Dependência química e solidão são algumas das marcas na vida de Viviane da Silva Dias e Andreza Vasques. Mães de família, a história de ambas se entrelaça às margens da Avenida Ernesto Geisel, onde vivem de coleta de recicláveis e se declaram invisíveis aos olhos das assistência pública de saúde do município, que, segundo a prefeitura, possui ao menos 1.118 pessoas com algum grau de dependência psicoativa entre aqueles que vivem nas ruas.
Com 37 anos e viciada em pasta base de cocaína desde os 16, Viviane Dias reside há três semanas em uma barraca improvisada junto do amigo “Baixinho”, também usuário de drogas. Por lá, se encarrega de tomar conta da casa enquanto o amigo sai para coletar recicláveis, latinha e papelão, que rendem R$ 70 por dia para a dupla, dinheiro utilizado para sustentar o vício.
“Fico de dia em casa e meu trabalho é separar o que ele coleta. Infelizmente somos lixo da sociedade, além disso, o vício consome grande parte do dinheiro que nós arrecadamos com a coleta, às vezes, sequer consigo dormir, fico virada usando (droga) e volto a trabalhar no dia seguinte”, declarou.
Apesar da recente chegada, declarou que já se planeja para deixar o amigo, visto que segundo ela, há chance de represálias por parte da fiscalização local. “A falta de atenção já começa daí, por a gente ser dependente químico. Já estou me preparando para sair daqui, porque eu sei que daqui uns dias vão chegar, atropelar, levar tudo. Há falta de atenção mas que está uma falta de atenção do governo, da prefeitura”, disse.
Viviane toma conta do barraco enquanto amigo coleta recicláveis / Foto: Gerson Oliveira Escolha de vida ou destino, diz que esta é a primeira vez que se viu morando na rua. Entre diversas internações clínicas e furtos - ainda quando adolescente - declara a reportagem que não fosse os alertas da mãe, que reside em Campo Grande, não estaria viva hoje em dia. “Eu sei que se não fosse minha mãe, eu jamais estaria viva hoje em dia. Já fiz muita coisa errada, hoje espero uma oportunidade de me reerguer, decidi seguir por esse caminho justamente para não incomodar minha família”, falou Viviane, que possui dois filhos na ala de amparo social da Maternidade Cândido Mariano.
Além do vício, destaca que não deixa sua vaidade de lado por conta da droga. “Eu sou crônica na droga, né? Mas eu não deixo de comprar meu batom, ter minha roupa, pra ter um par de sapato. Acredito que, no geral, eles (prefeitura) poderiam estar passando aqui. Olham só onde o tapete tá bonitinho e não para onde a sujeira foi jogada.”, disse Viviane, que fez elogios ao Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (POP) do município, voltado justamente para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade social. “Só reclama quem vai lá para bagunçar”, pontuou Viviane, que aproveitou a ocasião para pedir maior amparo itinerário por parte da administração municipal.
“Não sei o que vou fazer”
Grávida de nove meses de seu quinto filho, Andreza Vasques da Silva, de 30 anos, também decidiu sair de casa por conta do vício. Há cinco anos, vive às margens do córrego. Assim como Viviane, vive de coleta de recicláveis, serviço dificultado pela gravidez, visível à distância.
Questionada sobre o auxílio da prefeitura, declarou que a última vez que a administração compareceu ao local, devastou todos os documentos dos moradores. “Eles chegam aqui, jogam todas as coisas nossas fora, levam tudo, a última vez que vieram levaram até meus documentos, isso foi ano passado”, disse Andreza, que deixou os filhos junto de sua mãe, que vive nos Los Angeles.
Com pai da criança preso, Andreza aguarda seu quinto filho Foto / Gerson Oliveira
Dependente química desde os 10 anos, deixou a casa da família para não dar trabalho aos pais. “Saí para não ficar incomodando a família, né? A família já sofre de viajar nessa situação ainda, ficar dentro de casa dando trabalho, então eu decidi sair”, disse.
Assim como Viviane, não fez reclamações sobre a assistência ofertada pela administração, contudo, declarou que a ajuda poderia ser itinerante, em alguns momentos. “Não sei o que vou fazer, estou com medo sobre a gravidez, vou falar com minha mãe e tentar resolver isso”, declarou Andreza, que espera um menino.
Administração
Ao Correio do Estado, a prefeitura disse que a Rede Municipal de Assistência Social segue com os atendimentos de rotina, além do Inverno Acolhedor. Apenas entre janeiro e maio deste ano, mais de 4 mil cobertores foram entregues a pessoas em situação de rua e famílias vulneráveis, por meio dos Cras, Centros de Convivência e do próprio Seas.
Neste sentido, o Centro POP funciona como um ponto de apoio para as pessoas em situação de rua e não como unidade de acolhimento, e oferece serviços básicos como higienização pessoal, três refeições diárias e atendimento psicossocial.
A equipe técnica, a equipe de Educadores Sociais, Coordenação e todos os servidores que atuam nesse espaço trabalham contra a estigmatização dessa população, ofertando segurança na acolhida e constantes sensibilização quanto aos tratamentos específicos em casos de uso abusivo de substâncias psicoativas, envolvendo projetos ofertados pelo CAPS, Consultório Na Rua, Comunidades Terapêuticas, entre outros. Conforme a prefeitura, o Centro POP realizou 5.586 atendimentos técnicos e 923 encaminhamentos entre janeiro e o dia 19 de maio deste ano.


