Quando o termo crime organizado é trazido à tona, o que se depreende é que as organizações criminosas se estruturam de maneira similar às atividades legais vistas na sociedade – só que no submundo. Investigação da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, com depoimentos de envolvidos, laudos periciais e informações da inteligência da corporação, mostra que os criminosos mantêm um rito próprio de “julgamento” para membros da quadrilha que traem os chefões.
O Correio do Estado explica como funciona na prática o que convencionou-se a chamar de “tribunal do crime” – o que de fato se apresenta como um estado paralelo – da maior organização criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), em que existe pena de morte.
No “julgamento” do PCC, por exemplo, a sessão leva outro nome – condução –, enquanto as “prisões preventivas”, feitas na base da coação, com revólver na mesa ou com a arma apontada para a cabeça do acusado, são chamadas de cantoneiras.
As cantoneiras geralmente são casas de integrantes da facção. Já a condução normalmente ocorre em mais de um lugar, e para que isso aconteça, o PCC têm um trunfo: as telecomunicações via internet.
É por meio de chamadas de videoconferência, em que chefões se encontram em outras casas, cidades ou estados ou até mesmo dentro de presídios, que o “julgamento” (a condução) é levado adiante.
E foi assim, dessa maneira, que dois integrantes da organização criminosa foram executados em 24 de julho do ano passado, em Campo Grande.
Tiago Brumatti Palermo, uma espécie de gerente do tráfico do PCC, apontado como o responsável por carregamentos de cocaína para o estado de São Paulo, e Marcelo dos Santos Vieira, o auxiliar de Palermo, foram executados após terem sido julgados na condução e terem ficado “presos” em duas cantoneiras diferentes.
A traição
A acusação foi contra os dois mortos e outros dois envolvidos, cujos nomes serão preservados, indicados pelas iniciais B.P.P.S e F.M.S. Esses dois também foram condenados a morte com os outros dois “acusados”, mas conseguiram escapar.
Palermo e Vieira decidiram trocar parte de um carregamento de cocaína contendo mais de 100 quilos da droga por tabletes de gesso. O objetivo deles era levantar um dinheiro para deixar a organização. Os dois sobreviventes, os quais eram amigos de Marcelo, teriam o ajudado.
A operação, entretanto, foi descoberta pelo PCC antes que fosse concretizada. Criminosos souberam da comercialização de cocaína em Campo Grande, desconfiaram e, posteriormente, receberam a confissão de que tratava-se de droga desviada.
Em uma primeira oportunidade, todos os quatro envolvidos no roubo da cocaína do PCC pediram desculpas, em uma reunião tensa – praticamente uma “audiência de conciliação”, que no jargão do “tribunal do crime” é chamada de troca de ideia.
Após essa troca de ideia, ninguém morreu, até porque acreditava-se que toda a droga teria sido devolvida. Mas não foi bem isso o que ocorreu. Dias depois, o carregamento chegara em São Paulo (SP), e nele ainda havia tabletes com gesso. Foi quando teve início as “prisões” (cantoneiras) e condução (“julgamento” via teleconferência).
O “julgamento”
A condução começou em 22 de julho do ano passado, na casa de um dos envolvidos, no Jardim Itamaracá, na Capital, residência que também serviu de cantoneira. Esse “julgamento” durou até a noite do mesmo dia, quando as “prisões” foram transferidas para a casa de outro membro da organização, no Jardim São Conrado.
Durante a condução, Palermo acabou sendo estrangulado ao vivo por um dos integrantes da organização e diante dos espectadores on-line – os “chefões-juízes”. Na sequência, mas não tão breve assim, Vieira, B.P.P.S e F.M.S. também foram condenados à morte.
Em um terreno baldio atrás do Aeroporto Internacional de Campo Grande, na região dos bairros Santa Emília e São Conrado, um Ford Fiesta foi abandonado pelos criminosos, os quais atearam fogo no veículo. B.P.P.S e F.M.S., que estavam amarrados ao lado do cadáver de Palermo, escaparam, mas Vieira, que estava no banco de trás, não teve a mesma sorte: morrreu carbonizado.
São réus pela execução sete pessoas: Ewerton Machado Alves (preso), Diogo Guilherme da Silva Firmino (foragido), Cristiago Nunes Dutra (foragido), Cleber Laureano Rodrigues Medeiros (foragido), Cezar Augusto Rocha Gonçalves (preso) e Felipe de Lima Ferreira (preso).
Também houve menores de 18 anos participantes dessa ação criminosa, segundo o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS) e a Polícia Civil.