O conselheiro Márcio Monteiro pontuou que existem denúncias de que o certame seria uma espécie de "jogo de cartas marcadas"
Atendendo a um pedido de Jamil Name Filho, que está desde 2021 no presídio federal de Mossoró (RN) e da empresa douradense Criativa Technology, o conselheiro Márcio Monteiro, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), suspendeu o pregão que pretende terceirizar por até 30 anos a exploração de loterias em Mato Grosso do Sul.
Em seu despacho, o ex-secretário estadual de fazenda Márcio Monteiro diz a proposta divulgada pelo atual secretário, Flávio Cesar, foi alvo de reclamação porque “os denunciantes alegam que o edital de licitação impugnado contém indícios de direcionamento do certame, em virtude de condições incomuns e injustificadas”.
Além disso, esclarece o conselheiro, os autores do pedido de impugnação entendem que “diversos itens do termo de referência que comprometam a competitividade e/ou viabilidade econômica da licitação tanto para os concorrentes quanto para o próprio Estado de Mato Grosso do Sul”.
Por conta disso, diz o relatório, "com fundamento no poder de recomendação e em atenção ao princípio da prevenção, DETERMINO ao jurisdicionado a postergação de quaisquer atos administrativos decorrentes do certame, até a manifestação desta Corte de Contas sobre a legalidade do procedimento licitatório, evitando, assim, prejuízos ao interesse público".
Um dos autores do pedido de impugnação, Jamil Name Filho, mais conhecido como Jamilzinho, está preso por supostamente comandar um grupo de extermínio em Mato Grosso do Sul e historicamente a família foi responsável pela exploração do jogo do bicho em Campo Grande.
Além de condenações por extorsão e formação de quadrilha, ele acumula duas condenações por assassinatos ocorridos em Campo Grande. Somadas, as penas chegam a quase 70 anos de prisão. Mesmo assim, acompanha de perto a disputa pelo direito de comandar o mercados das apostas no Estado.
PREGÃO
O pregão chegou a ser aberto no último dia 17, mas menos de três minutos depois foi suspenso para atende a um pedido de “esclarecimento apresentado pelo Sr. Rafael Willian de Melo, recebido em 15 de março de 2025”
Três concorrentes tiveram as propostas aceitas, mas a suspensão ocorreu por conta da “necessidade de assegurar a transparência do processo licitatório, bem como evitar futuros questionamentos sobre eventuais restrições indevidas à ampla concorrência”, escreveu a pessoa responsável pelo pregão.
Das três propostas aceitas, uma se dispôs a devolver 16,17% do faturamento ao governo estadual, que é o valor mínimo exigido no edital. As outras duas ofereceram devolução maior, de 17,2% e de 21,57% daquilo que faturarem.
NEGÓCIO BILIONÁRIO
Conforme estimativas, a empresa que vencer a licitação para comandar a Loteria Estadual de Mato Grosso do Sul (Lotesul) poderá ter um faturamento anual de até R$ 1,4 bilhão, segundo estimativa macro feito pelo próprio Governo do Estado.
Apesar de no edital de licitação constar que a “estimativa da receita média anual de remuneração da plataforma é de R$ 51.474.339,31”, no termo de referência feito pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), organizadora do certame, o valor que a ferramenta pode chegar é muito maior.
“O faturamento anual com a exploração das modalidades lotéricas pode alcançar até 0,85% do PIB [Produto Interno Bruto] estadual. Contudo, tal patamar depende de fatores que vão desde a assertividade do produto até o apetite do mercado consumidor ao longo do tempo”, diz trecho do documento.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB de Mato Grosso do Sul em 2022 foi de R$ 166,8 bilhões. A fatia de 0,85%, portanto, significa uma receita de R$ 1,417 bilhão.
Neste ano, a estimativa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) é ainda mais animadora: de que o PIB chegue a R$ 227,8 bilhões. Se isso ocorrer, o ganho chegará perto dos R$ 2 bilhões ao ano.
IMPUGNAÇÃO
O edital de licitação recebeu dois pedidos de impugnação na semana passada, um sendo do empresário Jamil Name Filho, o Jamilzinho, que está preso na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), e outro da empresa Criativa Technology, de Dourados.
Os dois pedidos, no entanto, foram rejeitados pela Sefaz. Segundo a Pasta, entre as alegações para negar a impugnação de Jamilzinho, estava o fato de que ele não fazia parte desse certame, portanto, não seria afetado pelo edital.
No caso da empresa de Dourados, a Sefaz afirmou que as defesas feitas não teriam fundamento, uma vez que o texto estava “alinhado às diretrizes normativas federais”, negando que houvesse direcionamento na disputa.
Segundo a Criativa Technology em seu pedido, o edital estaria favorecendo uma empresa, e isso caracterizaria falta de competitividade no certame. No entanto, a Sefaz negou que houvesse direcionamento da licitação, em sua resposta.
“A alegação de que essa exigência limitaria a concorrência a empresas que já operam nos estados do Rio de Janeiro e do Paraná também não se sustenta, pois a União já autorizou a operação de 79 empresas, as quais estão aptas a atuar no mercado de apostas. O número de empresas autorizadas ainda pode crescer, demonstrando que a exigência de homologação no Bacen [Banco Central do Brasil] não restringe a concorrência, mas sim estabelece um critério essencial para a segurança do setor”, alega o Estado.
E, por ter tido os pedidos negados, ambos recorreram ao TCE, que agora mandou suspender o pregão.
FAVORITA
Uma das empresas que estaria interessada em comandar a Loteria do Estado de Mato Grosso do Sul (Lotesul), a Pay Brokers – a qual tem sede em Curitiba (PR) e já é responsável pela loteria daquele estado – tem entre as empresas parceiras a Blaze, que chegou a ser investigada por estelionato. A plataforma tem entre os seus jogos o Fortune Tiger (o “jogo do tigrinho”), que levou influenciadores digitais para a prisão em 2023, e o Crash – ambos no estilo de um cassino.
Segundo fontes do Correio do Estado, a empresa do Paraná seria a “favorita” a vencer a disputa e os supostos direcionamento que levaram à suspensão do TCE seriam para favorecê-la. Entre as três propostas aceitas, uma seria dela.
(Colaboraram Eduardo Miranda e Daiany Albuquerque)