Passado mais de 24 horas da morte registrada na Terra Indígena Ñanderu Marangatu na madrugada de quarta-feira (18), o corpo de Nery Ramos da Silva Guarani Kaiowá ainda segue sem liberação para ser velado por seus patrícios residentes na TI de Antônio João.
Informações obtidas com o advogado do Conselho Missionário Indigenista apontam que até por volta de 10h da manhã de hoje (19), o corpo de Nery seguia em posse da perícia, sem previsão de quando será liberado para velório.
Distante cerca de 280,9 km da Capital de Mato Grosso do Sul, importante destacar que a TI foi alvo de homologação ainda em 2005, anulada posteriormente no mesmo ano pelo até então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim.
Cabe lembrar que, a mais recente escalada de violência contra os povos originários de Mato Grosso do Sul começou no último dia 12, quando os indígenas fizeram ação para retomada da propriedade onde hoje existe a chamada Fazenda Barra, ocasião em que três acabaram feridos, como bem acompanhou o Correio do Estado.
Peritos federais realizam o procedimento pericial no corpo de Nery no município de Ponta Porã.
Conflito
Nery foi morto durante ação acompanhada por forças policiais sul-mato-grossenses, sendo que desde o primeiro momento já era apontado para uma possível execução, já que o tiro fatal teria atingido a região da nuca do Guarani Kaiowá.
Diante da violência, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) inclusive emitiu nota, com pedido de afastamento imediato do Policial Militar responsável pelo disparo, acionando inclusive Polícia e Ministério Público Federal, bem como Defensoria Pública da União.
Importante ressaltar, também, que os agentes da Força Nacional não estavam na Terra Indígena, uma vez que foram destacados apenas para acompanhar membros da Coordenação Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), de Ponta Porã.
Ou seja, baseados no município de Douradina, no Mato Grosso do Sul, estavam distantes cerca de 182 km de onde aconteceu o conflito que vitimou Nery Ramos da Silva Guarani Kaiowá.
Assassinado aos 23 anos, Neri Ramos da Silva Kaiowá deixa um bebê de 11 meses, somando-se a outros três nomes mortos desde a década de 80 nessa mesma Terra Indígena de Antônio João, sendo:
- 1983 | Marçal de Souza: morto em casa com 5 tiros, na Aldeia Campestre
- 2005 | Dorvalino Rocha: morto com 2 tiros por segurança privado de fazendas da região.
- 2015 | Simião Vilhalva: morto com tiro na cabeça durante conflito por terras
Briga pela terra
À espera de uma resposta há praticamente 20 anos, a derrubada da homologação em 2005 da Terra Indígena contou com apoio da atual dona da fazenda em que Nery foi morto, segundo informações da Mobilização Nacional dos Povos Indígenas.
Roseli Ruiz é dona da fazenda que, atualmente, conta com proteção da Polícia Militar por meio de rondas, além de um pelotão designado para proteção dos proprietários e funcionários da propriedade.
A decisão sob a qual a polícia age foi inclusive estendida, para que as forças policiais garantam o "ir e vir" dos funcionários e "proprietários" da fazenda, desde a rodovia até a sede, num percurso de mais de 10 quilômetros.
A família Ruiz, como ressalta a Mobilização Nacional Indígena, esteve envolvida na ação de fazendeiros que, em 2015, vitimou o indígena Simeão Vilhalva, que foi baleado na cabeça em dezembro de 2015.
Com diploma em antrologia, Roseli foi indicada pelos partidos Liberal (PL) e Republicanos, como uma "especialista" para - participar da audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal, marcada para o próximo dia 23, sobre a constitucionalidade do marco temporal.
Inclusive, a advogada ruralista Luana Ruiz - filha de Roseli Ruiz e Pio Queiroz Silva, proprietários da Fazenda Barra -, como destaca o Conselho Indigenista, atua na assessoria especial da Casa Civil de Mato Grosso do Sul.
Segundo apuração do Cimi, a advogada atuou na ação deferida pela Justiça Federal de Ponta Porã, em busca da proteção da Fazenda Barra, através da decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
Agora, os indígenas pedem revogação dessa decisão que, segundo os indígenas, "ampara, ilegitimamente, a presença violenta da Polícia Militar no território homologado".
**(Colaboraram Alanis Netto e Daiany Albuquerque)