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À NOITE

Área central da Capital vira comércio de sexo e drogas

Área central da Capital vira comércio de sexo e drogas

MICHELLE ROSSI

13/02/2011 - 13h31
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A noite cai e a região central de Campo Grande muda de perfil. As lojas do comércio, com as portas fechadas e as calçadas praticamente vazias, transformam-se em palco para menores viciados em drogas e que vendem seus corpos em troca de dinheiro. Eles não estão sozinhos: dividem espaço com adultos frequentadores das ruas e com gente interessada em comprar sexo barato e consumir drogas, principalmente pasta base.

A reportagem esteve numa noite da semana passada na área compreendida entre as ruas 7 de Setembro, 15 de Novembro e esquinas próximas ao Mercadão Municipal e Camelódromo. Sem a rotineira chuva que costuma cair nesta época do ano, foi possível caminhar por essas ruas, conversar com as pessoas que estavam no local e perceber que os menores – garotos e garotas – são os alvos preferenciais daqueles que circulam de carro pela região. "São todos uns pedófilos. Você faz 18 anos e perde a graça para os clientes", reclamava uma transexual, durante o bate-papo com a reportagem. Ela, já havia passado da idade.

Na noite, cada espaço do centro da cidade também tem seu preço. As esquinas são loteadas e para usar as calçadas como pontos de prostituição paga-se um valor diário. "Eu deixo aqui nas ruas, R$ 10, por noite. Caso contrário, não posso ficar no ponto", informou outra jovem transexual de apenas 17 anos, corpo escultural e lábios carnudos, que preferiu não revelar quem são os "donos" das ruas.

Na conta da jovem somam-se mais R$ 25, por diária de hotel – numa região próxima à antiga rodoviária. "Ninguém nunca pediu documentos para me hospedar, é bem tranquilo", disse. Enquanto o papo rolava com a jovem, que estava posicionada numa esquina da Rua 7 de Setembro, ela perdeu a chance de arrebanhar, pelo menos cinco clientes – isso durante apenas dez minutos de conversa com a repórter. "Aqui é assim, movimento toda hora", resumiu.

Carros populares, outros nem tanto, são vistos pelas ruas centrais. Da direção, e com os vidros abertos, homens lançam olhares que desnudam os corpos pouco cobertos dos profissionais do sexo. Após uma busca em alguns quarteirões pelo melhor partido para o programa, voltam, e fazem a abordagem. Algumas conversas são rápidas, outras nem tanto. O bate-papo para negociar o programa durou cerca de 15 minutos, tempo suficiente para o repórter fotográfico fazer seu trabalho e clicar a cena. No entanto, ao contrário desta repórter – que conversou com as pessoas durante uma caminhada pelas ruas – o fotógrafo que se aventurou na área central de Campo Grande, não pôde descer do carro em nenhum momento. Numa rápida parada do veículo em que ele estava (um táxi) para fotografar a cena, por exemplo, a equipe foi abordada por um garoto que começou a bater no vidro do carro, em tom de ameaça.

 

"Não quero mais nada da minha vida não, ela já acabou"

Na rua lateral ao Camelódromo, a um quarteirão da Avenida Afonso Pena, uma parada para conversar com um grupo de garotos, que pareciam ser menores. No meio deles, uma mulher em pé e um garoto sentado de cabeça baixa. Eram mãe e filho. Ela com 33 anos, ele com 15 e apenas mais um dos sete filhos da mulher "espalhados por aí", como a própria mãe, que se identificou como Cristiane, relatou.

Viciada em pasta base e portadora do vírus da Aids, a mulher disse que o pai do garoto fora assassinado "há um tempo". Ela já entregou o menino para o Conselho Tutelar, mas segundo a mãe, o menino sempre volta para conviver nas ruas . "Se o moleque quer ficar comigo; deixa ele".

Ambos fumam pasta base. A mãe não se lembra há quanto tempo; já o menino alimenta o vício há pelo menos dois anos. Ao me aproximar do garoto, ele foge e começa a resmungar, em sons que mais parecem grunhidos. A mãe adverte que ele não é de conversa e é melhor não tentar nova aproximação. A droga é comprada nas ruas, local que inclusive chama de casa. "É aqui que eu vivo e o meu filho também".

O menino foi fotografado depois de alguns instantes da conversa, pedindo esmolas no cruzamento das avenidas Ernesto Geisel e Afonso Pena.

Sobre perspectivas para o futuro, Cristiane é direta: "não quero mais nada da minha vida não. Ela já acabou". Tratar o filho, também não está em seus planos. Ela entende que o vício é a opção que o próprio garoto escolheu.

Ainda conversando com um grupo de garotos, ao dizer que era jornalista, um deles disparou: "é o pior tipo de gente, faz da desgraça dos outros a melhor notícia". Depois da frase dita, só restou continuar a caminhada.

 

Salão de beleza e programa

Nossa personagem do incío da matéria, a transexual de 17 anos, faz em média cinco programas por noite, e fatura cerca de R$ 250 – em cada saída, ganha R$ 50. Vinda do interior do Estado, é carne nova no pedaço há apenas três meses. Todos os dias, bate ponto numa esquina do centro da Capital e diz que está economizando dinheiro para o futuro. "Quero montar um salão de beleza", sonha.

Ela não usa drogas, é bastante perfumada e diz que seus clientes são de várias faixas etárias, mas principalmente homens casados. "Mas você sente prazer?", questiono. A resposta é imediata e curta. "Encaro isso como a minha profissão".

Na Rua 15 de Novembro, encontro com uma garota de 16 anos acabara de descer um carro – modelo Honda Civic. "Movimentado aqui hoje, né", puxo conversa. "Tem dias que está mais", ela responde. O programa foi o segundo da noite. "Paro um pouco, encontro os colegas. Fumo. Daqui a pouco faço outro programa".

Viciada em pasta-base "desde sempre" ela mora em um hotel, mas a família é da Capital mesmo. De cabelos loiros e roupas justas e curtas, a garota não vê os pais há muito tempo. "Não sei, e nem quero saber deles". O futuro ainda não foi equacionado pela jovem. "Por enquanto não quero nada, só viver o momento e fumar minha droga".

No meio da nossa conversa, uma pessoa oferece camisinha para a moça fazer sexo seguro. Ela recusa. "Dessas eu já tenho, eu queria mesmo uma camisinha feminina", falou. Depois entendi o porquê do pedido: elas preferem a feminina pois há mais garantias do homem não perder a ereção ao colocar o preservativo masculino. No entanto, o Governo Federal não vem distribuindo a camisinha feminina gratuitamente para as profissionais do sexo.

 

– R$ 50 é a média do preço por programa na área central;

 

– R$ 10 é o valor pago para cafetões e cafetinas para usar as ruas como ponto de prostituição;

 

– R$ 25 é a média de diárias em hotéis em que vivem menores da rede de prostituição;

 

– pasta base é a droga mais consumida pelas ruas da cidade pois é de baixo custo;

 

– camisinha feminina é a preferida das mulheres nas ruas; segundo elas homens mais velhos não gostam das caminhas masculinas e não conseguem manter ereção com elas.

 

* Reportagem publicada na edição de domingo (13) do jornal Correio do Estado

Decreto

Presos por quebra-quebra em Brasília ficam de fora de "saidinha" natalina

Também não terão direito ao indulto pessoas condenadas por crimes hediondos e equiparados

23/12/2025 14h30

Foto: Presidência da República

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O Decreto nº 12.790, publicado no Diário Oficial da União desta terça-feira (23) e assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concede indulto natalino e comutação de pena a pessoas condenadas ou submetidas a medidas de segurança, mas exclui explicitamente os condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Enquadrados em crimes contra o Estado Democrático de Direito, não poderão acessar o benefício da "saidinha" de fim ano em 2025.

Também não terão direito ao indulto pessoas condenadas por crimes hediondos e equiparados; tortura, terrorismo e tráfico de drogas; crimes contra a administração pública, em determinadas hipóteses; crimes contra o Estado Democrático de Direito; violência contra a mulher e crimes sexuais e ambientais.

Tradicionalmente editado todos os anos, o decreto mantém as linhas gerais do ato anterior, mas traz inovações e critérios objetivos para aplicação no sistema de justiça penal, ao mesmo tempo em que preserva restrições rigorosas para crimes considerados graves.

Casal de MS

Em decisão recente, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, por unanimidade, o casal de servidores públicos Cláudio José Jacomeli e Clarice Custódio Jacomeli, de Naviraí, interior do Estado a 14 anos de pena e ao pagamento de R$ 30 milhões em indenização por danos morais coletivos, por participação nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

A decisão foi tomada em sessão virtual realizada entre 14 e 25 de novembro deste ano, onde ambos receberam pena de 14 anos, sendo 12 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção.

Os dois gastaram R$ 640 para ir a Brasília e foram identificados em vídeos gravados durante a depredação, nos quais aparecem incentivando os atos contra o patrimônio público.

Na ocasião, Clarice afirma: “Estamos fazendo inveja pra esse pessoal que não tem coragem”. Ao lado dela, Cláudio diz “temos que buscar o que é nosso, a liberdade”. Cláudio é aposentado e ex-analista judiciário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), enquanto sua esposa, à época dos fatos, era professora da rede municipal naviraiense. 

Condenados 8 de janeiro

Em agosto deste ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgou balanço das condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos executores dos atos.

À época, mais de 600 pessoas já haviam sido condenadas por crimes como associação criminosa armada, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado, abolição violenta do Estado Democrático tá de Direito e tentativa de golpe de Estado. 

Pelo mecanismo jurídico do pagamento solidário, todos os condenados são responsáveis pelo valor total da indenização, independentemente da divisão individual.

Quem pode ser beneficiado?

O indulto natalino será concedido, entre outros grupos, a:

  • Gestantes com gravidez de alto risco;
  • Mães e avós condenadas por crimes sem grave ameaça ou violência, desde que comprovem ser essenciais aos cuidados de adolescentes de até *16 anos* (ampliação em relação ao limite anterior de 14 anos);
  • Pessoas infectadas por HIV em estágio terminal ou com doenças graves, crônicas ou altamente contagiosas, sem possibilidade de atendimento adequado no sistema prisional;
  • Detentos com transtorno do espectro autista severo;
  • Presos que se tornaram paraplégicos, tetraplégicos, cegos ou que apresentem outras deficiências graves;
  • Pessoas com mais de 60 anos, responsáveis por crianças de até 12 anos ou acometidas por doenças graves, com facilitação das condições para acesso ao benefício.

Outra novidade para este ano é a redução do tempo mínimo de cumprimento de pena para presos que frequentem ou tenham frequentado cursos de ensino fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional, como forma de incentivo à educação e à reintegração social.

Também permanecem fora do benefício líderes de facções criminosas, integrantes relevantes de organizações criminosas, presos submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e custodiados em presídios de segurança máxima.

Saiba*

O indulto natalino está previsto na Constituição Federal e representa uma prerrogativa exclusiva do presidente da República. Em 2019, o STF confirmou a constitucionalidade desse poder.

Para ter acesso ao benefício, é necessário que o advogado ou a Defensoria Pública apresente pedido formal ao juízo da execução penal, que analisará o enquadramento do condenado nos critérios estabelecidos.

Segundo o governo, a medida reafirma uma política penal equilibrada, que combina repressão a crimes graves com a promoção da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da reintegração social sem abrir margem para o perdão de atos que atentem contra a democracia.

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CLÍNICA DO TERROR

Prefeituras pagavam até R$ 27 mil para internar pacientes em local com sequestros e cadeira elétrica

Inspeção flagrou centro de reabilitação em Campo Grande operando como cárcere privado; Internos eram caçados por recompensa, dopados e mantidos sob tortura física e psicológica, tudo financiado com verbas de famílias e municípios do interior

23/12/2025 14h01

Relatório operava engrenagem de tortura, sequestro e exploração humana

Relatório operava engrenagem de tortura, sequestro e exploração humana Foto: Divulgação

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Sob a fachada de tratamento médico e recuperação de dependentes químicos, a "Clínica de Reabilitação Os Filhos de Maria", na zona rural de Campo Grande, operava uma engrenagem de tortura, sequestro e exploração humana.

A revelação consta no relatório de inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), realizado em outubro de 2024 e divulgado no final de outubro deste ano. O documento descreve um cenário de campo de concentração onde a "terapia" consistia em espancamentos, uso de braçadeiras de nylon para imobilização e dopagem química forçada.

O relatório aponta que ao menos três prefeituras do interior tinham contrato com a clínica e pagavam valores exorbitantes para enviar pacientes ao local. 

Caçadores de cabeças

A entrada na clínica não era um ato médico, mas uma captura. O relatório detalha a existência de "equipes de resgate" formadas pelos próprios internos ou monitores, que atuavam como caçadores de recompensa.

Para cada paciente capturado à força, a equipe recebia uma comissão: R$ 50 reais se o sequestro fosse na capital e R$ 100 se fosse no interior. 

O valor não era pago em dinheiro, mas em "crédito na cantina" da própria instituição, de acordo com o relatório. 

Uma vez capturado, o interno passava pelo protocolo de boas-vindas: o "sossega-leão". Relatos colhidos pelos peritos descrevem a administração forçada de um coquetel de medicamentos apelidado de "abobrão", capaz de deixar uma pessoa desacordada por até três dias.

A inspeção encontrou um estoque ilegal de psicotrópicos (Haldol, Diazepam, Carbamazepina) sem receita médica, manuseados por pessoas sem qualificação, configurando tráfico de drogas e exercício ilegal da medicina.

Tortura Medieval e trabalho escravo

Quem tentava fugir ou reclamar das condições enfrentava o "Grupo de Apoio ao Paciente" (GAP), uma espécie de milícia interna. As punições descritas no relatório são medievais:

Uso de braçadeiras de plástico apertadas nos punhos e pescoço, causando lesões visíveis e risco de asfixia; Relatos de surras com pedaços de madeira e socos e confinamento em quartos sem maçaneta, trancados por fora, por períodos que variavam de sete dias a três meses.

Além da violência, a clínica lucrava com a mão de obra gratuita. Sob o pretexto de "laborterapia", internos eram submetidos a jornadas de trabalho análogo à escravidão. Um dos cozinheiros relatou trabalhar 17 horas seguidas (das 5h às 22h), em dias alternados, sem receber um centavo.

Financiamento público

Enquanto os internos viviam em condições insalubres, com relatos de esgoto vazando sobre os alimentos na despensa, a clínica faturava alto.

A investigação do MNPCT descobriu que prefeituras do interior de Mato Grosso do Sul firmavam contratos para internação compulsória ou voluntária.

Nos prontuários examinados foi constatado que o município de Nova Andradina pagou R$ 27.300,00 pela internação de um único paciente por seis meses, mais taxa de remoção.

O município de Miranda teria desembolsado R$ 21.700,00 por outro paciente.

Famílias particulares também eram extorquidas, pagando mensalidades entre R$ 1.800 e R$ 2.700, além de multas contratuais abusivas caso tentassem retirar o parente do local antes do prazo.

Desfecho Policial

Diante da gravidade do flagrante, que incluiu um interno com 19 pontos na cabeça após tentar fugir e ser recapturado, a equipe de inspeção acionou a Polícia Civil. Cerca de 90 pessoas foram retiradas do local em uma ação de desinstitucionalização de emergência.

O relatório pede a responsabilização criminal dos proprietários por cárcere privado, tortura, sequestro e tráfico de drogas, além de investigação sobre a improbidade administrativa das prefeituras que financiaram a clínica sem fiscalizar o destino dos pacientes.

Até o momento, a defesa da clínica (agora fechada por ordem judicial) não se pronunciou sobre as acusações de tortura e desvio de finalidade médica.

Outro lado

O município de Miranda não retomou os contatos feitos pela reportagem. 

O município de Nova Andradina respondeu em nota que não foi feito pagamento à clínica, ao contrário do que o relatório do MNCPT aponta. Em consulta ao portal da transparência do município, realmente não consta o pagamento ao CNPJ cadastrado pela clínica ou convênio referente. 

“Cumpre esclarecer que não foi localizado qualquer pagamento direto ao CNPJ da clínica “Os Filhos de Maria”, uma vez que o Município de Nova Andradina não possui e nunca possuiu contrato, convênio ou qualquer outro instrumento jurídico com a referida instituição", cita a prefeitura. 

Vale destacar que a atual administração do município assumiu a gestão municipal em janeiro de 2025, antes do período citado pelo relatório. 

“O único contato ocorrido deu-se no ano de 2024, quando o Município instaurou processo licitatório visando à contratação de clínica especializada em internação compulsória. Na oportunidade, foi realizada vistoria técnica in loco, conforme praxe administrativa.

Contudo, a clínica “Filhos de Maria” não foi habilitada no certame (Processo n°4365/2024), por não atender às exigências técnicas, estruturais e legais necessárias à execução do objeto, motivo pelo qual não houve qualquer contratação com o Município de Nova Andradina.”

“Dessa forma, caso algum paciente residente em Nova Andradina/MS tenha sido internado na referida clínica, tal fato não decorreu de contratação administrativa do Município, sendo plausível que eventual internação tenha ocorrido por determinação judicial, situação em que o Poder Judiciário, no âmbito de ações individuais, pode determinar o sequestro ou bloqueio de valores dos cofres públicos, geralmente com base em orçamentos apresentados por familiares ou terceiros, sem ingerência direta da Administração Municipal na escolha da instituição.”

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