Mudanças cotidianas podem, sim, fazer a diferença. A escolha de abolir o consumo de derivados animais, feita por diversos jovens em Campo Grande – na dieta, no vestuário, na higiene pessoal, etc. –, é o tipo de resistência que cria frutos. Um desses é o surgimento de uma rede de veganos na cidade, que favorece produtores locais e um estilo de vida mais consciente. O motivo da mudança é simples: respeito por animais não humanos.
É muito fácil confundir veganismo com vegetarianismo, mas quem é adepto explica: “Uma pessoa se torna vegana por um único motivo: respeito. Não é por saúde, não é por dieta. É por perceber que há algo de errado, em um sistema que explora outros animais pela sobrevivência humana”, comenta o estudante de Filosofia Diego Neves, 21 anos.
Na Capital, é impossível precisar o número de pessoas adeptas do veganismo. No entanto, as estimativas apontam que existem pelo menos dois mil indivíduos que abandonaram o consumo animal. “Somados a vegetarianos, o número é maior. Mas a estimativa pode ser feita com base nos grupos de Facebook e no número de pessoas que comparecem às feiras e aos eventos veganos”, explica Ed Wassouf, estudante de Ciências da Comunicação.
Segundo ele, uma das características dos adeptos do veganismo é a organização em rede. “Um vegano se sente mais seguro ao consumir produtos feitos por outro, que vai entender a causa e respeitá-la”, comenta. Segundo ele, frequentemente, são realizadas feiras e eventos, como feijoadas veganas, além de outros empreendimentos que buscam captar o público que optou por não consumir produtos de origem animal ou relacionados a abuso de outras espécies, de alguma maneira.
Nesse sentido, o vegano assume uma postura política. “É um boicote à indústria. Os benefícios à saúde podem ser consequência de mudanças na dieta, mas esse não é o foco”, explica. Assim, por meio da opção de não consumir alimentos e produtos de base animal – ovos, leite, carne, mel, couro, cosméticos etc. – ou de empresas que exploram outros seres, o vegano busca passar uma mensagem. São escolhas que refletem um consumo consciente.
AÇÃO
Com uma economia baseada na agropecuária, Mato Grosso do Sul pode não ser o estado mais amigável aos veganos. No entanto, Diego afirma que não teve dificuldades para se adequar ao estilo de vida. “O mais complicado é encontrar calçados, mas isso é contornável”, comenta. É comum o uso de colas de origem animal, o que pode complicar a vida dos veganos.
Inclusive, uma jovem campo-grandense, Pam Magpali, tentou resolver o problema em parceria com Barbara Mattivy. Elas criaram a Insecta Shoes. A empresa, baseada em Porto Alegre, cria sapatos veganos e ecológicos, com tecidos reciclados e sem uso de colas animais. Atualmente, a marca envia modelos para lojas de São Paulo e Nova York. No entanto, a jovem não faz mais parte da empresa.
Outro empreendimento vegano que deu certo é o VegVélo. A ideia nasceu com Paulo Renato. O estudante de História, que sempre foi vegetariano, viu-se sem emprego e com a esposa grávida. Conversando com um amigo, que se tornou sócio, surgiu a ideia de vender comida vegana, preparada em casa, com alto controle dos ingredientes. Tudo começou em julho do ano passado, com a venda de hambúrgueres. Depois de algum tempo, Paulo passou a vender marmitas.
“No começo, vendíamos umas cinco por dia. Hoje, são 60. Temos clientes novos todos os dias. A maior parte é de veganos ou vegetarianos, mas existe muita gente que nos contata com vontade de mudar a dieta, de conhecer mais sobre vegetarianismo ou veganismo”, explica Paulo. Segundo ele, desde o princípio a proposta foi de oferecer pratos veganos a preços acessíveis, em resposta a uma suposta elitização do veganismo.
“Isso é algo que acontece, essa elitização. Sou contra isso, assim como a maioria dos veganos. É algo que só atrapalha as redes de consumo”, comenta Ed. Em Campo Grande, apesar dos preços altos, ele afirma que é possível encontrar meios para não gastar a mais sendo vegano. “Tem que ir às feiras, escolher bem de onde vai comprar”, aconselha.
Para demonstrar como é possível ser vegana sem gastar muito, Kassandra Delvizio e Barbara de Almeida decidiram divulgar no Instagram sua dieta. O resultado é o Vegana Pobre, uma página que mostra o cotidiano gastronômico delas. Na descrição, elas afirmam gastar cerca de R$ 80 por semana.
“A página surgiu como uma resposta para as pessoas que acreditam que o veganismo é uma escolha difícil, complexa e, principalmente, de alto custo”, explica Kassandra. Diversas perguntas comuns a quem é vegano, como “o que você come?”, “e as proteínas?”, “mas não é muito caro ser vegana?”, serviram de motivação para a página, que quer demonstrar o outro lado. O perfil tem mais de 13 mil seguidores.
Kassandra é vegana há um ano e meio. “Preciso ressaltar que foi uma mudança gradativa do vegetarianismo para o veganismo; até porque, inicialmente, não entendia as consequências e o impacto que o meu consumo tinha em outros aspectos além da alimentação”, explica. A decisão foi feita à base da desconstrução de muitas ideias; mas, segundo ela, valeu a pena. “Estou consciente da minha escolha e bastante feliz por seguir sem prejudicar outras vidas”, finaliza.
SAUDÁVEL
Em 2014, o Ministério da Saúde publicou o “Guia Alimentar para a População Brasileira”. Nele, o órgão reconhece a alimentação livre de produtos de origem animal como saudável e pontua que não é necessário consumir carne, laticínios ou ovos para garantir os nutrientes necessários. É possível encontrá-los em outros alimentos, como verduras e vegetais.
No entanto, o guia indica: “Embora o consumo de carnes ou de outros alimentos de origem animal, como o de qualquer outro grupo de alimentos, não seja absolutamente imprescindível para uma alimentação saudável, a restrição de qualquer alimento obriga que se tenha maior atenção na escolha da combinação dos demais alimentos que farão parte da alimentação. Quanto mais restrições, maior a necessidade de atenção e, eventualmente, do acompanhamento por um nutricionista.”
O guia também aponta para uma mudança em relação à indicação de consumo de carnes, pontuando que, embora estas sejam boa fonte de proteínas, vitaminas e minerais, elas são pobres em fibras e trazem um alto nível de gorduras saturadas, que são consideradas não saudáveis. Isso pode favorecer a obesidade, doenças crônicas e do coração.