O velho Mato Grosso amanheceu gelado em 17 de julho de 1975, 38 anos atrás. Geada, morte e prejuízos; é o frio que trouxe a neve (confira ao lado) foi a manchete de página do jornal Correio do Estado, cuja redação ainda funcionava na Rua 14 de Julho. Sob o impacto de 2 graus negativos, uma grossa camada de gelo cobria casas, parte de algumas ruas, lavouras e automóveis. Poças d'água congelavam numa espessura de dois a seis centímetros. O mais forte fenômeno na história agrícola do velho Estado de Mato Grosso pôs fim à cafeicultura nos estados de São Paulo e Paraná, eliminando também as lavouras em fase de crescimento na região sul-mato-grossense. Seria a primeira grande safra financiada pelo Banco do Brasil dentro do plano de revigoramento lançado pelo governo federal, em 1973. Estimavam-se na época queimas totais em 40 milhões de pés. Só Gabriel Abrão perderia cinco milhões de cruzeiros de seus investimentos nas lavouras.
Na cobertura da mais intensa onda de frio ocorrida em terras mato-grossenses, o editor-chefe do Correio, Antonio João Hugo Rodrigues telefonava para os correspondentes de Corumbá, Ponta Porã, Dourados e Bandeirantes, respectivamente, José Feliciano Baptista Neto, Byron Medeiros, José Santos Rocha e Paulo de Tarso Hugo Rodrigues. E deles recebia preciosos relatos. O gelo cobria o Parque das Primaveras e os seus arredores, perto do Lago do Amor. A geada também atingia o Jardim dos Estados, o Bairro Coronel Antonino, Rochedinho e Indubrasil (o ponto mais elevado do município). Percorrendo a cidade e fotografando estavam Antonio João, Fausto Brites, Hordonês Echeverria e Jorge Sayegh.
A terceira vítima do frio entristecia a Redação: era o mendigo Martins Rodrigues de Oliveira, 61 anos, natural de Amambai, encontrado morto próximo ao albergue noturno, na Rua Visconde de Taunay. Do Pantanal, a informação da morte de pelo menos 20 mil cabeças de gado não traduzia todas as conseqüências do clima. Afinal, somente na última cheia havia morrido cerca de trezentas mil reses. A geada castigava toda a região. Ponta Porã, com quatro graus negativos, era outro retrato nu e cru do fenômeno que degolou as lavouras de trigo naquele dia e nos dias seguintes.
Dourados treme. De frio e de medo, informava o Correio. Além da pecuária, perdas agrícolas também foram sentidas naquele município. Em toda a região da Grande Dourados (Itaporã, Glória de Dourados, Fátima do Sul e Rio Brilhante) as perdas assustavam. Técnicos agrícolas não ousavam avaliar corretamente os danos causados. O gado morria nos currais. Acostumados com o frio em seus estados, gaúchos e catarinenses assustavam-se. O fazendeiro Nelson Alves Ferreira, do distrito de Vila Cruz, resumia a situação: “O gado está morrendo igual à mosca envenenada”.
O granizo obrigava os peões a se desdobrarem para transportar o gado a lugares seguros. Estrada adentro, impotentes, os vaqueiros viram o gado morrer ali mesmo perto de Vila Cruz e em seguida serem carneados por indígenas, que levavam as partes traseiras e abandonavam o restante à beira do caminho. A cafeicultura nascente na região sul-mato-grossense sofria o maior golpe em toda a sua existência: tudo fora queimado, “um desastre total”, revelava nossa reportagem. Os cafezais ficavam com aparência de um chocolate escuro. O produtor Gabriel Abrão informava que a estimativa de safra de 30 mil sacas reduzia-se a zero. O Professor Barbosa Rodrigues perderia 60 mil pés. Abatido diante dos dois graus negativos que também atingiram as lavouras de Camapuã, Abrão declarava: “Tudo está liquidado, não restou nada”.