacientes intubadas nas UPAs, o que representa uma redução de mais de 80% em quase duas semanas.
No entanto, é importante salientar que nesse período moradores de Campo Grande foram transferidos para outros estados por falta de leitos de UTI.
O prefeito da Capital, Marcos Trad, chegou a declarar nesta semana que “nenhum campo-grandense vai morrer longe de um leito de UTI na minha cidade”.
Conforme a Sesau, o atendimento nas UPAs do município foi reestruturado e as unidades passaram a contar com atendimento de equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e dentistas.
Além de equipamentos específicos para dar um suporte mais adequado a pacientes mais críticos. Em nota, a Pasta afirmou que “todos os pacientes que encontram-se dentro de uma UPA estão recebendo toda a assistência possível”.
Últimas notícias
CASOS
Enquanto a circulação de pessoas ocorre normalmente nas ruas, os números de contaminação continuam altos. Desde o dia 13, quando o decreto estadual entrou em vigor, 2.221 novos casos foram registrados na Capital. Neste mês, já são 7.857 novos casos, de acordo com os dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES).
O número de mortes também está elevado, 302 pessoas já perderam a vida em decorrência da Covid-19 neste mês em Campo Grande, 90 desde o dia 13.
Os hospitais continuam lotados: ontem, eram 268 pessoas internadas em UTIs, 258 em leitos de enfermaria, além das mais de 80 que estão nas UPAs.
Atual epicentro da doença, Campo Grande possui índices de agravamento da pandemia superiores aos dos registrados no Estado.
Dados da SES apontam que nos primeiros 17 dias de maio, Mato Grosso do Sul registrou 710 mortes por Covid-19, 60,2% a mais do que os falecimentos computados no mesmo período em maio, considerado, até então, o pior mês na pandemia.
Em relação aos casos confirmados da doença, o crescimento foi de 78%, com 28.765 pessoas infectadas neste mês e 17.954 contágios nos primeiros 17 dias de maio.
No Hospital Regional, por exemplo, as mortes ocorrem às dezenas em alguns dias da semana. Imagens que o Correio do Estado obteve de dentro do hospital mostram pacientes mortos, cujos cadáveres aguardam remoção para a câmara fria instalada no local em leitos ao lado de pacientes vivos.
De acordo com o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), junho poderá se tornar o pior mês da pandemia. O Estado e a Capital há semanas batem recordes de casos e mortes.
O pesquisador salientou que quando o sistema de saúde entra em colapso, como é o caso de Mato Grosso do Sul, a assistência à saúde deixa de ser prestada de forma adequada, o que resulta em um aumento da taxa de letalidade, que, por ora, está em 2.4%.
“Isso aconteceu em Manaus, quando temos o colapso da saúde aumentamos a taxa de letalidade porque não conseguimos atender os pacientes de forma adequada. Temos 150 pacientes na fila de espera por um leito, em que 98 são de Campo Grande. Com isso, é provável que teremos um número significativo de mortes em UPAs neste mês”, ressaltou.