Ser fotografado era privilégio no passado, mais uma das exclusividades de figuras que ocupavam cargos de poder e tinham boas condições financeiras. Retrato era coisa para se fazer duas ou três vezes na vida, com a melhor roupa, só que sem sorrir ou ousar uma pose que não fosse estática.
Hoje, os ensaios fotográficos nunca estiveram tão populares. As lentes apontam para todos os lados. Conhecer a si mesmo e reconhecer a própria expressão, o próprio corpo e a própria identidade podem – por que não? – ser bons motivos para se deixar capturar pela fotografia, sem que haja uma ocasião especial para isso. Sorrir e posar é permitido, assim como exibir as fotos se tornou praticamente obrigatório.
“Estava enfrentando um momento delicado da minha vida que envolvia depressão, identidade racial, questões profissionais e problemas de ansiedade”, revela Angela Batista, 23 anos. Isto foi antes de passar pela experiência de ser modelo no meio de uma plantação de girassóis, próxima ao Bairro Indubrasil, em ensaio fotográfico para o projeto Sunset, do jornalista e fotógrafo André Patroni.
Angela é formada em Letras. Ele fez nu artístico, entre as flores, e não se importou com o que pensariam depois, só foi lá e fez. “O André me retratou do jeito que sou e não há maneira melhor. Quando me vi nua, eu amei aquelas dobrinhas da minha barriga, minhas estrias e pensei: ‘Como sou linda!’. Eu precisava me sentir bonita de novo e aquele cenário das fotos ajudou a me tirar da vala que o preconceito e o desrespeito haviam me jogado”.
PRECONCEITO
Em dezembro do ano passado, Angela passou por uma situação humilhante em um terminal de ônibus de Campo Grande. Grudaram um chiclete no cabelo dela propositalmente, enquanto ela cochilava. A professora, que tem pele negra e fios crespos, entendeu se tratar de um ato de ódio contra sua aparência. Publicou um desabafo nas redes sociais, e ele chegou até o fotógrafo Rafael Silva.
Com a intenção de ajudá-la a superar e orgulhar-se da cor e do cabelo, Rafael fez o convite para um ensaio em que deveria negar o preconceito e o machismo e exaltar o poder feminino nas imagens. A iniciativa dele também foi uma grande ajuda para Angela. “O Rafael trouxe à tona a força que eu estava perdendo”, resume ela.
Fotos também serviram de arma contra o preconceito e elevaram a autoestima da dona de casa Marjorie Saldanha, 38 anos. Ela não estava procurando pelo serviço, porém, recebeu a proposta de uma outra mulher com quem sempre se encontrava ao levar os filhos à escola, mas não conhecia.
Foi a fotógrafa Tatiana Maganha quem convidou Marjorie. Ela topou ser modelo plus size de uma série fotográfica retrô que a profissional estava produzindo, com o tema “Pin Up, Cheesecake e Café”. A ideia era retratar a diversidade feminina como traço moderno, à frente desse plano de fundo, e expor o resultado em uma cafeteria de Campo Grande.
Marjorie foi clicada no Hotel Gaspar, com direito à mistura de poses sensuais e a trajes típicos do século passado, sem vergonha nenhuma. “Eu tinha até me esquecido de ser mulher com tantos afazeres. Adorei, todos me elogiaram”.
Mãe de três filhos, ela também estuda psicologia. Admite que às vezes se esquece de que não é preciso estar dentro dos padrões de beleza para se sentir bonita. “Passei a me gostar mais, foi muito bom para mim”. Ela não teve de pagar nada pelas fotos por se tratar de uma contribuição à exposição da artista.
CONVERSA
A timidez pode interferir nas sessões de foto, ainda mais para quem passa por essa experiência pela primeira vez e tem só a pretensão de guardar as imagens e não publicar mais do que meia dúzia delas nas redes sociais.
A estudante Camila Vilar começou a fotografar profissionalmente há pouco tempo e, fora a questão técnica, criar uma relação de proximidade com as pessoas que estariam em frente à sua câmera foi uma das primeiras coisas que procurou aprender. “E agora eu sempre busco conversar antes com a pessoa, pergunto sobre o que ela gosta e tento dizer coisas interessantes a ela durante a nossa conversa, para que a gente se conheça melhor”, detalha.
Chamar modelos voluntários para ajudá-la a praticar também foi tática para melhorar essa relação. Camila fotografou diversas pessoas, algumas delas até já conhecia. Ela deixou à escolha do convidado contribuir ou não com alguma quantia em dinheiro.
A advogada Fernanda Torres, 23 anos, é a prima de segundo grau de Vilar e topou ser fotografada no início do ano passado. “Sempre sonhei em fazer um book fotográfico, mas nunca tive dinheiro para pagar. Aí fiquei sabendo da proposta dela e conversamos. Eu não sabia bem o que fazer e como funcionava, mas deu tudo certo. Ela me deixou tranquila. Ficou do jeito que eu queria”. O namorado foi levar Fernanda até o Itanhangá Park, local em que as fotos foram feitas, e também acabou posando por sugestão de Camila.
Nesse período, a estudante também fotografou um grupo de amigos, variação que gostou bastante. “Eu me voltava mais às cores e a uma pessoa só quando fotografava, então, essa experiência foi um exercício para mim. E foi bom também porque não tinha nenhum motivo especial para as fotos, eu só deveria retratar uma amizade de longa data. As fotos ficaram espontâneas e alegres. Eles ficaram muito gratos e aproveitamos a oportunidade para nos conhecer melhor”.