Depois de seis anos, Campo Grande voltará a realizar transplantes de coração. A boa notícia foi dada ao Correio do Estado pelo chefe da equipe de transplantes cardíacos da Santa Casa, doutor João Jazbik, que estabeleceu o prazo médio de um mês para a retomada dos procedimentos. De acordo com o cirurgião, os novos Centros de Tratamento Intensivo (CTIs) geral, cardíaco e de transplante cardíaco do hospital estarão prontos até a segunda quinzena de julho. "A reforma das salas está em fase final e todos os equipamentos novos já chegaram", relata.
A retomada dos transplantes de coração em Campo Grande chega junto com o anúncio de um projeto nacional que pretende capacitar centros de transplantes em 14 Estados, inclusive Mato Grosso do Sul, além de melhorar a remuneração das equipes. Elaborado pelo Comitê Estratégico para Desenvolvimento de Novos Centros de Transplantes, órgão consultivo criado pelo Ministério da Saúde, o projeto propõe treinar equipes nos 14 Estados que hoje não realizam transplantes de forma regular para fazer a captação de órgãos e capacitar médicos para a realização da cirurgia de transplante.
Com 40 anos de profissão, 17 mil cirurgias e 16 transplantes de coração no currículo, João Jazbik já foi convidado pelo cirurgião Silvano Raia, coordenador executivo do comitê, para assumir a coordenação estadual do projeto. O texto deve ser submetido à avaliação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, nos próximos dias e, uma vez implantado, fará com que o Estado receba mais recursos para capacitação de profissionais e aquisição de remédios e equipamentos. "Não tenho dúvida de que voltaremos a ser a 6ª cidade do país em transplante de coração, como fomos em 2000", espera Jazbik.
Hoje, há 14 pacientes cadastrados na Central Estadual de Transplantes a espera de coração. Um deles é a dona Fátima Pereira de Souza, de 44 anos, diagnosticada com cardiopatia em 2002. Fátima toma sete comprimidos por dia, gasta cerca de R$ 150 por mês com os remédios que o Sistema Único de Saúde (SUS) não oferece e, apesar de ter um quadro estável e conseguir levar uma vida relativamente normal, recebeu com alegria a notícia da retomada dos transplantes. "Dá um fôlego novo, sem dúvida", comemora.
O último transplante de coração realizado pela Santa Casa aconteceu em 2005 e, de lá para cá, o centro, que já foi referência nacional neste tipo de cirurgia, simplesmente parou. "Falta vontade política, falta vontade por parte dos colegas médicos, falta lutarmos por um ideal estabelecido. A retomada dos transplantes cardíacos só será possível graças a uma doação feita pelo senhor Antônio de Moraes e meses de trabalho em busca dos melhores preços de equipamentos", esclarece Jazbik.
Antes de voltar a realizar o procedimento, a Santa Casa precisa reaver a autorização junto ao Ministério da Saúde, suspensa desde o ano passado. "A autorização precisa ser renovada a cada dois anos. Em 2010, não recebemos os documentos necessários e a autorização está suspensa", explica a coordenadora da Central Estadual de Transplantes, Claire Miozzo. De acordo com Jazbik, o CTI precisa estar pronto para passar por avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Só então os documentos serão encaminhados à Central. "Eu mesmo realizo esses trâmites e garanto que o processo é ágil", esclarece o médico.
Rins
Único hospital do Estado autorizado a fazer transplantes de rins, a Santa Casa também já foi referência neste tipo de cirurgia, chegando a realizar 60 procedimentos por ano. Agora a situação é outra: de janeiro para cá, apenas cinco transplantes de rim foram realizados, média de menos de uma cirurgia por mês. "A situação é caótica. De 2005 para cá, a Santa Casa praticamente parou", lamenta José Roberto Ost, paciente renal que está na fila para transplante há seis anos.
José Roberto está entre os 390 pacientes aptos a transplante de rim cadastrados na Central Estadual, um número que só faz crescer. No final do ano passado, a Santa Casa encaminhou um ofício à Central Estadual de Transplantes comunicando que só realizaria transplantes de rim entre pessoas vivas. "Só neste ano, ofertamos seis rins de cadáveres para outros Estados. Isso significa que a captação funciona muito bem, o problema está no transplante", explica Claire.
Procurada para explicar a situação, a assessoria de imprensa da Santa Casa informou que a licença para realizar os transplantes de cadáveres está vencida. "Este tipo de procedimento precisa de uma autorização específica da vigilância sanitária, que venceu. Já estamos viabilizando a renovação da licença", garantiu a assessoria do hospital.
Córneas
Mas nem tudo são espinhos. Se tem um tipo de transplante que funciona extremamente bem em Mato Grosso do Sul, é o de córneas. Hoje, 20 pessoas estão na fila à espera do tecido, mas não devem esperar muito tempo. "A fila para o transplante de córnes não é grande porque todo o processo funciona muito bem: temos muitas doações, muitas equipes de médicos e estabelecimentos aptos para realizar o procedimento", explica Claire.
Em Campo Grande, o hospital São Julião atende pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e outras três clínicas atendem pacientes particulares ou de convênios. Também há uma clínica particular em Três Lagoas autorizada a realizar o procedimento. "O interesse para realizar transplantes precisa partir da clínica. Ela precisa montar estrutura e equipe e, só então, buscar a autorização do Ministério da Saúde", esclarece a coordenadora da Central.
O que beneficia o interesse pela realização de transplantes de córneas são alguns detalhes importantes. Córneas são tecidos que podem ser retirados do cadáver até seis horas após o óbito, o que confere à equipe médica mais tempo para convencer a família a autorizar a doação. Já órgãos sólidos, como coração e rins, precisam ser retirados do doador com morte encefálica, ainda no CTI. "A família, muitas vezes, vê o coração batendo artificialmente no CTI e não tem coragem de autorizar a retirada dos órgãos", ilustra Claire.
De janeiro até agora, Mato Grosso do Sul ofertou 13 córneas, três corações e um fígado para outros Estados. Quando um doador é encontrado e não há possibilidade de transplante no Estado de origem, a Central Nacional, em Brasília, é acionada. Ela entra em contato com as centrais estaduais e o órgão, ou tecido, viaja em encontro do futuro receptor. Nenhum hospital de Mato Grosso do Sul realiza transplante de fígado; não há estabelecimento nem equipe autorizada pelo Ministério da Saúde.