Apesar de a espécie possuir uma cauda que possibilita sua movimentação em árvores, a pesquisa indicou que o tamanduá-mirim pode estar se adaptando a condições extremas da região
As tocas de tatu-canastra, o gigante conhecido como engenheiro da floresta, costumam abrigar outros animais. Um estudo inédito revelou que o tamanduá-mirim, que geralmente fica em galhos de árvores, tem preferido esse abrigo.
A pesquisa foi conduzida com a colaboração de pesquisadores do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS) e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
O ICAS, que realiza a observação do tatu-canastra por meio de câmeras, rastreamento com GPS e, inclusive, capturou o maior espécime desde o início do trabalho há 14 anos, tem observado como as tocas auxiliam a fauna no Pantanal do Mato Grosso do Sul.
Engenheiro do ecossistema
As tocas do tatu-canastra podem atingir até 5 metros de comprimento e 1,5 metro de profundidade, com abertura de 40 a 50 centímetros de diâmetro.
Como o canastra pode ter várias tocas espalhadas por territórios de cerca de 2.500 hectares, conforme apontado pelas pesquisas do ICAS, em algum momento o abrigo fica vazio e acaba servindo de refúgio para outras espécies, como:
- onça-pintada;
- pequenos roedores;
- catetos;
- jaguatiricas;
- onças-pardas, entre outros.
Para se ter ideia da resiliência do canastra, um dos registros emocionantes foi o deslocamento da fêmea Stacey, que percorreu 1.500 metros com o filhote.
Abrigo
Cerca de 10 anos de monitoramento permitiram aos especialistas observar o comportamento da fauna. No caso dos tamanduás-mirins, eles foram flagrados explorando, descansando e dormindo nas tocas do tatu-canastra.
Em algumas situações, os animais permaneceram no abrigo por mais de 22 horas. Uma das explicações é que a toca subterrânea fornece estabilidade térmica.
“Essas tocas são refúgios valiosos, principalmente em um ambiente tão desafiador como o Pantanal, onde as temperaturas podem ser extremas e há grande variação sazonal”, explica o autor principal do estudo, Mateus Yan. Ele completa:
“Nosso estudo mostra que as tocas de tatu-canastra podem ser fundamentais para a sobrevivência dos tamanduás-mirins e de muitas outras espécies.”
Reprodução IcasAdaptação
Os tamanduás-mirins possuem uma cauda preênsil, isto é, capaz de se agarrar e segurar objetos, funcionando quase como um quinto membro.
Essa característica auxilia a espécie na movimentação entre os galhos das árvores, o que levou os pesquisadores a questionar:
Por que escolheriam dormir debaixo da terra?
A resposta pode estar na necessidade de adaptação ao ambiente. No Pantanal, onde os períodos de seca e calor podem ser extremos, qualquer estratégia para conservar energia e manter o conforto térmico pode ser essencial para a sobrevivência.
Segundo os registros obtidos, os tamanduás-mirins avaliam a toca da seguinte forma:
- inspecionam a entrada;
- exploram o interior;
Após verificarem a segurança, o comportamento mais observado foi o de longos períodos de sono, o que pode indicar uma estratégia para conservar energia e manter a temperatura corporal estável.
Outro ponto levantado pelos pesquisadores é a hipótese de que as tocas também servem como ponto de alimentação, já que os tamanduás-mirins se alimentam de formigas e cupins, que frequentemente habitam essas cavidades.
Os registros de vídeo mostraram os animais farejando e arranhando as entradas das tocas, sugerindo a possibilidade de que estivessem em busca de alimento.
Conservação dos tatus-canastra
O estudo inédito avaliou detalhadamente como uma espécie consegue se beneficiar das tocas do tatu-canastra.
Além disso, conforme destacou o presidente do ICAS e coautor do estudo, Arnaud Desbiez, pesquisas ao longo do tempo demonstraram que mais de 100 espécies de vertebrados e mais de 300 espécies de invertebrados já foram documentadas utilizando essas estruturas.
“O tatu-canastra é um verdadeiro engenheiro do ecossistema, criando abrigos que beneficiam uma ampla gama de espécies. A conservação dessa espécie é essencial não apenas para sua própria sobrevivência, mas também para a manutenção do equilíbrio ecológico do Pantanal”, destaca Desbiez.
Uma das preocupações dos pesquisadores é que a possível redução da população de tatu-canastra, devido à degradação do meio ambiente e à perda de áreas naturais, pode afetar negativamente a fauna que depende de suas tocas.
Por isso, os pesquisadores esperam que os resultados do estudo incentivem a proteção do tatu-canastra e de seu habitat.
Sobre a pesquisa
O estudo foi realizado no Pantanal, entre os municípios de Corumbá e Aquidauana (MS), com o apoio do Projeto Tatu-Canastra, do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), em parceria com a Fazenda Baía das Pedras.
Há mais de 10 anos, os pesquisadores utilizam armadilhas fotográficas para registrar e analisar o comportamento do tatu-canastra.
Esse monitoramento contínuo tem auxiliado na expansão do conhecimento sobre a espécie, sua ecologia e seu papel no equilíbrio do ecossistema.
A pesquisa contou com financiamento de diversas instituições, incluindo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e zoológicos que apoiam o Programa de Conservação do Tatu-Canastra.
Além de Mateus Yan e Arnaud Desbiez, o estudo conta com a participação dos pesquisadores Alessandra Bertassoni, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Goiás (UFG), e Gabriel Massocato, coordenador do Projeto Tatu-Canastra no Pantanal.
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