Cidades

ENTREVISTA

'A solidariedade ainda existe,
e este é o verdadeiro sentido da Páscoa', explica teólogo

'A solidariedade ainda existe,
e este é o verdadeiro sentido da Páscoa', explica teólogo

CRISTINA MEDEIROS

20/04/2014 - 18h00
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A Páscoa é um dos mais importantes momentos comemorativos das culturas ocidentais, tecida em denso simbolismo e marcos históricos da humanidade. Era a festa de passagem, comemorada há milhares de anos, no Hemisfério Norte, principalmente na região do Mediterrâneo, para marcar a chegada da primavera após o inverno. Como sabemos, embora os chocolates sejam muito saborosos, a relação deles com a data é algo criado na modernidade. Convidamos o teólogo e professor Edmilson Schinelo, de Campo Grande, para abordar o assunto. Nesta entrevista, ele fala sobre a origem da Páscoa, seu verdadeiro significado, sobre como a data está presente em diferentes religiões, entre outras coisas.

CORREIO PERGUNTA 

Estamos no Domingo de Páscoa. O senhor poderia explicar o que esta data significa?

EDMILSON SCHINELO:  A Páscoa é uma celebração de muitos povos. Muitos povos antigos já a comemoravam. Esta celebração, que chegou a nós, na sociedade brasileira, veio pelo caminho do judaísmo. Mais ou menos em 1.500, 1.300, antes de Cristo, os judeus já comemoravam duas festas: uma de caráter mais agrícola e outra de caráter mais pastoril. A primeira sempre era celebrada no início da primavera. Quando chegava a nova colheita, as comunidades agrícolas faziam um ritual de louvor às divindades, de agradecimento a elas, e jogavam fora o pão velho para começar uma vida nova, um ano novo, uma nova primavera, com um novo trigo, uma nova cevada. Então, durante um tempo, eles comiam o pão sem fermentar, até esperar que a farinha se tornasse fermento novamente. Era uma festa de louvor, de início da colheita, muito antiga. Outros grupos, também presentes em Israel, na Palestina, e de tradição mais pastoril, sempre que faziam mudança de um acampamento para outro lugar, em busca de outras pastagens, faziam também um ritual de agradecimento, de louvor e de celebração de mudança. Uma festa em que se matava um cordeiro e festejava-se com isso; aspergiam o sangue sobre o rebanho ou sobre as árvores para expulsar os maus espíritos e dar início a uma nova etapa. Estas duas festas adquiriram raízes na tradição de Israel e, com o elemento religioso da passagem, da saída, da libertação do Egito da escravidão do faraó, foram unificadas mais tarde numa festa só e se tornaram a celebração de passagem – a palavra Páscoa, em hebraico, significa passagem de uma situação para outra.

Então, a celebração da Páscoa aponta para uma mudança de comportamento?
Necessariamente. O problema é quando a Páscoa é instrumentalizada pelo mercado – como também o Natal e outras celebrações religiosas – e se torna uma festa de vendas, de mercadoria, que é o que se faz hoje, com o chocolate e os ovos de Páscoa. Na verdade, isso é a negação da Páscoa. A Páscoa significa libertação de qualquer situação de opressão, de escravidão; então, não há como se falar de Páscoa de verdade se a religião é usada para manipular, para legitimar. Por exemplo, não há como a gente falar de Páscoa em Mato Grosso do Sul sem discutir a situação dos povos indígenas; não há como você falar de Páscoa quando as igrejas estão legitimando a homofobia, enquanto as igrejas estão legitimando a submissão da mulher. É hipocrisia falar de Páscoa se a gente não discute com seriedade a descriminalização do aborto. Não estou falando que sou a favor do aborto, ou contra; mas, enquanto o aborto é considerado crime no País, as adolescentes são criminalizadas, nunca os que as engravidam; elas são tratadas como criminosas. Não há como falar de libertação de Páscoa – e, para os cristãos, a Páscoa assume o sentido de ressurreição, porque foi na festa da Páscoa que o líder Jesus foi morto e, pela nossa fé, teria ressuscitado – sem mudança de vida, não é ressurreição.

A Páscoa está presente em todas as religiões? De que forma?
Todas as religiões têm um tipo de passagem. Todas têm, podem não chamar de Páscoa, mas todas as religiões têm algum rito de mudança de uma etapa para a outra. E no judaísmo era na primavera, no mês de “Abib”. Era o primeiro mês, a entrada do ano-novo e da primavera. Todas as religiões têm, inclusive, nossos povos indígenas. A festa da chicha, a celebração do milho, da colheita, é um ritual de passagem de um ano para o outro.

A vida de Cristo ainda pode ser compreendida como um grande exemplo
a ser seguido em nossos dias?

Sim, e, num momento em que as juventudes precisam de referências verdadeiras, Jesus ainda é um referência. O problema é que ele foi desencarnado, a gente cultua demais um Jesus divino e se esquece do jovem Jesus de Nazaré, marginal e marginalizado, que cresceu na periferia no seu país – ele foi criado na Galileia, numa aldeia chamada Nazaré. A capital foi destruída, a capital do sul, Jerusalém, não aceitava o pessoal do Norte. Então, se recuperarmos esta imagem de um Jesus humano, jovem, marginalizado, que, inclusive, consegue fazer um movimento de superação, propondo a igualdade e a partilha entre as pessoas, a referência é ainda muito maior para a juventude de hoje.

Existem provas que confirmem a ressurreição de Jesus?
Não. Não existem e não é preciso. Normalmente, quem busca provas está dispensando a dimensão da fé. Então, o túmulo vazio – que os textos da época apresentam – e um pano que ficou ali, do lado, não são provas de ressurreição. Alguém poderia, simplesmente, ter desaparecido com o corpo. As aparições, tais quais nós temos na Bíblia, já são relatos teológicos elaborados pelas comunidades 60, 80 anos depois. Então, não existe prova, e não precisa. É a dimensão da fé que move as pessoas e que move o cristianismo nestes dois mil anos de história.

Por que o cristianismo deveria ser mais importante do que outras religiões que ensinam as mesmas questões fundamentais, como o amor e a caridade?
Ele não é mais importante. Esta visão exageradamente cristocêntrica é uma visão eurocêntrica. O cristianismo que chegou a nós é via Europa, que chegou com a espada e a cruz na mão. E se coloca como hegemônico, assim como Estados Unidos e Europa querem continuar mantendo a hegemonia no mundo. Deus se revela a todos os povos e a todas as culturas de forma diferente. Os mesmos valores que a gente encontra no cristianismo também encontramos no judaísmo, no próprio islamismo, que, para nós, é visto de uma forma muito preconceituosa. Sempre quando se diz que um árabe fez um ato de terrorismo, não se diz “um árabe fez um ato de terrorismo”; normalmente, a mídia diz “um muçulmano”. Mas quando um norte-americano faz um ato de terrorismo, soltando bombas, aí, não se diz “um cristão”, diz-se “os Estados Unidos bombardearam”. Quando é para falar dos árabes, a gente usa “muçulmanos”, e, quando é para falar do ocidente, a gente usa americano, inglês, e não “cristão”. Então, há valores e contravalores em todas as tradições religiosas, e não existe a posse de Deus. A divindade não se encaixa numa determinada religião, numa determinada cultura. Deus é mais.

Hoje, temos ovos de chocolate e coelhinhos simbolizando a Páscoa. Mas, em outros tempos, quais os primeiros símbolos desta data?
O símbolo principal da Páscoa sempre foi o pão. O pão e o peixe. O cristianismo primitivo tem o pão como elemento principal de partilha. E o peixe era o alimento dos primeiros cristãos – inclusive, nas antigas grutas, esconderijos, nas catacumbas, o que a gente mais encontra é a marca do peixe como símbolo do cristianismo. E, evidentemente, o cordeiro, já celebrado no antigo Israel, no cristianismo, entrou como aquilo que passa a simbolizar o próprio Jesus, morto e ressuscitado. Na teologia do profeta Isaías, é relido como aquele cordeiro levado ao matadouro, para a salvação de muitos. Então, os símbolos principais da Páscoa para os cristãos são, evidentemente, um cordeiro, o pão, o peixe e o vinho, porque acompanham; afinal, é festa, é ressurreição.

E quando é que se passou a ter os símbolos atuais?
Quando o cristianismo veio para a Europa, povos ainda não cristianizados – que, preconceituosamente, chama-se de pagãos – já os tinham. Por exemplo, os persas já tinham o costume, provavelmente, vindo da China, de utilizar o ovo nestes rituais de passagem. Porque, normalmente, você faz um período de inverno muito grande para um ano novo, uma vida nova, e assim é o ovo. Então, os chineses já tinham este costume de troca de ovos, e os persas o adotaram para povos não cristianizados, na Europa. Quando o cristianismo chegou à Europa, aproveitou-se deste elemento, houve diálogo. É o elemento da vida que parece morta. Ele se transforma, há uma metamorfose, como é o pintinho dentro do ovo. A partir do final do século, com a Revolução Industrial, o mercado, para vender seus produtos, transforma o ovo de verdade num produto comercial, com a venda do chocolate.

O significado da Páscoa se perdeu em nossos dias?
Ele se perdeu, mas resiste ainda, bravamente. Eu acho que se a gente vê a solidariedade que as pessoas têm nas periferias das cidades, é a ressurreição acontecendo. Cada vez que eu vejo um mercado querendo ganhar dinheiro com chocolate, eu sempre me lembro de uma atitude daquela senhora que vai partilhar o pão com a vizinha. Isso é ressurreição, isso é vida. Cada vez que eu vejo um grande empresário explorando o meio ambiente, jogando agrotóxico para explorar mais, eu penso nas pequenas comunidades do interior do Estado que fazem a partilha ainda. As comunidades paraguaias gostam muito de preservar a tradição na Páscoa de repartir a chipa, a sopa paraguaia, como sinal de vida. A Páscoa é sinal de vida para todo mundo. Então, o que parece sufocado pela sociedade de mercado é mais ou menos como um fio de pólvora que está debaixo da terra. A solidariedade ainda existe, e este é o verdadeiro sentido da Páscoa. O mercado não vai dar conta de matar, porque é ressurreição. 

Educação e ensino

UFGD divulga gabarito preliminar do vestibular 2026; confira

Convocação para as matrículas da primeira chamada está prevista para 14 de janeiro de 2026

17/12/2025 18h18

Divulgação/ UFGD

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A Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) divulgou nesta quarta-feira (17) o resultado preliminar do Vestibular 2026, etapa do processo seletivo aguardada pelos mais de 6,8 mil candidatos que realizaram a prova em 19 de outubro. O resultado final do vestibular e a convocação para as matrículas da primeira chamada estão previstos para 14 de janeiro próximo. 

O cronograma previsto também inclui o período para recursos, que poderá ser acessado nos dias 18 e 19 de dezembro. O Boletim de Desempenho Individual, com a pontuação da redação e o total de acertos, ficará liberado ao candidato durante todo o processo.

No último dia 12 de novembro, o Centro de Seleção divulgou o gabarito definitivo e as respostas aos recursos sobre o gabarito preliminar.

As matrículas serão realizadas pela Pró-reitoria de ensino e graduação (Prograd), com editais e cronogramas próprios, seguindo a ordem de desempenho e o número de vagas disponíveis em ampla concorrência e cotas sociais.

Inicialmente, serão chamados os candidatos que escolheram o curso como 1ª opção, e aqueles que selecionaram como 2ª opção serão convocados apenas se restarem vagas. A lista de documentos pode ser consultada em edital.  

O Vestibular 2026 oferece 984 vagas em 35 cursos presenciais e gratuitos, com provas aplicadas nas cidades de Amambai, Campo Grande, Dourados, Naviraí e Nova Andradina.

Confira a lista preliminar da 1ª opção de curso aqui!

Confira a lista preliminar da 2ª opção de curso aqui!

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Cidades

Tribunal de Justiça aprova projeto com 300 cargos para assessores de confiança

Aprovado na LOA para 2026, TJMS terá orçamento avaliado em mais de R$ 1,4 bilhão, o que equivale a um aumento de 7,3% em relação ao valor atual

17/12/2025 17h30

Fachada do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul

Fachada do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul Foto: Divulgação / TJMS

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O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul aprovou, nesta quarta-feira (17), projeto que cria novos cargos em comissão de assessoria. De acordo com o órgão público, a medida busca enfrentar o aumento da demanda processual, reduzir atrasos e garantir melhores condições de trabalho às unidades judiciais, especialmente aquelas com maior acúmulo de processos.

Ao todo, o projeto prevê a criação de 300 cargos para assessores comissionados, sendo 50 vagas para assessor de desembargador e 250 para assessoria vinculados a juizes de primeiro grau, divididos em 150 para a entrância especial, 75 para a segunda entrância e 25 para a primeira entrância, além de cargos de assessoramento jurídico-administrativo. 

Durante a discussão na sessão administrativa do Órgão Especial, foi destacado que o Judiciário estadual enfrenta dificuldades decorrentes da vacância de cargos e da elevada carga de trabalho em determinadas varas. Como alternativa, a administração propôs a ampliação do número de assessores, priorizando juízos mais sobrecarregados, de forma gradual e conforme a disponibilidade orçamentária.

A iniciativa da presidência do TJMS, sob o comando do desembargador Dorival Renato Pavan, será submetida à apreciação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, após os trâmites necessários, poderá ser implementada conforme as possibilidades financeiras do Tribunal.

Aumento na gastança

Em meio ao cenário de corte de gastos por conta da queda na arrecadação de tributos, o Governo do Estado publicou, na terça-feira (16), no Diário Oficial, a Lei Orçamentária Anual (LOA), que prevê aumento de gastos nos Poderes.

Enquanto os orçamentos dos respectivos setores aumentaram em 7,9%, a estimativa de crescimento geral de receitas do Executivo, responsável pelos repasses a estes órgãos públicos, teve acréscimo de apenas 2,9%. 

O Tribunal de Justiça, que terá mais 300 salários de assessores para pagar caso seja implementado o projeto, simplesmente acrescentou R$ 100 milhões ao orçamento de 2026, passando dos atuais R$ 1.364.912.200,00 para R$ 1.464.780.100,00, o que equivale a um acréscimo de 7,3%.

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