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(Não) É assim que acaba

Se, como sentenciou Shakespeare, entre a ficção e a realidade há mais mistérios do que a nossa vã filosofia possa ensinar, tratando-se da ficção artística, seja literária, seja cinematográfica, essa assertiva é mais constatável

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Se, como sentenciou Shakespeare, entre a ficção e a realidade há mais mistérios do que a nossa vã filosofia possa ensinar, tratando-se da ficção artística, seja literária, seja cinematográfica, essa assertiva é mais constatável.

O badalado livro de Coollen Hoover, cujo título original é “It Ends With Us”, e que se tornou mais badalado recentemente, quando adaptado para as telas de cinema, é um típico exemplo de que o mundo da ficção nem sempre concorda (em gênero, número e grau) com esse mundinho em que vivemos.

Sem querer dar spoiler (e já querendo), parafraseando aqui o saudoso Jô Soares, o fim do filme não acaba da mesma forma que (no real) se encerram as turbulentas relações entre casais quando são permeadas pela indesejável violência doméstica, que hoje virou uma praga quase indizimável entre nós.

Nos últimos anos, o aumento do número de casos de violência doméstica praticados no País vem se tornando tão corriqueiro que, além de negligenciado, passou para o patamar da banalização.

Neste ano, por exemplo, só até junho, já haviam sido contabilizados 1.693 casos de feminicídio, e 793 tiveram o indesejado resultado letal, segundo levantamento realizado pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios (Lesfem), que monitora esses casos no País.

Ao lado dessas fatalidades, ainda convivemos com a angustiante constatação de impunidade, seja em decorrência da ausência de maior austeridade na apuração dos crimes que chegam às autoridades, seja em razão das próprias subversões à ordem que os autores do delito conseguem empreender.

Esses dados não deveriam ser visitados somente quando nos aproximamos de datas que celebrem algum dia especial, como, por exemplo, o Dia Internacional da Mulher, já que isso acaba revelando a pura ineficácia em matéria de combate ao grave problema que insiste em permear nosso meio.

Voltando ao comparativo entre o que assistimos ao fim da ficção e o que diuturnamente temos em nosso cotidiano, um ponto chama bem a atenção. Em nossa dura e crua realidade, quando a mulher decide seguir seu caminho sozinha, sem mais a companhia da opressão que lhe subtrai a paz e o verdadeiro sentido de amar na vida, ela acaba mesmo é sendo perseguida até a eclosão de uma fatalidade pelo simples fato de o agressor “não aceitar o fim do relacionamento”.

Se realmente a vítima, mesmo que não denunciasse às autoridades ou a a pessoas próximas o que estivesse sofrendo, pudesse ao menos escolher ir embora e que o agressor a deixasse em paz, já seria uma conquista.

Entretanto, o que presentemente ocorre é que, quando ela decide pôr um fim ao “inferno de relacionamento” em que vive, acaba sendo inserida em outra penosa situação de subjugação praticamente interminável. E o que é pior, não conta com a segurança que deveria ser prestada pela sociedade e pelo Estado.

Não é raro que ela seja até desacreditada, não só por esses entes, mas até pela família, que lhe aponta o dedo, culpando-a por um relacionamento contraído que não deu certo.

Isso certamente só lhe afligirá e aumentará sua sensação de impotência, já tão medonhamente atingida a essa altura.

É preciso que esse debate ocupe as primeiras fileiras e pautas nas entidades e órgãos competentes, sob pena de que a dignidade e a liberdade das vítimas não venham a ser, no porvir, mais que uma mera ficção, um sonho impossível.

 

Editorial

A melhor ajuda para a Santa Casa

O dinheiro, por si só, não basta. Ao receber esses recursos, é essencial que a Santa Casa também demonstre um compromisso claro com uma gestão mais eficiente

09/04/2025 07h15

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O anúncio de R$ 25 milhões para a Santa Casa de Campo Grande, vindos de emendas parlamentares do Orçamento da União redirecionadas ao hospital, foi celebrado como um alívio. Um gesto político importante, que uniu forças de diferentes frentes em prol de uma instituição que presta serviços essenciais para a população sul-mato-grossense. Um ato nobre, sem dúvida. Porém, como costuma acontecer, o tempo entre o discurso e o depósito bancário parece longo demais para quem vive a realidade da emergência hospitalar.

Nesta edição, mostramos que, embora o valor tenha sido anunciado com pompa, ele ainda não chegou à conta da Santa Casa. A expectativa é que o repasse ocorra apenas na segunda quinzena deste mês. Até lá, as dificuldades continuam, os atendimentos se mantêm em ritmo de urgência e o risco de colapso ainda ronda os corredores da instituição. A distância entre o anúncio e a realidade precisa ser encurtada. Afinal, saúde não pode esperar.

Mas o dinheiro, por si só, não basta. É essencial que, ao receber esses recursos, a Santa Casa também demonstre um compromisso claro com uma gestão mais eficiente. Os problemas financeiros do hospital não são recentes e, em grande parte, se devem a más decisões administrativas acumuladas ao longo dos anos. Por isso, o repasse deve ser acompanhado de medidas concretas de reestruturação.

O primeiro passo, como já apontado por especialistas e membros do corpo diretivo da Santa Casa, é renegociar as dívidas com os bancos. Não se pode falar em recuperação sem reequilibrar minimamente as finanças. Condições mais vantajosas, prazos alongados e juros mais baixos são indispensáveis. O segundo passo é ainda mais delicado, mas necessário: responsabilizar gestões anteriores por negócios malfeitos, que empurraram o hospital para uma dívida quase impagável.

Transparência também precisa ser palavra de ordem. Quanto se gasta com fornecedores que atuam em atividades-meio e que nada têm a ver com a função hospitalar? É justo que a população e os órgãos de controle saibam para onde vai cada centavo. A dúvida sobre esses contratos paira e precisa ser respondida com dados e clareza. Em tempos de crise, cada real desperdiçado significa um atendimento a menos, um paciente desassistido.

Do lado de fora do hospital, a responsabilidade também recai sobre os gestores públicos. Se há um compromisso com a Santa Casa, que ele não se limite a anúncios. É obrigação do poder público repassar os recursos em dia, conforme combinado. Atrasos e burocracias não combinam com a urgência de quem está internado ou aguardando atendimento.

A Santa Casa não precisa apenas de socorro financeiro: precisa de compromisso, de cobrança e, acima de tudo, de ser tratada como prioridade permanente, e não apenas em momentos de comoção. A saúde pública agradece. E a sociedade cobra.

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EDITORIAL

Oportunismo na contramão da BR-163

A BR-163 não precisa de mais palanques. Precisa de asfalto, segurança e fluidez. A tentativa de melar a relicitação não é apenas inoportuna, é irresponsável

08/04/2025 14h02

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Após quase seis anos de indefinição, disputas e paralisia, a BR-163, principal eixo rodoviário de Mato Grosso do Sul, finalmente entrou em rota de solução com a relicitação. O novo plano apresentado prevê, de maneira realista e tecnicamente viável, a retomada das obras e a duplicação de mais 200 quilômetros da estrada.

No entanto, justamente no momento em que a esperança se renova, parlamentares estaduais e vereadores de Campo Grande parecem empenhados em sabotar o avanço. Em um movimento pouco compreensível, uniram-se em audiência pública para questionar e tentar travar um processo que demorou anos para ser alinhado.

A audiência pública realizada nesta semana, que reuniu representantes do Legislativo estadual e municipal, trouxe mais confusão do que contribuição. É legítimo debater os interesses da população, mas a forma como o evento foi conduzido levanta dúvidas sobre o real entendimento dos parlamentares quanto à complexidade de um processo de relicitação de rodovia federal.

Elaborar um novo contrato dentro das normas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e com critérios técnicos e jurídicos bem definidos leva tempo, exige estudos, cálculos de viabilidade e articulação política de alto nível.

Interferir nesse ponto do processo é como tentar mudar o projeto quando a concretagem da obra já começou. A impressão que fica é que nossos representantes locais ignoram a máxima de que é melhor um pássaro na mão do que dois voando.

Temos, nesse momento, uma proposta concreta em mãos, com previsão de investimento e um cronograma definido. Porém, movidos por ambição eleitoral ou discursos populistas, preferem mirar em um cenário idealizado e incerto.

Apostam na instabilidade, talvez por acreditar que isso possa render dividendos políticos no ano que vem. Afinal, muitos eleitores sequer compreendem que concessões de rodovias federais são de competência da União, não do Legislativo estadual ou municipal.

Se os nobres parlamentares estivessem de fato comprometidos com a duplicação da rodovia, teriam se envolvido no processo desde o início. Em janeiro deste ano, por exemplo, a ANTT realizou audiência pública para discutir os termos da nova concessão.

Onde estavam os deputados e vereadores que hoje se apresentam como paladinos da rodovia? Alegam que não foram convidados formalmente. Ora, era mesmo necessário um convite para um tema que impacta diretamente a vida da população do Estado e que já estava amplamente divulgado?

Quando a política entra para tumultuar, e não para construir, os prejuízos recaem sobre quem depende da rodovia todos os dias – caminhoneiros, empresários, produtores rurais e cidadãos comuns. A BR-163 não precisa de mais palanques.

Precisa de asfalto, segurança e fluidez. A tentativa de melar a relicitação, neste momento, não é apenas inoportuna, é irresponsável. Que os parlamentares recuem desse oportunismo e se alinhem ao interesse coletivo.

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