“Eu mudei de profissão porque queria ganhar dinheiro”, afirma Ana Cavallari, 27. Hoje, ela é uma bem-sucedida “broker”- palavra inglesa que significa “corretor” e é usada pelo mercado financeiro para se referir a quem trabalha com compra e venda de ações. Ao contrário de muita gente, Ana admite sem pudores que dinheiro foi seu principal motivador na hora de escolher um ofício. Para ganhar mais, ela abandonou a carreira que tinha escolhido por vocação, no ramo de hotelaria.
Alguém que abandona uma profissão que não lhe agrada e procura por algo que dê mais prazer, aparentemente, pode parecer que tem intenções mais nobres do que a pessoa que resolve tomar a mesma atitude, mas por razões financeiras. Será que dinheiro é um motivo legítimo para trocar de profissão? A psicóloga e coach – profissional que auxilia pessoas a planejarem e encontrarem uma forma de desenvolver seus projetos, seja no âmbito pessoal ou profissional – Rosângela Casseano acha que sim. “Cada um vai em busca de seus valores. Muita gente dá mais importância a ter uma vida financeira boa do que procurar uma profissão que traga mais satisfação pessoal. Para estas pessoas a conquista financeira é fundamental. Não há nada de errado com isso”, explica.
O presidente da Sociedade Brasileira de Coaching, Villela da Matta, concorda. “Com certeza a pessoa não se deve recriminar. Cada momento da vida é pautado por algo importante. Quando uma pessoa toma uma decisão é porque sente necessidade de satisfazer algo que está faltando.”
Viagens e compras
Quando entrou na faculdade de Administração Hoteleira, Ana Cavallari achava que estava no caminho certo. No segundo ano de faculdade, percebeu que os profissionais deste ramo não tinham salários compatíveis com os que ela imaginava ganhar no futuro. Mesmo assim resolveu não abandonar o curso e se formou. Trabalhou seis meses na área e, apesar de ter gostado da experiência, decidiu que a carga de horário pesada e a remuneração baixa não valiam a pena. Foi então que recomeçou do zero. Novo vestibular e outra profissão.
“Fiz a faculdade de Administração de Empresas em dois anos, pois consegui eliminar algumas matérias. Optei por este curso porque é generalista e acreditava que dentro de uma empresa eu teria mais perspectivas de crescimento do que num hotel”, relembra Ana.
Há quatro anos ela conseguiu um estágio numa corretora de valores e não saiu mais. Descobriu que, além da realização financeira que sempre quis, poderia também gostar do seu trabalho. “Dei sorte. Gosto de ser broker. Ganho bem e ainda faço uma coisa que me dá prazer.” Mas afinal, por que ter uma remuneração boa foi tão determinante assim? “Eu gosto de viajar, conhecer lugares e culturas novas. Adoro comprar o que bem entendo e pagar minhas contas com o dinheiro do meu trabalho. Nunca quis ser dependente de ninguém e ter que dar satisfações sobre o que faço ou deixo de fazer com meu dinheiro.”
Perspectiva de crescimento
Bons cargos e salários estão diretamente ligados a um elevado nível de cobrança e responsabilidade. O ex-jornalista e agora gerente nacional de vendas, Rodrigo Garofalo, 33, sabe bem disso. “Quando deixei a redação eu sabia que tinha um belo desafio pela frente. Sempre tive consciência de que ser bem remunerado não é algo que vem sem problemas. O estresse e a cobrança são enormes”, diz.
Para Rodrigo, dinheiro não foi fator único na mudança de carreira. Não ter perspectiva de crescimento, naquele momento, pesou bastante. “Recebi uma proposta, que julguei ser melhor a longo prazo e veio aliada a um bom salário. Não tive dúvidas de que era o momento certo de arriscar uma mudança profissional. Gosto do que faço e minha motivação só aumentou”, diz.
A gerente de recursos humanos Claudia Araújo, 36, confessa que seu sonho de infância era ser psicóloga. Chegou a cursar dois anos na faculdade, mas desistiu porque não conseguia pagar. Foi trabalhar com turismo, mas se decepcionou com o salário e a falta de estabilidade. Em busca de uma vida financeira melhor, aceitou um emprego de recepcionista bilíngue e começou a frequentar o curso de Administração de Empresas.
“Eu fui bem ousada. Quando vagou o cargo de supervisor administrativo financeiro, fui lá e pedi para fazer uma experiência de três meses. A empresa topou e me esforcei para ter uma formação nesta área”, relembra. O desejo de ser psicóloga nunca foi extinto, mas Claudia enxergou que não obteria o retorno financeiro que desejava se optasse por deixar o ambiente corporativo.
Ela conta que sabe que se desviou de seus sonhos por muito tempo. Depois que estava estabelecida na empresa, pediu um cargo na área de RH – que se aproximava o suficiente da área de psicologia que tanto a fascinava. Conseguiu e comemorou. “Tenho a minha casa, meu carro e faço minhas viagens. Eu sei que durante muito tempo trabalhei por dinheiro, mas tive uma boa oportunidade de conciliar minhas escolhas profissionais com a área que gostava desde criança.”
Riscos e frustrações
Existem momentos em que a mudança é mais fácil, com certeza. Quanto menos compromissos financeiros a pessoa precisa assumir, melhor. A psicóloga Rosângela argumenta, no entanto, que mesmo sendo difícil, sempre é tempo de buscar novos desafios. “Tive um cliente que queria ser médico aos 45 anos. Como ele era administrador de empresas, resolvemos que ele poderia se especializar em administração hospitalar. Ele topou e está bem feliz”, conta. Ela ressalta que, às vezes, é mais viável aproveitar a carreira atual e realizar pequenos ajustes do que recomeçar do zero em outra profissão.
De acordo com Villela da Mata, é preciso fazer um alerta: abandonar um emprego para ir em busca de algo diferente representa um grande risco. “O único momento que não possui tanto peso é quando você escolhe sua primeira profissão. Depois disso, a pessoa tende a ter mais responsabilidades com o passar do tempo e o risco de trocar de carreira vai aumentando. Justamente por isso, planejamento é fundamental”, alerta.
“Mesmo que dê tudo certo, há a possibilidade de frustrações com a nova escolha. Ninguém pode se iludir e achar que apenas dinheiro irá sustentar uma vida profissional longa. Neste caso, uma saída para aliviar a insatisfação seria procurar uma atividade, em paralelo, que proporcione mais prazer”, explica Rosângela. Algumas das opções citadas pela psicóloga foram trabalho voluntário, constituir um negócio próprio ou mesmo buscar apoio em alguma crença. Não importa como, o que vale é ter algo em sua vida que traga momentos de felicidade.