Após nove sessões no plenário da Câmara Municipal de Campo Grande, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o transporte coletivo, que teve início no dia 28 de abril, está se aproximando de uma nova fase, em que os vereadores que compõe a comissão devem ouvir e indagar os gestores do Consórcio Guaicurus, atuais e passados, sobre a precarização do serviço ao longo do período de contrato.
Em entrevista ao Correio do Estado, o presidente da CPI do Ônibus, vereador Lívio Viana de Oliveira Leite (União Brasil), o Dr. Lívio, falou sobre a complexidade dos trabalhos e as possíveis propostas de mudanças que a CPI poderá encaminhar referentes ao contrato de concessão, à fiscalização e ao funcionamento do transporte coletivo.
O vereador também abordou as expectativas para a próxima fase das oitivas, que deverá tirar dúvidas e revelar novas informações sobre o funcionamento do transporte público com o depoimento de representantes do Consórcio Guaicurus.
Como este processo de abrir uma CPI sobre o transporte coletivo começou na Câmara Municipal, quais foram as discussões e assuntos tratados para instaurá-la e como ocorreu a escolha dos vereadores que a comporiam?
Começou com o apelo da população de Campo Grande, com a reclamação constante sobre o consórcio dos ônibus de modo geral e a precariedade do serviço. Começou em janeiro: em uma discussão entre nós mesmos, no grupo dos vereadores, foi inicialmente proposto pelo vereador Coringa, com adesão dos outros vereadores, um quantitativo de 10 vereadores aproximadamente. Eu fui ler o requerimento do vereador Coringa e achava que precisávamos complementar com outras informações, para que a gente buscasse a parte de fiscalização da operação como um todo, ou seja, incluir também os órgãos reguladores e fiscalizadores.
Como eu era presidente da Comissão de Transporte [e Trânsito da Câmara Municipal] e um dos autores do requerimento, naturalmente, a minha presença já estaria garantida por questão partidária. O vereador Coringa também foi escolhido porque foi um dos que apresentou o requerimento. E, depois, a vereadora Ana Portela, pela bancada do PL, que é uma bancada maior, a Luiza, pelo PT, também por ter uma grande bancada. A única bancada que abriu mão realmente da vaga foi a do PSDB, para que o vereador Coringa pudesse entrar. Então, essa foi a composição.
Os membros da CPI precisam se debruçar sobre informações do contrato e do termo de ajustamento de gestão (TAG) para entender todo o funcionamento do transporte coletivo de Campo Grande. Qual o grau de complexidade desse trabalho?
A questão do transporte coletivo é bastante complexa. É um contrato que está em vigor desde 2012, e tem uma complexidade muito grande nessa concessão da prefeitura para o Consórcio Guaicurus.
Nós temos de realmente nos debruçar sobre elementos bastante novos, mas a gente tem uma assessoria, então, até o presente momento, nós não precisamos contratar nenhuma assessoria específica para isso, nós não gastamos com isso.
Só a nossa equipe de trabalho, com assessores de todos os gabinetes de vereadores, já foi suficiente para a gente levantar vários pontos, vários dados que vão contribuir para o relatório e, também, que subsidiaram as perguntas nas oitivas.
Na CPI, muito se fala que o contrato realizado em 2012 é ultrapassado e desatualizado e que tem falhas em diversos pontos de fiscalização. Qual é a sua opinião sobre a qualidade do contrato?
Eu não posso emitir uma opinião concreta porque isso está em andamento ainda. Mas o que eu posso dizer que eu estou lendo agora o estudo inicial que balizou o edital de licitação desse contrato em 2012 e que é importante a gente ressaltar que o contrato foi feito em uma realidade que hoje já não se apresenta em Campo Grande. Então, tinha ali uma estimativa de passageiros, de aumento de passageiros que aparentemente não se configurou.
Ao longo desse período, o contrato foi modificado por cinco termos aditivos, e a CPI está tentando exatamente avaliar o quanto essas alterações impactaram realmente a sustentabilidade do contrato.
Porque nós temos hoje uma questão judicializada sobre se esse contrato é sustentável ou se não é. O consórcio alega que é deficitário, a prefeitura alega que é superavitário, e eles estão discutindo isso na Justiça.O que a gente entende desse contrato, pelo fato de ele ter sido feito em 2012, é que a realidade de Campo Grande hoje é outra. E ele não deu certo, aparentemente, porque, de 2012 para cá, o serviço veio sendo precarizado, e a CPI tem de saber qual é a causa disso, o que ocasionou tudo isso, essa precarização do serviço.
Em sua análise, com base nas oitivas da CPI, o senhor acredita que o contrato deve ser finalizado para abrir outro edital para uma nova empresa tocar o transporte da cidade?
A gente tem de separar a questão legal e a nossa opinião a respeito do que seria o adequado. Porque, por exemplo, existe um contrato que está vigente, então, esse contrato está em execução. A gente não sabe se é possível fazer alterações significativas para mudar de tal forma a modelagem para funcionar agora ou se tem de ser rescindido pelas duas partes, prefeitura e consórcio. A partir daí, vamos pensar em um novo modelo.
Talvez seja essa a solução encontrada, mas isso depende muito mais de o poder público, a prefeitura e o consórcio realmente chegarem a essa conclusão.
Nós estamos chegando à conclusão de que o contrato realmente precisa ser modificado de alguma forma. Então, será que não é o caso de a gente realmente pensar em um plano de mobilidade urbana efetivo de longo prazo? Será que não é o caso de a gente pensar na criação de um fundo municipal de transporte, para que esse fundo possa subsidiar o transporte coletivo da cidade, assim como a gente tem um Fundo Municipal de Saúde, por exemplo, financiando a Saúde?
São soluções como essas que estão no nosso escopo de trabalho e de discussão que a gente tem como sugerir no nosso relatório.
Sobre a questão financeira da empresa, que não apresentou fluxo de caixa e alega estar em crise, a CPI entende que, com as informações colhidas até agora, o consórcio lucra ou não?
A CPI ainda não tem essa análise, até porque essa análise pericial contábil não vamos ser nós que vamos fazer. Mesmo que a gente faça, seria um desperdício de tempo e recurso público, porque isso está judicializado.
A gente tem duas perícias já executadas, nesse sentido, perícias que estão dando sinais contraditórios – uma fala de lucro e a outra fala de prejuízo absurdo. A gente tem de esperar o desenrolar desses fatores, porque o que o juiz disser que existe de resultado é o que existe.
Com o fluxo de caixa, que nós pedimos e recebemos do consórcio, a gente pode fazer uma análise superficial disso. A partir do fluxo de caixa, a gente pode conseguir fazer uma análise da TIR, que é a taxa interna de retorno, valor presente líquido, a gente pode fazer isso porque isso é um cálculo relativamente simples. Mas nós não vamos entrar nessa seara porque isso está judicializado, e tudo que nós falarmos não vai ter influência nessa esfera judicial.
O que a CPI escuta nas oitivas é que houve um decréscimo muito acentuado de passageiros. Eram 6 milhões de passageiros e, hoje, são 3,2 milhões de passageiros. Houve o efeito pandemia também, então, quer dizer, nós temos eventos significativos, ditos pelas próprias agências, a esse respeito. Aparentemente, não se configurou o cenário realista em que o contrato seria executado.
Me parece que nem o cenário pessimista se configurou, ou seja, o cenário que nós temos hoje é pior do que o cenário pessimista, de queda de passageiros e tudo mais.
Com relação às diversas denúncias que a CPI recebeu pela ouvidoria que foi aberta, como elas têm contribuído para os vereadores elaborarem as perguntas e se guiarem com relação a tudo que envolve o transporte coletivo?
O canal foi muito importante. Logo na criação, mostrou-se o grande apelo que a população realmente tinha por essa CPI, por esse canal de denúncia, pela necessidade da melhoria do transporte. A gente recebeu denúncias graves, a gente recebeu denúncias, por exemplo, de funcionário da Agereg [Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos], que não se identificou. Recebemos, inclusive, outros fatos, como o caso de funcionária pública nomeada na agência que é casada com um sócio, com poder decisório, do consórcio.
Então, são coisas que a gente está tratando não publicamente, porque a gente precisa apurar isso de maneira mais sigilosa, mas foi um canal importantíssimo de denúncia.
Quando a gente cataloga as queixas maiores, a gente vê que a superlotação é uma queixa importante, a frota deficiente, o descuido com os cadeirantes, com as pessoas com deficiência.
A gente vê a falta de fiscalização do poder público também, tanto nos terminais quanto nas linhas avulsas.
O que o senhor espera da próxima fase da CPI, que deve começar a ouvir os gestores do Consórcio Guaicurus?
Nesta fase, a gente vai ver o outro lado da história, vai confrontar e saber se o consórcio está rodando realmente com um porcentual da frota fora do limite [de idade]. Nós vamos saber por que não tem seguro, já que está no contrato.
Queremos saber por que, se está tão ruim a operação, se é deficitária, eles continuam aqui no recinto desse contrato, por que estão pagando para trabalhar. São essas perguntas que, naturalmente, a CPI vai fazer para os dirigentes do consórcio. Vamos falar com o dirigente atual e também vamos ver os dirigentes anteriores.
A CPI deve propor, no fim dos trabalhos, mudanças na estrutura de fiscalização e funcionamento do transporte coletivo para não “acabar em pizza”?
A gente recebeu muita credibilidade da população a partir do momento que a gente iniciou o nosso trabalho.
A gente está tentando se pautar muito tecnicamente, com ponderação, respeito e imparcialidade. É o jeito que a gente está tentando realmente conduzir.
Por isso que ela está sendo muito elogiada, a população adquiriu a confiança de que a CPI pode realmente dar resultado. E nós vamos entregar esse resultado.
O senhor acredita que o relatório final da CPI vai conseguir trazer revelações e esclarecimentos para os usuários do transporte coletivo?
Até este momento, nessa primeira fase de documentação que nós recebemos, de oitivas que nós estamos fazendo, já existem muitos apontamentos que vão contribuir com o relatório final.
Muitas deficiências foram expostas já nessa primeira fase, e a gente espera, ao longo das próximas fases, coletar muitas outras informações. Então, não tenha dúvida de que hoje a gente já está bastante convicto do avanço que podemos promover no transporte público de Campo Grande.
Perfil - Lívio Viana de Oliveira Leite
Dr. Lívio, como é conhecido, nasceu em Fortaleza (CE), no dia 8 de setembro de 1974, e mora em Campo Grande desde criança. É casado e tem três filhos. Formado em Medicina pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Lívio é oftalmologista, com especialização em cirurgia orbitária.
Como servidor público, foi secretário-adjunto de Estado de Saúde (2015) e esteve à frente do Hospital Regional Rosa Pedrossian como diretor, de junho de 2021 a dezembro de 2022, durante a pandemia de Covid-19.


