Entrevistar um nordestino é como falar com alguém que se conhece há muito tempo. Eles são descontraídos, dizem o que vêm à cabeça, e logo no primeiro encontro, te chamam para uma visita para assim prosear um pouco mais. O sotaque ajuda na construção dessa imagem de "gente boa" do nordestino. O ritmo da fala é simpático e bem-humorado, bastante convidativo para estender o bate-papo, visse!
Em Campo Grande, eles não são muitos, mas fazem a diferença – os últimos dados do IBGE, do ano 2.000, que mostra a população dividida por regiões, aponta número aproximado de 30 mil pessoas vindas dessa região do país para a cidade. Alguns deles chegaram a criar um Centro de Tradições Nordestinas (CTN), a exemplo do que acontece com os gaúchos que mantém um ativo CTG, mas o modelo acabou não dando certo para reunir o grupo de migrantes do Nordeste que fixaram residência na Capital. Alternativas foram criadas para ser ponto de encontro, entre elas, a Casa do Forró que funcionou por muito tempo nos altos da Avenida Coronel Antonino, mas fechou as portas há pouco mais de seis meses.
Outra forma de reunião dessa turma teve bastante quórum, mesmo que inusitado: o Clube dos Cornos. Criado no Nordeste para ser ponto de encontro de pessoas com problemas de infidelidade do parceiro, acabou assumindo formato irreverente e tornou-se local de descontração e desmistificação da violência. Em Campo Grande, ele foi fundado por baianos e chegou a receber entre 2005 e 2009 – período em que funcionou – 500 filiados, que tinham inclusive carteirinha de associado.
Mas, hoje, com a extinção desses pontos de encontro, o local mais seguro para encontrar uma comida nordestina – mas, sobretudo, pessoas daquela região, é a Tapiocaria Pernambuco. Apresentações culturais, principalmente com músicos que tocam forró, ainda são atrações do local.
Jeito de cidade grande, mas com ar interiorano
Convidado para trabalhar em uma concessionária de motocicletas na Capital, o pernambucano Romero Bastos, 46, não pensou duas vezes. Trocou Recife (PE) por Campo Grande num piscar de olhos. "Mesmo com esse jeito de cidade grande, ainda temos por aqui aquele ar interiorano", compara o pernambucano radicado na capital sul-mato-grossense há 8 anos
No entanto, o responsável por trazer Romero para a cidade faleceu em um encontro de motocicletas dois anos depois de ele ter se estabelecido por aqui. Além da perda do amigo, Romero ainda ficou sem emprego. "A concessionária foi vendida para um grupo em São Paulo. Trocaram todo mundo, da copeira ao gerente", lembra-se.
Desempregado, Romero teve de vender o carro para sobreviver por alguns meses na cidade. Casado e com três filhos, o pernambucano procurou, procurou, mas não encontrou modo de subsistência. Foi no momento de crise que apareceu a ideia. "Minha mulher e eu decidimos montar uma tapiocaria porque não há muitos lugares especializados nisso por aqui", relatou.
Nenhum dos dois havia trabalhado como cozinheiro profissional antes do negócio. Mesmo assim, a tapiocaria foi montada pelo casal há seis anos, e hoje é um sucesso entre os nordestinos radicados na cidade e pessoas que gostam da culinária típica e ainda representações artísticas da região. "Organizamos com frequência noites regadas à forro com a banda Caburé Suado, que é um trio de músicos nordestinos", descreve.
Tapioca com dezenas de recheios, buchada de bode, sarapatel e caranguejada são pratos típicos oferecidos pela tapiocaria. "Ainda temos uma cachaça vinda diretamente do Nordeste para acompanhar", lembra Romero. A Tapiocaria Pernambuco está localizada na Rua José Paes de Farias, 77, Vila Jacy. Horário de funcionamento: das 18h às 23h, de terça-feira à sábado.


