Estado ultrapassou a marca de 21,5 mil ocorrências pela primeira vez desde quando os dados começaram a ser contabilizados
Mato Grosso do Sul ultrapassou 21,5 mil ocorrências de violência doméstica e 2025 se tornou o ano mais violento contra mulheres desde 2015, quando os dados começaram a ser contabilizados e divulgados publicamente, segundo o 'Monitor da Violência contra a Mulher' do Poder Judiciário do Estado.
Em publicação do Correio do Estado há exatas três semanas, o Estado havia contabilizado, até aquele instante, 20.087 vítimas de violência doméstica durante o decorrer do ano, o que estava colocando 2025 como o terceiro pior ano no quesito, atrás apenas de 2023 e 2024, quando foram relatadas 21.061 e 21.117, respectivamente.
Porém, de 21 dias para agora, Mato Grosso do Sul registrou cerca de 1,4 mil novas ocorrências, ‘impulsionando’ 2025 para o topo da lista como pior ano, com 21.514 relatos totalizados. Somente Campo Grande é responsável por 35,54% dos relatos, com 7.645 catalogados até então, seguido por Dourados, com 1.845 (8,58%), e Três Lagoas, com 1.052 (4,89%).
Dentre os mais de 21,5 mil casos de 2025, 15.673 aconteceram em residências, enquanto os outros 5.841 está divididos em vias urbanas (3.103), propriedade rural (1.031), estabelecimento comercial (637), internet (535), estabelecimento de saúde (182), órgão público (88), local público (68), estabelecimento de ensino (52) e escolas (49).
Ademais, entrando na relação do autor com a vítima, na maioria das vezes a violência doméstica é praticada pelo cônjuge, ou seja, quando já há um vínculo matrimonial entre as duas pessoas, com 3.533 casos. Vale destacar que os números citados acima são aqueles relatados em alguma via policial ou de acolhimento, o que é uma das maiores dificuldades dos órgãos de fiscalização.
Entrando especificamente na faixa etária das vítimas, mulheres adultas de 30 a 59 anos são as principais alvos, com 11.847 ocorrências. Em seguida aparecem jovens de 18 a 29 anos, com 7.062, idosas acima dos 60 anos, com 1.425, adolescentes dos 12 aos 17 anos, com 956, e até crianças dos zero aos 11 anos de idade, com 223 relatos.
Conforme consta no próprio portal do ‘Monitor da Violência contra a Mulher’, os dados foram atualizados até às 23h59 desta sexta-feira (26).
Feminicídios
Um dos principais reflexos dos casos de violência doméstica é o alto número de feminicídios registrados este ano no Estado. Até o momento, foram 39 casos em 2025, mais do que os registrados nos dois anos anteriores, em 2023 e 2024, quando catalogaram 30 e 35 vítimas, respectivamente.
O último caso aconteceu no dia 14 de dezembro, em Ribas do Rio Pardo, quando Aline Barreto da Silva, de 33 anos, foi assassinada pelo marido, Marcelo Augusto Vinciguerra.
Conforme informações policiais, a Polícia Militar foi acionada durante a madrugada de hoje para atender uma ocorrência de violência doméstica. Ao chegar no local, os agentes avistaram Aline gravemente ferida, aparentemente com cortes de facas.
Socorrida, a mulher foi levada para atendimento médico, mas devido a gravidade das lesões, não resistiu e morreu no hospital. Quanto ao feminicida, Marcelo foi localizado e preso em flagrante, sendo encaminhado à Delegacia da Polícia Civil do município.
Medidas protetivas
"Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social", diz o art.2 da Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha).
Usadas para proteger mulheres em situação de violência familiar ou doméstica, as medidas protetivas são um dos principais instrumentos para, pelos menos, tentar proteger mulheres de qualquer tipo de violência seja qual for o âmbito.
Conforme o Monitor da Violência contra a Mulher, foram solicitadas 14.532 medidas protetivas até o fim de novembro, das quais 12.885 foram concedidas, o que corresponde a 88,67% dos pedidos. Sobre o recorte mensal, a média de solicitações está na casa dos 1,3 mil.
Em comparação com outros anos, 2023 teve o maior número em solicitações totais, com 15.401, enquanto no ano passado houve recorde de medidas protetivas concedidas, com 14.809, porém, a média mensal desses anos foi de 1,2 mil.
Recentemente, a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul (DPGE-MS) divulgou que as medidas protetivas solicitadas a partir do órgão saltaram de 1.536 em 2024 para 3.806 este ano, considerando aquelas que foram outorgadas pelo Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem).
"Identificamos que 58% das mulheres atendidas pelo núcleo são pretas, 53,7% são solteiras, e metade está entre 30 e 45 anos, faixa etária associada ao maior risco de violência doméstica e feminicídio, seguindo o cenário nacional. Esse perfil retrata a realidade de um atendimento voltado a mulheres que acumulam desigualdades raciais, sociais, econômicas e de acesso à rede de proteção", analisa a coordenadora e defensora pública Kricilaine Oksman.
Em nota enviada ao Correio do Estado no início deste mês, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) afirmou que, mesmo que os números também são um reflexo de que a campanha de denunciar este tipo de crime está no 'caminho certo', muitas mulheres ainda apresentam receio ou medo em relatar que estão sofrendo violência doméstica, tal qual pessoas que observam a prática acontecendo e se omitem.
"O desafio, no entanto, é mais complexo, pois muitas mulheres sofrem sozinhas, não possuem rede de apoio, não sabem como sair do ciclo da violência, sentem medo ou vergonha do julgamento social. Ainda persiste a ideia de que a violência doméstica é 'problema do casal', o que leva a inúmeras situações em que familiares, vizinhos e amigos têm conhecimento da violência, mas não buscam ajudá-la. A ausência de busca por proteção do Estado acaba deixando essas mulheres ainda mais vulneráveis", destaca o órgão.
No final do comunicado, o MPMS reforça que "quanto mais campanhas são divulgadas e quanto mais a informação chega às mulheres, maior é a percepção de que existe uma lei capaz de protegê-las".
Ligue 180
A Central de Atendimento à Mulher Ligue 180 é um serviço de utilidade pública para o enfrentamento à violência contra as mulheres.
A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. O Ligue 180 presta os seguintes atendimentos:
- orientação sobre leis, direitos das mulheres e serviços da rede de atendimento (Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.;
- informações sobre a localidade dos serviços especializados da rede de atendimento;
- registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes;
- registro de reclamações e elogios sobre os atendimentos prestados pelos serviços da rede de atendimento.
- É possível fazer a ligação de qualquer lugar do Brasil ou acionar o canal via chat no Whatsapp (61) 9610-0180. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do 190.
Saiba
Na última segunda-feira (22), o Governo do Estado publicou um aumento do valor da verba indenizatória paga para servidores das carreiras da Polícia Civil que atuam nas demandas ligadas ao enfrentamento da violência doméstica em MS.
Anteriormente,esse valor em verba indenizatória paga era de R$ 200, cifra essa aumentada em 50% pelo Executivo estadual.
Em outras palavras, o pagamento da hora extra agora é de R$ 300 para o servidor que aderir às atividades que envolvam os casos de violência doméstica em Mato Grosso do Sul.
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