Feita na Câmara Municipal de Campo Grande, na última terça-feira (25), uma fala transfóbica de um vereador do Partido Liberal (PL) em ataque a um material interno disparado pela Maternidade Cândido Mariano tem repercutido nas redes sociais, após André Salineiro chamar o conteúdo informativo de "bizarrice".
Chamado de "Protocolo Acolhimento a Transsexuais Grávidos", o documento traz pontos ligados à diretriz da política de humanização (PNH), que seria de responsabilidade de todos profissionais que atuam no âmbito da saúde, foranco no cuidade individualizado para evitar a propagação de estigmas e discriminação.
Porém, para o parlamentar, que disse ter ficado "estarrecido" ao receber o material de profissionais da área da saúde, o caso ilustrado por um homem trans amamentando trata-se de uma "bizarrice" e "inversão de valores".
De peito de homem não sai leite. Não tem como dar mamar a um neném um homem. Recebi, estarrecido, de um profissional da área da saúde, uma cartilha que vergonhosamente a Maternidade Cândido Mariano fez para seus profissionais, onde tem um homem barbudo amamentando um bebê”, disse Salineiro.
Além de expôr aos profissionais de saúde o que mudou na prática, com os cuidados a serem tomados, como não inferir a identidade de gênero da pessoa grávida e perguntar o nome social e identidade de gênero, o documento traz alguns pontos que parecem "simples", como, por exemplo, lembrar aos trabalhadores que o nome social é o qual a pessoa deve ser chamada
Entretanto, para Salineiro, a cartilha produzida pela Maternidade Cândido Mariano é uma "vergonha". "Não podemos nos calar como representantes do povo. Respeito sim. Mentira não! Se uma criança vê isso, vai confundir a cabeça dela, achar que homem dá leite", disse ele em complemento.
Rebatido nas redes
Diante das falas, uma série de influenciadoras locais e pessoas transgêneros apareceram para repreender a posição de André Salineiro, como no caso de Maria Fernanda Cabral, que posta conteúdos de beleza, humor e de vivência trans e fez questão de rebater Salineiro.
Em seu vídeo Mafê, como é conhecida, introduz a fala de Salineiro e rebate que "homens trans engravidam, amamentam e, como qualquer cidadão, merecem um atendimento digno e respeitoso no sistema público de saúde".
Junto de seu material, ela traz a fala de Cleyton Bitencourt, um homem trans parturiente que teve os dois filhos via cesárea e, inclusive, amamentou ambos.
"Meus dois filhos, eles foram muito desejados e planejados por mim. Sempre sonhei em viver a gestação e também a amamentação. Lembro que lá na maternidade eu não tinha quase nenhuma informação sobre amamentação para homens trans, era tratado como se eu fizesse parte de um universo que não condizia comigo... sempre sendo colocado no mundo da maternidade e isso sempre me deixava invisível como pai", diz.
Cleyton, que segundo ele estava realizando o maior sonho de sua vida, ao mesmo tempo tinha que lidar com muitas informações, olhares estranhos e o que chama de "transfobia disfarçada de não saber lidar com a situação".
"Era um misto de felicidade pela minha realização e tristeza pela invalidação da minha identidade. E hoje quando eu vejo que a gente teve tanto avanço na saúde e na maternidade, é revoltante ver pessoas ainda tentando apagar nossas vivências. Como se a gente não tivesse o direito de existir e receber cuidado. Fico realmente muito triste porque tem pessoas tentando limitar quem nós somos e arrancar nossos direitos básicos dentro da saúde. Eu sou pai, eu gerei, eu pari, eu amamentei e negar isso não vai apagar a minha história.", cita ainda.
Mafê ainda complementa a fala do amigo apontando o quanto as crianças de Cleyton são felizes e bem cuidadas, mas têm esperança que as falas descabidas, como a de Salineiro, ainda escondam uma "boa intenção".
"O que é muito difícil de acreditar, vindo de um vereador que ataca a comunidade LGBT repetidas vezes, sempre que tem oportunidade, entre diversas outras colocações extremamente agressivas e pouquíssima preocupação com as demandas dos trabalhadores e reais problemas da saúde pública da cidade, como, por exemplo, a falta de medicamento", completa.
Ela ainda estende a fala à Salineiro, confirmando que essas pautas dão engajamento ao vereador do Partido Liberal, dizendo que, com o "pânico moral" causado nas pessoas, essas atitudes elevam o parlamentar ao posto de "grande salvador da pátria e defensor das crianças e dos bons costumes" pelos olhos da população.
Outra influenciadora que fez questão de se posicionar foi Emy "Afro Queer" Santos, que é também professora e artista e usou suas redes para reforçar a perseguição por parte de André Salineiro a pessoas trans e travestis.
"... para esconder seu péssimo trabalho enquanto vereador na cidade de Campo Grande. Nós sabemos que os postos estão faltando remédio, médico, filas enormes de atendimento, os buracos na rua estão por todo lugar", reforça ela em sua fala sobre as prioridades de Salineiro enquanto parlamentar.
Emy reforça que, os demais concordando ou não, existem homens transmasculinos que gestam,sendo garantido por lei, no Sistema Único de Saúde (SUS), atendimento para essas pessoas que pagam impostos, assim como qualquer outro cidadão e cidadã brasileira.
"E esse vereador vem me perseguindo, querendo me impedir de dar aula, perseguindo os meus amigos, gerando discursos como esse, que desinforma a população e gera ódio contra pessoas como eu", cita ela, lembrando o episódio em que os parlamentares locais se uniram contra a professora no início do ano letivo de 2025.
Após ser atacada por João Henrique Catan, Rafael Tavares e André Salineiro, respectivamente deputado estadual e vereadores, todos pertencentes ao Partido Liberal, Emy chegou a pedir afastamento da escola onde dava aula, na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande.
Ela ainda expõe seu relacionamento atual, com um homem transmasculino, citando a pretensão de ambos em também gerar uma criança para aumentar a família, desejo esse que Emy cita que não será apagado por qualquer possível fala transfóbica.
"Não são discursos como o desse cara que vai impedir da gente realizar o nosso sonho. Porque, diferente dele, eu acredito num amor, na possibilidade de ser feliz para além do que eles querem para nossa vida", conclui.


