Em audiência realizada nesta segunda-feira (29), o casal Lydio de Souza Rodrigues e Neiva Rodrigues Torres se recusou a desfazer o negócio feito com o pecuarista Ricardo Pereira Cavassa para pôr fim a uma ação penal por estelionato, na qual o casal é acusado pelo Ministério Público.
A “Fazenda Vai Quem Quer”, que, conforme o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), foi transferida para o casal por meio da aplicação de um golpe no vendedor, está no centro do escândalo de venda de sentenças escancarado pela Polícia Federal na Operação Última Ratio.
Apesar de o Ministério Público acusar na esfera criminal o casal de aplicar um golpe para ficar com a fazenda de Ricardo Cavassa, os desembargadores da esfera cível, em ação possessória, mantiveram o casal na posse da fazenda (que até já foi dividida).
A Polícia Federal levantou a suspeita, durante a investigação do esquema de venda de sentenças, de que os desembargadores afastados de seus cargos, Sideni Pimentel e Alexandre Bastos, tenham atuado em favor do casal.
Em audiência na segunda-feira, Lydio e Neiva recusaram o acordo proposto pelo Ministério Público, de devolver a fazenda “Vai Quem Quer” para que o processo fosse suspenso condicionalmente e qualquer possibilidade de eles serem condenados e perderem a condição de réu primário deixasse de existir.
O casal é acusado de esconder penhoras e de adulterar certidões negativas para enganar Cavassa na permuta da Fazenda "Vai Quem Que"r, no Pantanal da Nhecolândia, por uma propriedade no Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo.
O caso só será julgado daqui a um ano, segundo decidiu o juiz da 1ª Vara Criminal Residual.
“Considerando a recusa do acusado e seu defensor à proposta de suspensão condicional do processo, dou seguimento ao feito e designo audiência de instrução e julgamento para o dia 12 de novembro de 2026”, decidiu o juiz Roberto Ferreira Filho.
A promotora responsável pelo caso, Suzi Lúcia Silvestre da Cruz D’Ángelo, havia proposto e estabelecido condições para Lydio e Neiva escaparem da condenação criminal pela prática de estelionato na compra da fazenda, como comparecer todos os meses à Justiça para informar suas atividades, comunicar o juízo em caso de eventual mudança de endereço e, a mais importante das condições, o compromisso de rescindir o negócio da compra da fazenda, que ainda não foi transferida para o nome do casal, que mantém apenas a posse da propriedade graças à decisão suspeita dos três desembargadores na área cível.
A fazenda e o esquema investigado pela PF
A aquisição da Fazenda Vai Quem Quer, localizada no Pantanal da Nhecolândia, em Corumbá, e avaliada em R$ 15 milhões, foi validada em julgamento proferido pelos desembargadores investigados na Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal (PF), que apura um esquema de venda de sentenças na mais alta Corte da Justiça de Mato Grosso do Sul.
A atuação conjunta dos desembargadores – todos eles afastados de suas funções pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – foi flagrada no conteúdo das mensagens do telefone celular do desembargador Sideni Soncini Pimentel.
Sideni Pimentel, no material interceptado pela PF, indica uma atuação conjunta com outros dois desembargadores, Alexandre Bastos e Vladimir Abreu, para manter a Fazenda Vai Quem Quer com o casal acusado na esfera criminal de aplicar um golpe no vendedor da propriedade, o pecuarista e empresário Ricardo Pereira Cavassa .
O Ministério Público (e também a Polícia Federal) indicam que, na transação envolvendo as duas propriedades, Lydio e Neiva omitiram uma série de vícios e falsificaram certidões para enganar o pecuarista.
Os vícios da fazenda localizada no município de Iguape (SP) eram penhoras, multas ambientais não pagas e áreas embargadas, o que inviabilizaria a fruição da propriedade
Além disso, as quatro fazendas, que deveriam totalizar 2 mil hectares, tinham, na verdade, apenas 1,67 mil hectares. O golpe foi descoberto após a assinatura do contrato, em que os vendedores usaram documentos falsos para encobrir os vícios das fazendas.
O golpe
Ricardo Cavassa buscou a Justiça para rescindir o contrato.
Na esfera cível, inicialmente obteve vitória em primeira instância, mas o TJMS reformou a decisão e manteve a posse com o casal.
A PF encontrou provas de manipulação: Pimentel orientava seu assessor a elaborar um voto divergente antes mesmo de o relator, Alexandre Bastos, formalizar posição. Bastos, que inicialmente reconhecia vícios no contrato, mudou o voto no julgamento final, beneficiando os acusados.
Outro indício de fraude foi a venda antecipada de parte da fazenda pelo casal ao próprio advogado, em contrato condicionado à vitória na apelação — evidência de que os envolvidos já conheciam o desfecho.
Desdobramentos
Esse caso foi um dos que motivaram a PF a pedir abertura de ação penal contra sete desembargadores por venda de decisões judiciais.
O processo tramita no Superior Tribunal de Justiça, já que os magistrados têm foro privilegiado. Cinco estavam na ativa no TJMS, mas hoje apenas um permanece em exercício; os demais estão afastados.
A Procuradoria-Geral da República deve se manifestar em breve, podendo apresentar denúncia, pedir arquivamento ou requerer novas diligências.
As investigações da Operação Última Ratio seguem em andamento.


