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Às portas do Judiciário: desafios do direito do consumidor no mundo moderno

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Em nosso espaço semanal, onde ora somos mais juízes, ora meros cronistas do cotidiano jurídico, buscamos sempre enfocar questões que são objeto de conflito de interesses – sejam eles já vestindo as roupagens da lide judicial ou ainda ensaiando seu bailado nas negociações extrajudiciais. 

Um tema, porém, não raro, insiste em voltar à baila, como aquele velho conhecido que não perde a visita: o “direito do consumidor”. 

Pois bem, para facilitar a continuidade e a compreensão dessa nossa conversa, reuni aqui alguns pontos que, creio, poderão ser do interesse do leitor atento.

Enquanto muitos permanecem absortos nos encantos da inteligência artificial – essa espécie de oráculo moderno que promete facilitar nosso dia a dia jurídico –, campeiam, em contrapartida, com furiosa rapidez, os infames “golpes” perpetrados pelos canais virtuais. Até ontem, o cenário era outro. Não havia tanta facilidade para os assaltos digitais, e muito menos o aparato tecnológico dispunha da complexidade que hoje temos.

Ora, o que vemos? As linhas de telefonia e internet, maravilhas da era moderna, tornaram-se verdadeiros picadeiros para malandros de toda sorte. Falsários que usam o ludíbrio, a ilusão, ora criando perfis falsos no WhatsApp, ora apelando para artifícios que põem gente boa diante do espelho do engano.

E aqui vem o paradoxo: quanto mais avança a tecnologia, mais distante fica a segurança que dela se espera. Não seria engraçado, se não fosse trágico? Enquanto inventamos a inteligência artificial, perdemos o controle da segurança humana.

Quando essas questões chegam às portas do Judiciário – esse velho casarão de pedra –, conseguimos, em alguns casos, reaver parte do prejuízo, mas não sem antes passar por longas veredas. O Judiciário, por vezes, recusa-se a amparar a vítima, alegando que ela própria não cuidou da própria casa, deixando a porta aberta para o bandido. Exemplo clássico: a transferência via Pix feita às pressas, sem se conferir destinatário ou valor.

Aqui, a controvérsia se acende: os bancos, que deveriam ser guardiões da segurança do consumidor, muitas vezes são eximidos de responsabilidade, como se fosse natural que o cidadão navegue em mar revolto sozinho e sem bússola. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) deveria ser o farol nessa tempestade, mas nem sempre o é.

Importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se pronunciou, defendendo a remoção dos dados pessoais de vítimas mesmo antes de entrar na seara das relações de consumo, sinalizando um caminho de proteção que nem sempre é trilhado com a devida firmeza.

Mas, se a inteligência artificial fascina, não devemos esquecer a indispensável presença do olhar humano, atento e crítico, que não se deixa seduzir por promessas sem fundamento.

Passando para outra esfera, as indenizações por danos morais parecem hoje em dia mais uma batalha campal do que uma simples reparação.

Se, antes da pandemia, por ironia do destino, já enfrentávamos um Judiciário congestionado, hoje o volume de demandas sobe a um patamar quase surreal. A reparação pecuniária por danos que atinjam a dignidade do cidadão virou moeda corrente nas disputas judiciais.

Porém, muitas dessas ações esbarram na falta de provas – e, nisso, não há mágica: é preciso demonstrar o abalo, salvo exceções como a inscrição indevida no SPC/Serasa, em que o dano é presumido.

Curiosamente, o que antes se presumiria evidente – o prejuízo moral – passou a exigir comprovação minuciosa. Voei ao sabor de decisões que negam o direito por considerarem os fatos meros “aborrecimentos” ou rotina do cotidiano, o que talvez seja o maior aborrecimento de todos, pois frustra quem busca justiça.

Já nos contratos bancários, em particular os empréstimos consignados, a coisa ganha contornos ainda mais complexos. O STJ, em recente decisão que gerou murmúrios, negou indenização em caso de fraude comprovada por perícia grafotécnica, qualificando o episódio como “mero aborrecimento”.

Ora, que ironia amarga! Provas robustas de falsidade da assinatura e, ainda assim, a vítima fica a ver navios, sem qualquer compensação por danos morais.

Enquanto isso, o Executivo, em uma espécie de contramarcha, edita medidas provisórias que facilitam a contratação digital desses empréstimos – “facilitar” é palavra doce para expor o consumidor a riscos ainda maiores, cuja consequência natural é a lotação das portas do Judiciário.

Cabe a nós, pois, como operadores do Direito e membros do Estado, manter a vigilância firme para que esses direitos não sejam apenas “letra morta”, pois o que temos visto, ironicamente, é uma judicialização cada vez mais complexa, recheada de decisões questionáveis.

Assim, na era das maravilhas tecnológicas, que não nos falte o olhar humano e o compromisso com a justiça, para que o Direito do Consumidor continue a proteger a dignidade daquele que, muitas vezes, caminha desarmado diante das artimanhas do mundo moderno.

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EDITORIAL

O paralelo entre o consórcio e a Enel

A greve dos motoristas de ônibus, motivada pela incapacidade financeira do concessionário de honrar os salários de seus empregados, é o fundo do poço de um contrato problemático

18/12/2025 07h15

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A população de Campo Grande caminha para viver uma semana lamentável na prestação de serviços essenciais, em especial no transporte público.

A iminência de paralisações, a insegurança sobre a continuidade das linhas e o desgaste cotidiano enfrentado pelos usuários expõem, de forma escancarada, um sistema que já vinha dando sinais claros de esgotamento. O que se vê agora não é um episódio isolado, mas o ápice de uma crise que se arrasta há anos.

A greve dos motoristas de ônibus, motivada pela incapacidade financeira do concessionário de honrar o pagamento dos salários de seus empregados, representa o fundo do poço de um contrato problemático.

Um contrato que resulta em um serviço aquém do esperado, marcado por frota envelhecida, atrasos constantes, superlotação e uma satisfação baixíssima da população. Quando trabalhadores deixam de receber e usuários ficam sem transporte, fica evidente que o modelo fracassou.

A situação revelada durante a greve escancara uma verdadeira falência contratual. Não se trata apenas de um colapso financeiro, mas também de uma falência de credibilidade junto aos usuários, às instituições e ao próprio poder concedente.

O paralelo com a crise vivida pela concessionária de energia elétrica Enel, em São Paulo, é inevitável. Assim como ocorreu no setor elétrico paulista, o problema deixou de ser apenas técnico ou pontual e passou a comprometer a confiança no serviço prestado e na capacidade de resposta da concessionária.

A demonstração mais clara desse cenário lamentável foi a intervenção da Justiça no Consórcio Guaicurus, decidida nesta semana. Ainda que se discuta se a intervenção será, de fato, efetivada ou em que moldes ocorrerá, o simples fato de o Judiciário ser chamado a intervir já evidencia a gravidade da situação.

Quando contratos de concessão chegam a esse ponto, é sinal de que todos os mecanismos de fiscalização e correção falharam ao longo do caminho.

Independentemente do desfecho jurídico, o que se impõe é a necessidade urgente de mudar a forma de prestar o serviço de transporte público em Campo Grande. Não se resolve um problema estrutural com medidas improvisadas, paliativos ou decisões baseadas em achismos.

É indispensável uma ampla revisão do modelo, com estudos técnicos consistentes, um desenho financeiro sustentável e metas claras de qualidade e eficiência.

Há cerca de dois anos, o governo do Estado, que tem acumulado experiência em parcerias público-privadas, dispôs-se a auxiliar o Município na busca por soluções. Não está claro, até agora, se essa ajuda foi efetivamente buscada ou aproveitada pela administração municipal.

O fato é que oportunidades de cooperação técnica e institucional não podem ser desperdiçadas quando está em jogo um serviço essencial para a vida urbana.

O que está absolutamente claro é que algo precisa ser feito – e com urgência. Mais do que uma greve de motoristas, a situação vivida nesta semana é um grito coletivo por melhoria do transporte público.

É o clamor de trabalhadores que querem receber em dia, de usuários que exigem dignidade e de uma cidade que não pode continuar refém de um sistema falido. Ignorar esse alerta é condenar Campo Grande a repetir, indefinidamente, os mesmos erros e as mesmas crises.

ARTIGOS

Greve de ônibus em Campo Grande expõe falhas de gestão e fragilidade institucional

Quando um serviço essencial entra em colapso, evidencia-se a ausência de planejamento, de fiscalização eficiente e de mecanismos de mediação capazes de prevenir crises que afetam diretamente a vida da população

17/12/2025 07h45

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A greve de ônibus em Campo Grande vai além de um impasse pontual entre trabalhadores, empresas e poder público, ela escancara a precariedade da gestão atual e a fragilidade das instituições responsáveis por garantir a prestação adequada dos serviços públicos.

Quando o transporte coletivo – um serviço essencial – entra em colapso, evidencia-se a ausência de planejamento, de fiscalização eficiente e de mecanismos de mediação capazes de prevenir crises que afetam diretamente a vida da população.

As instituições que deveriam zelar pela entrega de valor à sociedade falham ao permitir que conflitos previsíveis cheguem a esse nível. A gestão pública, ao não exercer seu papel regulador com firmeza e transparência, transfere para o cidadão o custo da ineficiência administrativa.

A falta de diálogo estruturado, de contratos bem fiscalizados e de políticas de mobilidade consistentes cria um ambiente de instabilidade permanente, no qual greves se tornam recorrentes e quase naturalizadas.

O impacto econômico é imediato e amplo. Trabalhadores enfrentam dificuldades para chegar aos seus empregos, empresas perdem produtividade, o comércio registra queda no movimento e serviços essenciais operam de forma precária.

A economia como um todo sai perdendo, pois a interrupção do transporte coletivo afeta cadeias produtivas inteiras e aprofunda desigualdades, penalizando principalmente quem depende exclusivamente do ônibus para se deslocar.

Além disso, a paralisação traz consequências diretas para a saúde e o bem-estar de todos. Com a dificuldade de deslocamento, equipes responsáveis pelos serviços de asseio e conservação também são prejudicadas, resultando em deterioração das condições sanitárias em diversos ambientes, como escolas, supermercados, condomínios, etc.

Esse cenário favorece a proliferação de doenças, aumenta riscos ambientais e compromete a qualidade de vida.

Mais grave ainda é o prejuízo à cidadania. O direito de ir e vir é comprometido, assim como o acesso a serviços básicos, e a população passa a perceber o Estado como incapaz de cumprir sua função básica de garantir serviços públicos de qualidade.

Isso corrói a confiança nas instituições e reforça a sensação de abandono e descrédito na gestão pública.

A greve de ônibus, portanto, não deve ser vista apenas como um problema trabalhista ou operacional, mas como um sintoma de falhas estruturais.

Superar esse cenário exige uma gestão mais profissional, instituições fortalecidas, transparência nos contratos e um compromisso real com a entrega de valor ao cidadão. Sem isso, crises semelhantes continuarão a se repetir, com custos sociais, econômicos e sanitários cada vez mais elevados.

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