Um assessor do desembargador Marcos José de Brito Rodrigues, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), tinha um token e senha do magistrado, com a qual abrir processos e até assinava sentenças, com conhecimento e aval do desembargador, investigado por venda de sentenças. É o que aponta relatório da Corregedoria Nacional de Justiça.
Marcos Brito foi um dos alvos da Operação Ultima Ratio, desencadeada pela Polícia Federal em outubro de 2024 e que também afastou outros quatro desembargadores e um conselheiro do TJMS, por ordem do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo as investigações, Marcos Brito Rodrigues teria recebido vantagens indevidas para favorecer empresários e figuras públicas em processos de alto valor.
De acordo com o Estadão, o relatório aponta que mensagens via WhatsApp recuperadas no âmbito de investigação revelam que o funcionário do gabinete, identificado por Marcelo, era instruído pelo próprio desembargador a ‘minutar decisão e a assiná-la ele mesmo’.
Assim, o funcionário tinha poderes para fazer uso do certificado digital e apenas informava o magistrado quanto terminava os atos.
"O assessor Marcelo possuía acesso ao token e senha do desembargador, permitindo a assinatura de decisões em seu nome, configurando delegação ilegal de atividade jurisdicional e violação de sigilo funcional”, diz trecho do documento.
O relatório é a base da decisão para a abertura do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que poderá resultar na aposentadoria compulsória de Marcos José de Brito Rodrigues. Ele nega ligação com o esquema.
O relatório foi redigido há cerca de duas semanas pelo corregedor Mauro Campbell, que se manifestou favorável a abertura do PAD contra Marcos José de Brito. Quanto aos demais investigados, os casos ainda estão em processo de análise na Corregedoria.
O documento cita os argumentos da defesa, que nega desvios e venda de sentenças, mas aponta situações que, segundo o corregedor, corroboram com a possível participação do magistrado no esquema.
Além do assessor, são citados como elo um filho de Marcos Brito, o advogado Diogo Ferreira Rodrigues, "revelando proximidade estrutural entre magistrados investigados e potencial conflito de interesses".
O corregedor aponta ainda que o padrão de conduta identificado ao longo das investigações "revelou a prática sistemática e reiterada de violações aos deveres funcionais, inerentes ao nobre cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul’.
Entre as condutas são citados contato direto com partes e advogados fora dos autos processuais; intervenção em processos de relatoria de outros magistrados; recebimento de presentes de alto valor de advogados que patrocinavam causas perante o Tribunal de Justiça e exercício da função jurisdicional em situações de evidente suspeição sem declará-la.
Também houve a delegação ilegal de atividades jurisdicionais ao seu assessor, compartilhamento de credenciais de acesso ao sistema e movimentação de valores expressivos em espécie sem justificativa compatível com seus rendimentos declarados.
Além de votar pela abertura do PAD, o corregedor também se manifestou pela manutenção do afastamento cautelar do desembargador de suas funções, pois os elementos probatórios foram capazes de " configurar a chamada justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar, com a manutenção de seu afastamento cautelar das funções jurisdicionais.”
“Todos esses gravíssimos elementos indiciários reforçaram a percepção desta Corregedoria Nacional de que, a abertura de procedimento administrativo disciplinar é medida impositiva”, concluiu o corregedor no relatório.
A defesa do desembargador se manifestou, pugnando pelo pelo arquivamento da reclamação disciplinar por ‘ausência de justa causa’, na medida em que sua atuação teria se pautado na análise objetiva dos autos, estando ausente, em seu entender, qualquer indicativo de sua efetiva adesão ao esquema delitivo.
Além disso, negou todas as outras acusações, reiterando a alegação de inexistência de prova ou indício de ilícito a fundamentar a manutenção da reclamação disciplinar.
Venda de sentença
A Operação Ultima Ratio foideflagrada pela Polícia Federal (PF) com apoio da Receita Federal no dia 24 de outubro de 2024 e desvendou um amplo esquema de venda de sentenças envolvendo desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS), advogados e empresários.
Ao todo, a Polícia Federal cumpriu 44 mandados de busca e apreensão, em diversos locais, como residências de investigados e seus familiares, o prédio do TJMS, a sede do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o fórum e escritórios de advocacia. Além de Campo Grande, alvos são investigados em Brasília, São Paulo e Cuiabá.
Entre os afastados estão figuras de destaque no TJMS, incluindo o presidente Sérgio Fernandes Martins, o presidente eleito Sideni Soncini Pimentel, o vice-presidente eleito Vladimir Abreu da Silva, além dos desembargadores Marcos José de Brito Rodrigues e Alexandre Bastos.
Em dezembro do ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, relator da Operação Última Ratio, liberou os desembargadores Sideni Soncini Pimentel, presidente eleito da corte; o vice-presidente eleito, Vladimir Abreu da Silva; alem de Marcos José de Brito Rodrigues e Alexandre Bastos de usarem tornozeleira eletrônica.
A investigação também mirou o conselheiro do TCE-MS, Osmar Domingues Jeronymo, e seu sobrinho Danilo Moya Jerônimo, servidor do TJMS.
Outro suspeito de participação é o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha, considerado operador no pagamento de propinas.
Além dos afastados de suas funções, foram alvos de mandado de busca e apreensão:
- Marcus Vinicius Machado Abreu da Silva - Advogado, filho de Vladimir Abreu
- Ana Carolina Machado Abreu da Silva - Advogada, filha de Vladimir Abreu
- Julio Roberto Siqueira Cardoso - Advogado e desembargador aposentado
- Camila Bastos - Advogada, filha de Alexandre Bastos, afastou-se da vice-presidência da OAB-MS após a operação
- Rodrigo Gonçalves Pimentel - Advogado, filho de Sideni Pimentel
- Renata Gonçalves Pimentel - Advogada, filha de Sideni Pimentel
- Divoncir Schreiner Maran - Desembargador aposentado
- Divoncir Schreiner Maran Jr. - Advogado, filho do desembargador aposentado Divoncir Maran
- Diogo Ferreira Rodrigues - Advogado, filho de Marcos José de Brito Rodrigues
- Felix Jayme Nunes da Cunha - Advogado e operador do esquema
- Diego Moya Jerônimo - Empresário e sobrinho de Osmar Jeronymo
- Percival Henrique de Souza Fernandes - Médico infectologista
- Paulo Afonso de Oliveira - Juiz de primeira instância
- Andreson de Oliveira Gonçalves - Lobista e elo do esquema com instâncias superiores




