Apresentado à opinião pública durante o sequestro de um Boeing 737-200 da extinta Vasp, em 2000, o megatraficante Gerson Palermo voltou ao noticiário nesta segunda-feira (27), cinco anos depois de sua fuga digna de roteiro de cinema, por meio de outro sequestro: o da filha dele, cujas circunstâncias ainda merecem esclarecimento, mas que certamente têm algum grau de envolvimento do pai — seja dando amparo à vítima, seja como autor.
O sequestro da jovem, de 25 anos de idade, ainda não foi totalmente esclarecido pela Delegacia Especializada de Repressão a Assaltos a Banco e Sequestros (Garras), de Campo Grande, mas serviu para tornar públicas algumas informações — como, por exemplo, o fato de Gerson Palermo, foragido desde abril de 2020, estar escondido na Bolívia, país que tem se tornado destino de megatraficantes brasileiros.
Palermo deixou o Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande, onde cumpria pena superior a 126 anos de prisão, pela porta da frente. Foi beneficiado, em plena pandemia de Covid-19, por um habeas corpus concedido pelo desembargador aposentado Divoncir Schreiner Maran. A suspeita da Polícia Federal é de que Divoncir tenha vendido a decisão judicial que pôs o megatraficante nas ruas.
Desde aquele dia — e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) ainda lida com as consequências históricas da decisão de seu magistrado —, Gerson Palermo nunca mais foi visto na opinião pública. Simplesmente desapareceu e entrou para a lista de foragidos.
Reapareceu neste domingo, 26 de outubro, quando o Garras começou a esclarecer o sequestro da filha dele. As circunstâncias ainda são investigadas, mas a moça teria sido levada quando receberia um dinheiro enviado por seu pai. Ela também teria consigo dinheiro do megatraficante. Os valores não foram oficialmente divulgados pela Polícia Civil, mas a cifra é milionária, pelo menos em reais.
“A vítima apresentou sua versão, de que teria sido sequestrada por uma questão de dívida, de dinheiro, de um foragido da Justiça, o senhor Gerson Palermo. Se o senhor Gerson e a esposa dele têm envolvimento ou não, tudo isso ainda será levantado. O sequestro ocorreu de sexta para sábado, e hoje (segunda-feira, 27) tivemos a confirmação de que o sujeito de 34 anos que foi preso em flagrante passou por audiência de custódia e teve o flagrante convertido em prisão preventiva”, disse o delegado do Garras, Roberto Guimarães, em entrevista coletiva.
“Quem são os demais envolvidos e qual a dimensão de tudo isso? Hoje a gente não tem como provar muitas coisas, e tudo está sendo apurado”, afirmou o delegado.
O delegado indicou na entrevista que as circunstâncias do sequestro são essenciais para entender o envolvimento de Palermo e até mesmo seu paradeiro, depois de sua fuga pela porta da frente, após uma suposta compra de sentença de um desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
A hipótese, que consta inclusive na versão da vítima — a filha do megatraficante —, é de que o pai teria sequestrado a própria filha para reaver o dinheiro que enviou a ela. Mas há outras, como a de que criminosos de Campo Grande, responsáveis por repassar o dinheiro à jovem, tenham roubado ela e o pai.
Uma convicção entre os investigadores é de que a jovem só não sofreu mais nos dois dias de cativeiro a que foi submetida porque o pai dela, de certa forma, impediu que fosse vítima de violência ainda maior — seja por autocontenção, seja pelo temor que os bandidos sediados em Campo Grande viriam a ter dele.
Roubo do avião
Em 16 de agosto de 2000, Gerson Palermo sequestrou um avião da extinta Vasp, um Boeing 737, que fazia o voo entre Foz do Iguaçu (PR) e São Luís (MA).
O voo 280, com 61 passageiros e seis tripulantes, foi desviado por oito homens armados para uma pista de pouso em Porecatu, no interior do Paraná, a cerca de 70 km de Londrina (PR).
Os sequestradores levaram R$ 5 milhões que estavam no compartimento de cargas do avião.
Depois de abandonada pelos ladrões, a aeronave, que faria ainda paradas em Curitiba, Rio, Brasília e São Luís (MA), acabou pousando em Londrina.
Palermo entrou para o tráfico no fim dos anos 1980. Sua profissão, piloto, ajudou bastante nisso. Em 1991, foi a primeira vez em que ele foi preso.
De lá para cá, Palermo esteve envolvido em várias investigações de tráfico internacional e também teve seu nome atrelado à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Foi preso em Campo Grande pela Polícia Federal, na década passada, mas foi solto por Divoncir Schreiner Maran, em 20 de abril de 2020. O habeas corpus para que cumprisse prisão domiciliar em meio à pandemia foi suspenso no dia útil seguinte, mas já era tarde demais. Palermo estava longe.
Agora, tudo indica, segundo relato da filha sequestrada, que está na Bolívia.


