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OPINIÃO

Elisa Pinheiro de Freitas: "A PEC 241 e o retorno à barbárie"

Graduada, Mestre, Doutora e Pós-doutora em Geografia Humana pela USP. Docente e pesquisadora da UFMS

Redação

21/10/2016 - 01h00
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Por esses dias, as redes sociais, as mídias e todos os tipos de instrumentos de comunicação têm veiculado sobre o Projeto de Emenda Constitucional n. 241 (PEC 241), que teve seu texto aprovado em primeiro turno, no dia 10 de outubro, na Câmara dos Deputados. Em linhas gerais, a PEC 241 objetiva imprimir na Carta de 1988 os limites de gastos, por 20 anos, em áreas seminais para o bem-estar do povo brasileiro: educação, saúde, ciência, tecnologia, inovação, agricultura, reforma agrária, relações exteriores, etc.

Os argumentos utilizados pela atual junta que comanda o destino do Brasil são os de que não há alternativa para fazer o País voltar a crescer e que o “descalabro” com as contas públicas é o pior dos últimos anos. Nada tão farsesco quanto o teor das justificativas usadas para defender o congelamento dos investimentos estatais em áreas fulcrais como educação e saúde. Mesmo porque, o governo que afirma não ter dinheiro para manter os investimentos em áreas sociais, decidiu manter aqueles que se destinam ao capital.

Caso a PEC 241 seja aprovada no Senado, as próximas gerações de brasileiros(as) não terão assegurado o pleno direito à educação e à saúde tendo em vista que cai a obrigatoriedade de a União investir 18% dos impostos em educação, por exemplo. Estudos apontam que com a aprovação da PEC 241, R$ 24 bilhões deixarão de ser investidos, anualmente, em educação. O(a) leitor(a) pode imaginar que se tal cenário se concretizar, o Brasil terá aceitado o retorno à barbárie, até porque desde a redemocratização do País foram envidados esforços para que o maior número de brasileiros(as) tivesse acesso à educação, da creche à pós-graduação.

De acordo com o reitor da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), professor Roberto Leher, a PEC 241 é um prenúncio claro sobre o fim das universidades públicas e gratuitas, porque com tal orçamento contido por 20 anos, torna-se impraticável o funcionamento das atividades acadêmico-científicas. Compartilha da mesma preocupação, a biomédica Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Segundo a biomédica, o Brasil se tornou um player significativo na ciência mundial. No entanto, a aprovação da PEC 241 compromete o desenvolvimento científico, tecnológico e coloca toda essa conquista em patamares inglórios. 

A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) que tem cumprido o seu papel de ser uma instituição onde ensino, pesquisa e extensão oferecem a toda sociedade sul- mato-grossense um dinamismo importante, também não estará fora desse contexto que se avizinha com a implementação da PEC 241. Sendo o quarto maior orçamento do estado de MS, a UFMS com toda a sua estrutura complexa multicampi, poderá não alcançar os objetivos traçados para seu futuro. 

Por isso não podemos fugir às responsabilidades que hora nos cobra um posicionamento diante das perspectivas futuras. Independente dos matizes político-partidários, o propósito deste artigo é ser, antes de tudo, um convite ao bom senso aos homens e mulheres que almejam o bem-estar do seu povo e visa um futuro promissor para as gerações vindouras. Convém ressaltar, porém, que a PEC 241 inviabiliza a consolidação de um país democrático, justo e soberano, pois não há evidências, inclusive em outros países, de que cortes em educação, saúde, cultura tenham concorrido para o desenvolvimento. Fiquemos em alerta sobre os efeitos que o controle de gastos causará em todo o tecido social.

ARTIGOS

O que tem para dizer o MPF?

19/11/2024 07h45

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O que há de ser entendido no silêncio que o Ministério Público Federal (MPF) adotou – quando se calou e se mantém calado – diante da solução que os governos federal e estadual encontraram para pôr fim ao caso da Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu, em Mato Grosso do Sul?

Como é sabido, a questão abarcava conflitos violentos que vinham acontecendo há décadas entre indígenas e não indígenas. Esses conflitos foram desencadeados a partir da instrução do processo administrativo em que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) demarcou – pela ocupação indígena em passado remoto que ela mesmo declarou – um território inteiro de terras particulares em Antônio João, até então, integralmente ocupado, possuído e explorado há quase um século por seus respectivos proprietários. 

O que amparava esses conflitos era a teoria do indigenato, de 1912, do ministro João Mendes, que pela ocupação indígena em passado remoto identificou a TI Ñande Ru Marangatu. Essa forma de identificação de terra indígena tem sido a causa das incontáveis invasões indígenas às terras particulares que ocorreram e que ocorrem todos os dias em MS e em muitas regiões do território nacional.

Lado outro, a Comissão Especial de Autocomposição do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o acordo, o que leva concluir que a mais alta Corte de Justiça concorda com esse modus operandi de se identificar terras indígenas e o adota, como se tanto fosse possível, na solução das causas que julga envolvendo matéria indígena. O exemplo mais recente envolve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC.

Aliás, a Corte faz confusão quando identifica terras indígenas. Ora adota a teoria do indigenato, ora adota a sua própria interpretação, proclamada na assertiva de que a “configuração de terras ‘tradicionalmente ocupadas’ pelos índios já foi pacificada com a edição da Súmula nº 650, que dispõe: ‘Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto’”.

Notadamente, o STF relativizou ainda mais o direito de propriedade constitucional diante da matéria indígena, proclamando que, uma vez constatada a ocupação indígena em passado remoto, não há que se invocar o direito de propriedade, o título translativo nem a cadeia sucessória do domínio como defesa. Em resumo, o posicionamento extremo do Supremo é de que a ocupação indígena – seja ela presente, seja ela em passado remoto (indigenato) – define a terra indígena da União. 

A seu turno, por que o MPF – ferrenho defensor dessa ordem jurídica – deixou que os governos federal e estadual pagassem aos particulares pelas terras indígenas que ocupavam e exploravam no distrito de Campestre, em Antônio João? Com a palavra, o MPF em Mato Grosso do Sul!

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ARTIGOS

A resiliência e a fé

19/11/2024 07h30

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Os desafios diários enfrentados por quem atua na proteção da natureza têm se tornado uma enorme prova de resistência e fé. As condições climáticas extremas, impulsionadas pelas altas temperaturas, ameaçam nossas reservas com o fogo e penalizam a fauna e a flora – já impactadas pela reincidência de incêndios violentos desde 2020.

Percebo que a fauna enfrenta o pior processo de extinção desde o período em que conseguimos a vitória no controle da caça, do tráfico de animais silvestres e da pesca predatória na década de 1980. O cenário atual é de destruição de habitat natural, em que espécies estão sendo dizimadas de forma assustadora, especialmente répteis e insetos. As chamas estão tão intensas que, somadas aos ventos fortes, invadem todos os lugares: locas, copas das árvores, etc, persistindo por meses de forma impiedosa.

Não há dúvidas de que estamos perdendo essa batalha. Somente neste ano já ultrapassamos os 3 milhões de hectares queimados. Esse trágico número foi alcançado mesmo com o empenho de recursos financeiros nas ações de combate, que certamente superam R$ 1 bilhão – entre os investimentos dos governos federal e estadual.

Nunca tivemos – em um histórico de 40 anos – uma infraestrutura de combate tão ampla, incluindo recursos humanos, equipamentos de logística, helicópteros, caminhões e embarcações. É importante destacar o trabalho pioneiro da Famasul, que contabiliza os prejuízos na produção das fazendas no Pantanal, já ultrapassando R$ 50 milhões.

Como podemos ser mais eficientes se nossa capacidade financeira já extrapola seus limites dos desafios e a força humana se mostra insuficiente, em algumas situações até incapaz? Estamos enfrentando algo sem precedentes e que excede nossa capacidade de resposta.

Não devemos nos omitir na identificação dos responsáveis. Eles existem, embora sejam poucos. Ainda assim, acredito que não haverá melhoras significativas na questão comportamental apenas com multas milionárias e possíveis prisões. 

A experiência de outros países, como Portugal e Austrália, nos indica que o ímpeto punitivo não traz uma solução completa. Esses países já lidam com incêndios gigantescos e perdas de vidas humanas em virtude deles há mais de 20 anos.

O mais impressionante – e certamente mais doloroso que as próprias chamas – são as acusações equivocadas e a ignorância de alguns que associam o crescimento dos incêndios às reservas de proteção. Ao contrário, as poucas áreas protegidas no Pantanal (menos de 5%) têm estruturas para evitar incêndios e ações preventivas em seus planos de trabalho, como a presença de brigadas.

Podemos reduzir a escalada dos incêndios ano após ano se implementarmos outras estratégias que não se restrinjam ao combate ao fogo, mas que incluam 
a prevenção. Devemos reconhecer que nossos planos atuais não estão trazendo os resultados esperados e que não será somente o aumento dos investimentos financeiros que nos trará a solução.

O ponto crítico é como um dos biomas mais preservados (cerca de 85%) passou a ser um grande emissor de gás carbônico no País. Os fenômenos naturais são impactados negativamente pelas condições climáticas extremas. Essa situação ameaça nosso bioma e exige novas estratégias que unam ciência e competência para enfrentar esses fenômenos sem precedentes.

Restaurar ao proprietário formas de manejo do fogo pode ser uma alternativa. Eles podem ajudar. Ao mesmo tempo, com mais tecnologia e grupos de ação de combate ao fogo, equipados com boa logística e equipamentos adequados, podemos reduzir o tempo de resposta. Não podemos desistir e precisamos ter fé e resistência para rever nossa relação com o planeta.

Poderíamos, em um gesto responsável, olhar e fazer algo pela nascente do Rio Paraguai. Não sou pessimista, mas talvez apenas a desesperança e o senso de urgência possam nos salvar.

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