Artigos e Opinião

OPINIÃO

Danieli Souza Bezerra:
"Morreu porque era pobre"

Cientista social

Redação

14/08/2016 - 01h00
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Essa frase estampou o comentário em uma notícia que volta e meia aparece nos jornais do Mato Grosso do Sul e do país. Uma moça do interior do estado, por complicações de um aborto clandestino, morreu após não procurar ajuda médica, escondendo a gravidez e vindo a falecer. Os juízes de plantão dos tribunais virtuais (também conhecidos como redes sociais) não demoraram a vociferar comentários, comemorar dizer que era bem-feito, chamando a falecida de assassina, no melhor estilo do “aqui se faz, aqui se paga”. Homens eram poucos nos comentários. A maioria eram de mulheres, jovens com a moça em questão, com fotos de família em seus perfis, barrigas de grávida, mensagens bíblicas em suas linhas do tempo. 

Após a leitura dos comentários, um chamou a atenção. A pessoa escreveu: “morreu porque era pobre, se tivesse condições teria procurado ajuda à tempo”. Relembrei o caso de grande repercussão na capital, o Caso Marielly, que completou cinco anos. O corpo da jovem desaparecida foi encontrado em um matagal em Sidrolândia, e o cunhado (suposto pai) e o enfermeiro foram julgados por ocultação de cadáver e prática de aborto, procedimento no qual ela veio a falecer. 

O que ainda leva que mulheres morram ou sejam mortas em procedimentos como esses? O aborto provocado é considerado crime no Brasil. Em casos como este, a figura do homem, responsável conjunto pela concepção e às vezes no abortamento, nunca (ou quase nunca) aparece. Recai sobre os ombros e consciência da mulher a responsabilidade por uma gravidez indesejada/não-planejada, inclusive a responsabilidade financeira de educar uma criança sozinha, as chamadas “mães solteiras”, ainda que mãe não seja um estado civil. 

Em algumas culturas tradicionais, as mulheres nômades ou indígenas abortam caso exista escassez de alimentos ou quando a comunidade entende que a gravidez é um risco para a coletividade. Em tempos de crise econômica e recessão, não posso deixar de pensar como funciona a cabeça e coração de uma jovem/mulher/, estudante ou trabalhadora, mãe ou não, com a notícia de uma gravidez neste momento. O que pesa quando uma mulher decide ou acredita que precise interrromper uma gravidez. Autonomia sobre o próprio corpo, falta de recursos materiais, abandono, medo? Inúmeras são as possibilidades.

 Projetos a favor e contra a legalização do aborto andam a passos lentos no Congresso, já tão dividido entre avanços e retrocessos aos direitos humanos, de crianças e mulheres. Setores fundamentalistas querem impedir que uma mulher vítima de estupro interrompa uma gestação fruto de violência. Grupos religiosos e da área da Saúde se posicionam a favor do diálogo, oferecendo apoio psicológico às mulheres. Em meio à um mundo de tantos julgamentos,  estes últimos discutem a opção de não ter no aborto ilegal e inseguro a única escolha possível. 

Em uma democracia, é saudável que  existam lados opostos de pensamentos. A cantora Elba Ramalho lidera um projeto social com grupos de apoio para mães abandonadas e carentes e se diz profundamente arrependida de um aborto feito décadas atrás. Estudos da Saúde Mental revelam que as consequências de um aborto (provocado ou não) podem se estender por anos. Quem é a mulher que hoje morre nestas práticas ilegais? É a jovem, desamparada e pobre. 

Na reportagem dizia que ninguém da família da jovem sabia que ela estava grávida e que esta disfarçou o mal estar dizendo que havia caído da moto. Em outro caso recente, uma jovem matou o próprio filho asfixiado em uma mala após o parto feito às escondidas dentro de casa. Casos assim nos chocam e levam a pensar. Precisamos de diálogo. Precisamos de conversa e principalmente, de mais amor e solidariedade. Precisamos falar sobre a vida das mulheres.

EDITORIAL

IMPCG quer servidor pagando por calote

O papel do IMPCG deveria ser o de proteger o futuro do servidor, não o de sacrificar esse futuro para equilibrar contas que nunca deveriam ter sido expostas a risco

10/12/2025 07h15

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A decisão do Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande (IMPCG) de reter o repasse dos consignados ao Banco Master é, juridicamente, uma estratégia válida. Mas só isso não basta para encobrir o cenário de contradições e distorções construído ao longo dos últimos anos.

O IMPCG emprestou R$ 1,2 milhão ao banco – dinheiro dos servidores, é sempre bom lembrar – e agora reivindica o retorno de cerca de R$ 1,4 milhão, após a liquidação da instituição financeira. É um direito legítimo.

Mas é também um lembrete amargo de como a relação entre o poder público e o Banco Master foi marcada por escolhas, no mínimo, temerárias.

Enquanto colocava recursos previdenciários em aplicações de risco duvidoso, o IMPCG assinava com o próprio banco, pouco mais de dois anos atrás, uma armadilha disfarçada de vantagem para o servidor: o Credcesta.

Formalmente apresentado como consignado, na prática, funcionava como um cartão de crédito com juros elevados, pagamento mínimo descontado em folha e limite permanentemente disponível – a receita perfeita para o superendividamento.

Centenas de servidores caíram nessa engrenagem, e muitos sequer utilizaram o cartão, mas passaram a carregar mensalmente um débito que não diminuía, já que o desconto compulsório cobria apenas encargos.

Agora, diante da quase falência do liquidado Banco Master, o instituto e a prefeitura tentam uma compensação: usar os valores que os servidores superendividados ainda devem – fruto dos juros considerados abusivos por pelo menos 270 ações judiciais – para quitar o crédito que o IMPCG tem a receber.

Na prática, a conta que deveria ser paga pelo banco liquidado recai, mais uma vez, sobre o servidor. O mesmo servidor que, teoricamente, o instituto existe para proteger.

O quadro revela algo mais profundo do que uma disputa jurídica por compensação de créditos. Ele expõe um ambiente institucional em que o erro de gestão acaba empurrado para o trabalhador, numa perversa lógica de “salve-se quem puder”.

O IMPCG tenta salvar o próprio patrimônio, e é compreensível que o faça, mas ignora que parte do rombo que agora tenta cobrir foi gerado pela própria decisão de aderir ao Credcesta. O banco enganou, mas o instituto abriu a porta.

E quem ficou no meio do caminho, esmagado entre o contrato leonino e o descontrole institucional, foi o servidor.

O mais grave é que o ciclo de prejuízos se retroalimenta: o IMPCG busca ressarcimento usando justamente o produto financeiro que devastou a vida de tantos trabalhadores, e os servidores, já arrasados por dívidas eternas, seguem respondendo por valores que não foram capazes de reduzir nem enquanto o banco estava de pé. A correção do erro, em vez de aliviar quem foi lesado, ameaça reforçar a punição.

É lamentável que a gestão previdenciária de um município chegue a esse ponto. O papel do IMPCG deveria ser o de proteger o futuro do servidor, não o de sacrificar esse futuro para equilibrar contas que nunca deveriam ter sido expostas a risco.

Se há uma lição a extrair, é que previdência não é negócio para improviso, muito menos para experimentos financeiros com bancos pouco sólidos. Quem paga a conta, como sempre, é o lado mais fraco. E isso, definitivamente, não é aceitável.

ARTIGOS

A reforma tributária sob a perspectiva processual: um problema ainda sem solução!

Emenda atribui competência ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para processar e julgar conflitos entre entes federativos

09/12/2025 07h30

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Embora a reforma tributária já seja uma realidade entre nós, com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023 e da publicação da Lei Complementar (LC) nº 214/2025, não há, ao menos até este momento, consenso a respeito da melhor alternativa em relação ao seu aspecto processual e a solução dos litígios que certamente surgirão.

A Emenda inseriu o art. 105, inciso I, alínea “j” no texto Constitucional, atribuindo competência ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para processar e julgar, originariamente, “os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços [CGIBS], relacionados aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V”.

Todavia, o próprio STJ, por meio de um grupo de trabalho coordenado pela ministra Regina Helena Costa, ao examinar a reforma tributária e essa novel competência, concluiu no relatório que “os novos tributos têm o potencial de, ao menos, triplicar o contencioso tributário sobre a tributação do consumo”, sugerindo, via emenda regimental, ajustes na competência da primeira seção, por sua especialidade em direito tributário.

Mas apenas isso não resolve o problema em definitivo, afinal, a competência do art. 105, I, j, inserida pela EC 132/23, não contemplou os contribuintes, logo, as questões envolvendo estes e os entes subnacionais, estão a depender da edição de nova legislação se a ideia for mudar o panorama atual.

Nesse aspecto, o grupo de trabalho do STJ sugeriu o que se denominou de “política de litigante único”, estabelecendo que apenas um dos três entes federativos representaria o “fisco” em juízo, inclusive nas ações “contrárias”, a depender do porte do contribuinte e do valor do crédito tributário em discussão.

Já o CNJ, por meio de outro grupo de trabalho, apresentou uma proposta de emenda constitucional que está no Senado, contemplando o chamado “foro nacional” onde magistrados federais e estaduais, de modo virtual, decidiriam as controvérsias relativas aos dois novos tributos (IBS e CBS), em conjunto, com a finalidade de reduzir a divergência jurisprudencial entre os julgados da justiça estadual e federal, se mantidas as competências separadas.

Li recentemente no Valor Econômico uma terceira proposta: atribuir ao Comitê Gestor do IBS a titularidade do crédito desse tributo, legitimando-o a figurar no polo ativo e passivo das relações tributárias, em substituição aos entes subnacionais.

Quanto a CBS, não vejo problema algum a se manter a estrutura atual, já que as ações envolvendo a União são de competência da Justiça Federal (art. 109, I, CF/88).

Em relação ao IBS, a solução deve ser diferente, na medida em que temos 27 entes subnacionais (os estados + o DF), além dos 5.569 municípios, como titulares em tese de parcela do crédito tributário que decorre do nascimento da obrigação tributária, a depender do destino da operação com bens e/ou serviços, e a multiplicidade de relações jurídicas.

As propostas que estão na mesa visam, todas, reduzir possíveis conflitos decorrentes de decisões judiciais antagônicas tratando de CBS e IBS, cuja regra matriz de incidência é idêntica para ambos os tributos.
No âmbito do Contencioso Administrativo, bem andou o legislador no PLP 108 – que retornou à Câmara Federal recentemente, em razão de modificações feitas no Senado –, quando previu a criação da Câmara Nacional de Integração do Contencioso do IBS e da CBS e o recurso de uniformização (art. 323-G, da LC 214/25), para dirimir conflitos entre o Carf e o Comitê Gestor, na solução de casos concretos envolvendo os dois tributos.

É importante destacar que a estrutura do contencioso administrativo manterá o Carf para julgamento da CBS e o Comitê Gestor, por meio das Câmaras Estaduais, para o julgamento do IBS, cuja novidade é a criação de um órgão de integração para, na hipótese de dissenso, resolver a questão.

O problema persiste, entretanto, no âmbito judicial, quando se pretende reduzir eventuais divergências interpretativas nos juízos e tribunais de segundo grau, respectivamente, já que CBS e IBS têm idênticas hipóteses de incidência.

A ideia de encurtar esse caminho para solucionar eventuais conflitos interpretativos que decorram da aplicação da legislação da CBS e do IBS, a meu ver, encontra óbice no texto Constitucional, notadamente no Pacto Federativo que contempla normas definidoras de competências e de poder.

Aliás, isso não passou despercebido do grupo de trabalho criado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que também avaliou os impactos da reforma tributária no Poder Judiciário, tendo sido anotado que “a Justiça Estadual, como expressão do Poder Judiciário dos Estados-Membros (art. 125, CF), integra essa arquitetura federativa, exercendo jurisdição plena sobre matéria de interesses local e regional, inclusive no tocante à tributação de competência compartilhada”.

Com efeito, as propostas existentes, a par das críticas já lançadas por doutrinadores dos mais variados quilates, não resolvem em definitivo o problema central: insegurança jurídica decorrente de possíveis decisões antagônicas em situações de fato (e de direito) idênticas ou similares.

O Sistema de Justiça no Brasil está estruturado de maneira a contemplar ao Superior Tribunal de Justiça a missão de dar a última palavra quando a questão envolver tratado ou lei federal (art. 105, III, “a”) ou quando houver divergência jurisprudencial entre tribunais (art. 105, III, “c”).

O Poder Judiciário está escalonado em três níveis: primeira instância, segunda instância e tribunais superiores, cada qual com sua competência delineada no texto Constitucional.

Reunir juízes/desembargadores em um foro nacional virtual, conforme sugere a PEC vinda do CNJ, não é garantia de decisões simétricas envolvendo CBS e IBS; aliás, as regras do art. 95 da Constituição servem justamente ao propósito de assegurar a independência do magistrado no julgamento das causas que lhe são submetidas.

Da mesma forma, a política de “litigante único” também não consegue impedir que decisões judiciais a respeito de CBS e IBS venham a dar causa à divergência jurisprudencial, pelas mesmas razões apontadas em relação à proposta do CNJ.

Em verdade, o Código de Processo Civil atual contempla taxativamente as hipóteses nas quais juízes e tribunais são obrigados a seguir determinado padrão de decisão (art. 927), tendo como referência primeira as decisões vinculantes do STF e do STJ, respectivamente.

Portanto – e já encaminhando para o encerramento deste singelo artigo – creio que a alternativa que nos resta é manter o “status quo ante”, ou seja, as questões que envolvem a CBS devem ser julgadas na Justiça Federal e quanto ao IBS, na Justiça Estadual, cabendo ao STJ e ao STF – nesse caso se houver matéria constitucional –, dar a palavra final.

A única alternativa que me parece apropriada para o momento é a criação da Ação Direta de Legalidade e de Ilegalidade, de competência do STJ, que poderia servir para, nos moldes da ADI e ADC no STF, solucionar questões atinentes à reforma tributária do consumo de maneira mais célere, cujo resultado teria o condão de vincular juízes e tribunais.

Qualquer outra solução que não passe pela restruturação do sistema de justiça brasileiro, além de encontrar críticas de todos os lados, não resolverá o problema dos riscos de decisões divergentes e que estão a causar insegurança jurídica.

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