No dia da entrevista concedida ao Correio do Estado, a sala de espera para falar com a secretária municipal de Educação, Angela Brito, estava lotada. E assim tem sido todos os dias desde que assumiu. “Chego ao trabalho às 7 horas, nem saio para o almoço e consigo sair só à noite”, resume, sobre a rotina para tentar resolver todas as pendências da pasta. Os problemas são muitos: falta de uniformes, pagamento da merenda e do gás atrasado e qualificação de professores esquecida. “Tudo estava para explodir”, afirma. No entanto, Angela garante ter muita disposição para resolver as deficiências e lutar para concretizar os sonhos que almeja para melhorar a educação, amparada na experiência como professora da educação infantil e nas atividades que já desenvolveu como superintendente de gestão de políticas educacionais.
Como foi sua trajetória profissional até assumir agora o cargo de secretária municipal de Educação de Campo Grande?
Assumir um cargo dessa dimensão, como a Secretaria Municipal de Educação, não é algo que acontece de um dia para o outro. Venho construindo uma história como educadora. Fui professora de educação infantil. Comecei na rede estadual em 1982 e minha primeira escola foi a Professora Maria Lago Barcellos, que funcionava em parceria do Estado e da prefeitura, no Bairro Nova Bahia. Fui por 15 anos professora da educação infantil, depois coordenadora pedagógica e diretora de escola, tudo na rede pública. Em 1996, fui para a Secretaria de Estado de Educação trabalhar como técnica, no setor de qualificação profissional, com formação de professores. Fiquei até 2001 no Governo. Então, trabalhei na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) no curso de férias. Nesse período, me desliguei da rede pública para começar a lecionar na faculdade da Funlec, onde fiquei até 1 de janeiro de 2014. Em 2007, fui convidada pela professora Maria Cecília (ex-secretária municipal de Educação) para ser a superintendente de gestão de políticas educacionais.
Como foi esse período de trabalho na secretaria?
Realizamos muitos trabalhos gratificantes, com a oportunidade de concretizar muitos sonhos de educadora. Sempre fui uma educadora idealista. Sempre acreditei que por meio da educação a gente transforma o mundo, transforma as pessoas. Como educadora e superintendente, a gente teve a oportunidade de, com a parceria da secretaria e professores, concretizar alguns sonhos.
O que pode destacar destes sonhos realizados?
Uma questão que sempre nos incomoda é o aluno não aprender. Afinal, por que um aluno aprende e outro não? Quando entramos na rede, tínhamos um índice muito alto de reprovação, pelo menos, do ponto de vista do educador. Tínhamos em torno de 20% de reprovação quando começamos. Se você fala esse índice, inicialmente, pode parecer pouco, mas se pensarmos num total de 100 mil estudantes, teremos 20 mil reprovados. Aí é muita gente, são muitas escolas. Na gestão da professora Maria Cecília, primamos pela formação dos professores. Se você não tem professores bem formados, não tem educação de qualidade. Então, um dos sonhos foi investir na formação continuada, oferecendo pós-graduação para quem não tinha, além de organizar um calendário para, bimestralmente, termos paradas para estudos. Para melhorarmos o índice, nós fizemos a recuperação dos alunos no contraturno. O aluno que não obtinha a média, era convidado para, no outro período, participar da recuperação. É um investimento feito no aluno que não conseguia aprender no tempo do outro. Isso tem que ficar bem evidenciado, pois a criança não é deficiente, mas tem algum tipo de dificuldade e temos que atender essas necessidades. Viemos com esse trabalho e deu certo: melhorou o processo de ensino e aprendizagem ao longo desses anos. Quando saímos da gestão estávamos com índice baixíssimo de reprovação, próximo a meio por cento. E o que é importante, junto com qualidade. Não é só passar o aluno sem saber; ele precisa demonstrar que tem conhecimento.
Como comprovar que essa qualidade estava sendo mantida?
Tínhamos as avaliações da rede e a nacional, as quais demonstraram que os alunos estavam aprendendo mais. Nunca como gostaríamos que fosse, mas dentro da média positiva nacional e até acima. Quando saímos nosso Ideb era de 5,6. Também criamos um projeto que foi modelo para educação nacional, que é o Travessia Educacional do Jovem Estudante (Traje), na Escola Osvaldo Cruz. Agora, queremos voltar a fortalecer a escola. No Brasil, temos cerca de 4 milhões de jovens, entre 15 e 17 anos, que não finalizaram o ensino fundamental. No Estado temos 28 mil. Quando fizemos o projeto, tínhamos 4.300 somente em Campo Grande. O colégio surgiu para melhorarmos esse número. Em média, 600 alunos são atendidos na escola, que funciona desde 2010. O projeto foi premiado e o Ministério da Educação passou a chamar Campo Grande para discutir as políticas dos jovens nessa idade. Uma pena que ficou numa certa letargia, pois a gestão anterior não investiu na escola. Pretendemos retomar isso.
O que muda agora com a Educação Infantil sob responsabilidade de gestão da Secretaria de Educação e não mais da Assistência Social?
Na gestão do prefeito Nelson Trad Filho, começamos a transição pedagógica e já trabalhávamos com a formação dos professores, mas o prédio e a gestão continuavam com a Secretaria de Assistência Social (SAS). Essa passagem, foi quase obrigatória, porque só Campo Grande não tinha educação infantil vinculada à Educação. Agora a gestão é 100% nossa. Estamos adequando recursos humanos, a gestão dos diretores, a gestão patrimonial, que ainda está em transição. Estamos planejamento compras e definindo prioridades para os Centros de Educação Infantil. Muitos precisam, urgentemente, de melhoria física.
E como está o processo das unidades ainda em construção que ficaram praticamente paradas?
Estamos num momento de integração dos secretários, definindo as prioridades com o orçamento. Temos dois Ceinfs praticamente prontos, só dependendo de pouquíssimos materiais, que devem ser inaugurados em menos de 60 dias. Certamente, mais seis ficam prontos até o fim de 2014. No próximo ano, temos mais 15 que serão entregues, os quais já foram construídos tendo como base modelo do Ministério da Educação.
A senhora assumiu a secretaria já com uma série de problemas para resolver, a exemplo da falta de materiais escolares e uniformes. Como está a situação da pasta?
Temos que entender a população, pois o pai que precisa comprar o material terá que gastar de R$ 100 a R$ 200. Então, acreditando que receberá da prefeitura, ele decide investir esse dinheiro em outra coisa. Os pais não esperavam essa falta, pois os kits são distribuídos há anos. Vamos concluir a entrega até o dia 10, pois as carretas já estão chegando. Decidimos não mudar a logomarca, pois iria demorar mais e o prefeito (Gilmar Olarte) não tem essa vaidade.
E em relação aos uniformes?
O processo de licitação estava parado e deve ficar só para o início do segundo semestre.Vamos abrir a licitação porque queremos seguir a legalidade, dentro do mais rápido possível. Conversamos também com aproximadamente 15 fornecedores de alimentos, que estavam com os pagamentos atrasados. Entrei na secretaria e, no dia seguinte, tivemos reunião. A merenda ia parar. Eles nos deram um voto de confiança, pois havia risco de suspensão do fornecimento. A Secretaria de Planejamento começou a efetuar os pagamentos, bem como do fornecedor de gás, que também estava atrasado. Estávamos perto de vivenciar o mesmo problema do ano anterior em relação à merenda. Agora, estamos adequando o processo do transporte das crianças na área do campo. Tivemos que pedir um tempo, pois também está inadequado. Parece que tudo estava para explodir. Não tinha ideia que estava nessa situação. Estamos priorizando as necessidades: oferecer merenda de qualidade, entregar os kits e voltar a formação de professores.
Essa formação também havia sido suspensa?
Ano passado não teve. Vamos fazer levantamento dos professores, pois antes um dos critérios era que ele fosse efetivo. Muitos entraram agora e não têm (essa formação). Vamos fazer parcerias com as universidades para manter esse processo. A seleção dos docentes ocorre de forma diferente, de forma até meio humilhante para alguns professores, pois chamaram todos até a secretaria, fazendo duas horas de informação sobre como é a secretaria. Antes ele fazia o cadastro, o diretor convocava e encaminhava para nós. Nosso papel é fazer a formação. Precisamos acreditar no diretor para escolher sua equipe. Muitos já estavam preparados e já tinham recebido formação da secretaria, achando desnecessário como tudo aconteceu. Muitas pessoas já tinham cadastro, viajaram e acabaram perdendo, pois achavam que era como antes.


