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Soberania de dados é estratégica e o Brasil não pode ignorar

A dependência quase exclusiva de big techs internacionais cria vulnerabilidade que poucas empresas mensuraram em seus planos de risco

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Durante muitos anos, falar em soberania de dados soava como um debate distante, quase acadêmico. Afinal, as grandes provedoras globais sempre entregaram serviços de altíssima disponibilidade e resiliência. O que poderia dar errado? Até recentemente, a maioria dos executivos de tecnologia responderia: nada.

Entretanto, o cenário mudou. Hoje já presenciamos casos concretos de empresas relevantes no mundo inteiro que tiveram seus serviços interrompidos, não por falhas técnicas, mas por sanções políticas e decisões jurídicas além de suas fronteiras.

Um exemplo recente foi o de uma gigante indiana de combustíveis que, mesmo sem relação direta com a União Europeia, teve seus serviços em nuvem (Microsoft) paralisados em função das sanções ligadas a Rússia. Como resultado, foram dias de operação comprometida, prejuízos financeiros e abalo de confiança.

Esse episódio traz uma reflexão que deve ecoar no Brasil: até que ponto estamos preparados para lidar com interrupções causadas por fatores que não controlamos? A dependência quase exclusiva de big techs internacionais cria uma vulnerabilidade que poucas empresas mensuraram em seus planos de risco.

Leis como o Cloud Act, nos Estados Unidos, o E-Evidence, na Europa, e mais recentemente a Lei Magnitsky, ampliam ainda mais esse desafio. Esta última, criada originalmente para punir corrupção e violações de direitos humanos, passou a ser usada também como instrumento de sanções econômicas e tecnológicas.

Na prática, isso significa que uma empresa brasileira pode ter seus serviços suspensos mesmo sem ser alvo direto, apenas por estar conectada a ecossistemas ou parceiros comerciais em países sob sanção.

Ou seja, mesmo uma companhia que cumpre integralmente a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) pode ser impactada por decisões que nada têm a ver com a realidade nacional. E a pergunta que precisa ser feita é simples: quantas empresas brasileiras resistiriam a uma semana com sistemas críticos fora do ar?

É por isso que a discussão sobre a soberania de dados precisa deixar de ser periférica e se tornar parte central da estratégia corporativa. Não se trata de nacionalismo tecnológico, mas de gestão de risco e continuidade de negócios. Empresas que concentram toda a sua infraestrutura em um único provedor global estão mais expostas a bloqueios, suspensões e vulnerabilidades externas.

A boa notícia é que existem alternativas. Modelos híbridos de gestão da informação, que combinam nuvem privada no Brasil, soluções locais e ferramentas avançadas de backup e disaster recovery, já estão disponíveis e acessíveis. Essa diversificação é o caminho mais seguro para mitigar riscos e garantir resiliência, independentemente das tensões geopolíticas.

A LGPD foi um passo fundamental para amadurecer o debate sobre privacidade e proteção no Brasil. Mas, diante do contexto internacional, precisamos ampliar a visão. Proteger dados hoje não é apenas impedir vazamentos ou ataques cibernéticos, é também garantir independência e continuidade perante forças externas.

O Brasil é reconhecido por manter boas relações diplomáticas com a maioria dos países. Mas no mundo conectado em que vivemos, basta uma decisão unilateral em outro território para afetar empresas que não têm relação direta com o conflito.
No fim do dia, soberania digital significa resiliência.

E o que vai separar as empresas que conseguem seguir operando em meio às turbulências daquelas que ficam vulneráveis é a capacidade de se antecipar, diversificar e proteger suas operações contra o imprevisível.

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

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A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

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A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

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