Ouvido ontem pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal sobre o contrato do transporte público da Capital, o ex-diretor-presidente da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos de Campo Grande (Agereg) Vinícius Leite Campos afirmou que, atualmente, a taxa de retorno
do contrato para o transporte coletivo – projetada em 12% em 2012 – deve estar negativa.
A taxa interna de retorno (TIR) é uma métrica utilizada para estimar a rentabilidade de um investimento ou projeto – no caso, do contrato assinado entre a Prefeitura de Campo Grande e o Consórcio Guaicurus em 2012, e esse porcentual deveria ser de 12% ao ano de ganhos. No entanto, Campos avalia que, atualmente, os ganhos estejam negativos.
“Todo contrato de concessão tem a TIR, e nesse contrato [entre a prefeitura e o consórcio] é de 12%. Ou seja, você vai investir no contrato e vai ter uma garantia mínima de 12% [de rentabilidade]. Caso essa TIR não seja atingida por causas que não tenham sido de sua competência ou por causas alheias ao negócio, há o direito a um reequilíbrio [de contrato] e uma indenização. E essa TIR hoje, se bobear, está negativa”, afirmou o ex-diretor da Agereg.
Para Campos, o fator mais preponderante para que essa rentabilidade hoje não esteja funcionamento é que, segundo ele, o transporte coletivo não mais deve ser embasado na tarifa de ônibus como única forma de pagamento pelo serviço.
“Esse modelo de a tarifa alimentar todo o sistema está ultrapassado. Isso [o modelo] na América do Norte – nos EUA e no Canadá – ou na Europa não existe mais, lá no máximo 50% a tarifa cobre e o restante é subsídio do governo. O sistema não é autossuficiente em qualquer lugar do mundo”, alegou Campos aos vereadores.
“É um contrato que eu acho que ainda vai trazer muito prejuízo para o município, porque tem muitos argumentos aqui para o Consórcio Guaicurus questionar essa falta de rentabilidade dele, principalmente a TIR. Quando você vende um contrato de concessão, você vende com a TIR, e o investidor está esperando aquele retorno. Se aquele retorno não vem, por causas que não foram dadas por ele e também por causas que não são riscos da operação, ele tem direito à indenização”, complementou.
A falta de equilíbrio do contrato de concessão é um problema antigo entre a concessionária e a prefeitura. Desde 2019, a empresa busca na justiça o reequilíbrio de contrato, que foi intensificado após a pandemia de Covid-19, alega o Consórcio Guaicurus.
O ex-diretor da agência declarou ainda que, nos moldes atuais da concessão, acredita que ela não cumpra os 20 anos para os quais foi contratada.
“Se não houver um subsídio, uma ajuda, eu acredito que esse contrato não vá nem sequer até o fim. Se for abrir uma licitação [nesses moldes], não aparece interessado”, avaliou.
“Eu acho que seria interessante pensar como vai ser o próximo contrato de concessão de Campo Grande, [pois] esse contrato não tem como reajustá-lo, realinhá-lo, reequilibrá-lo. Eu acredito que a saída seria chegar a um termo de uma nova licitação com uma remuneração diferente”, explica Campos.
O ex-diretor ficou na Agereg de 2017 até o início de 2021, quando deu lugar a Odilon de Oliveira Júnior.
FUNDO
Para Campos, uma alternativa para que o contrato do transporte coletivo fosse rentável e de qualidade seria a criação de um fundo financeiro – tanto por parte da Prefeitura de Campo Grande quanto do governo do Estado – que ajude a baratear e a melhorar o transporte coletivo da Capital.
“Hoje, o que se fala é do passe livre, e São Paulo [SP] está partindo para a implantação do passe livre, só que lá é uma cidade muito rica, ela gasta por ano R$ 8 bilhões com as empresas. A tarifa no mundo inteiro cobre cerca de 50% a 60% no máximo, e os outros 40% são de subsídios. Então, a minha proposta, o que eu entendo que seja o caminho, é a criação de um fundo do transporte coletivo no qual parte do IPVA [Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores] seja revertido para ele [fundo], para que seja subsidiado o transporte”, declarou.
Além disso, Campos também sustentou que outra medida que ajudaria a baratear os custos seria zerar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), atualmente em 50%.
De acordo com ele, 29% de todos os usuários do transporte público são isentos de taxa, o que por parte do consórcio causa um desequilíbrio financeiro, refletindo nos ajustes tarifários anuais. “Espero que essa CPI ajude a ter um contrato futuro correto, que atenda à população, com índices fáceis de calcular”, afirmou.
PERÍCIA
Reportagem do Correio do Estado mostrou que um laudo técnico finalizado na sexta-feira para ser entregue à Justiça concluiu que o Consórcio Guaicurus tem direito a uma indenização de R$ 377 milhões.
Esse valor, que teria de ser garantido pela prefeitura, ainda não contabiliza os juros e a correção monetária relativa a outubro de 2012 (quando foi assinado o contrato de concessão) e a dezembro do ano passado.
De acordo com esse laudo, feito pelo Instituto Brasileiro de Estudos Científicos (Ibec), a tarifa do transporte coletivo deveria ter sofrido um reajuste de 142% no período de 11 anos analisado pelos peritos. Em vez disso, porém, os aumentos acumulados somam apenas 66,67%.
Quando da assinatura do contrato, a passagem custava a R$ 2,85 e agora sai a R$ 4,75. Contudo, de acordo com a perícia, esse valor deveria estar em R$ 6,90 no fim de 2024.
Saiba
Na CPI, o vereador Maicon Nogueira relatou que, na madrugada de ontem, realizou a primeira inspeção em garagens do Consórcio Guaicurus e que, segundo ele, havia carros com licenciamento atrasado há dois anos.




