Uma proposta inusitada chamou a atenção durante as oitivas da 15ª oitiva da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Transporte Público realizada nesta quarta-feira (2) na Câmara Municipal de Campo Grande: a substituição gradual de ônibus por vans no sistema de transporte coletivo da Capital. A sugestão foi feita pelo vereador Maicon Nogueira (PP), alternativa para enfrentar a baixa quantia de veículos, superlotação e rotas ineficientes.
A ideia partiu da constatação de que, em determinadas regiões da Capital, a operação de grandes ônibus se mostra ineficiente diante da baixa demanda. Segundo o parlamentar, veículos menores e mais ágeis, como vans e micro-ônibus, poderiam atender com mais qualidade bairros afastados ou com topografia irregular, além de reduzir custos operacionais.
"É preciso pensar fora da caixa. Em muitas cidades, a utilização de vans melhorou o transporte, garantindo mais pontualidade e conforto ao passageiro. A gente precisa estudar se isso não seria viável aqui também", afirmou o vereador durante a sessão no plenarinho Edroim Reverdito.
Engenheiro e especialista em transportes, professor Jurandir Fernandes, ponderou que qualquer mudança desse porte exige estudos técnicos detalhados, análise do contrato vigente com a concessionária e, sobretudo, um planejamento integrado à mobilidade urbana. Segundo o especialista, a medida também viabilizaria a presença de cartéis em meio ao transporte público da capital.
Jurandir Fernandes destacou que soluções como vans podem ser viáveis em algumas rotas específicas, mas não devem substituir totalmente a malha de ônibus. “É possível pensar em uma estrutura complementar, que atenda áreas de menor fluxo, desde que integrada com os demais modais”, avaliou.
Atualmente, o transporte coletivo de Campo Grande enfrenta críticas recorrentes da população. Em diversas audiências da CPI, usuários relataram longas esperas nos pontos, veículos lotados e falta de segurança.
A comissão tem buscado alternativas e colhido depoimentos de técnicos e representantes da sociedade civil para formular um relatório final com recomendações e possíveis medidas legislativas.
A proposta de utilização de vans será incluída entre os temas analisados pelo grupo técnico da CPI. A expectativa é que o relatório final seja entregue ainda neste semestre.
Fernandes também abordou temas como tarifa zero, subsídios, modelo de concessão, precarização da frota e a importância de estudos como a matriz origem-destino. Ele também alertou para os riscos de decisões precipitadas sem considerar o contexto fiscal, urbano e social da cidade.
Tarifa zero: realidade ou armadilha fiscal?
Um dos principais pontos debatidos foi a viabilidade da chamada "tarifa zero", modelo em que o transporte público passa a ser totalmente gratuito para o usuário e financiado integralmente pelo poder público. O professor demonstrou ceticismo em relação à aplicação irrestrita da política em grandes centros urbanos.
“Se para subsidiar R$ 1,22 por passagem a prefeitura já enfrenta dificuldades, imagine se tivesse que bancar os R$ 6,17 da tarifa técnica integralmente. Isso seria cinco vezes mais caro”, argumentou.
Fernandes apontou que o subsídio é inevitável em qualquer modelo de transporte público moderno, mas que a tarifa zero deve ser cuidadosamente planejada. “É preciso garantir gratuidade para quem precisa, não para todos indiscriminadamente. Caso contrário, há risco de uso irracional e de colapso financeiro”, alertou.
Ele citou como exemplo a cidade de Maricá (RJ), que implantou a tarifa zero com sucesso por alguns anos, mas que teria suspendido o programa recentemente — informação que, segundo ele, ainda precisa ser confirmada.
Modelo de contrato e frota envelhecida
O especialista também criticou o atual modelo de concessão do serviço de transporte coletivo e defendeu a contratação direta do serviço por parte do município, como alternativa mais ágil e eficiente.
“Contratar o serviço em vez de concedê-lo pode ser mais rápido e até mais barato, especialmente em cidades com frotas pequenas”, disse. Segundo ele, esse modelo permite ao poder público manter maior controle sobre a operação.
Os vereadores reforçaram a gravidade da situação atual em Campo Grande. Conforme revelado na CPI, quase 50% da frota em operação possui idade média superior a 9 anos, quando o contrato exige média de 5 anos. A concessionária se recusa a renovar os veículos alegando desequilíbrio econômico-financeiro, cuja compensação pode chegar a R$ 370 milhões, conforme perícia apresentada.
Planejamento urbano e matriz origem-destino
Outro ponto abordado por Fernandes foi a importância da matriz origem-destino no planejamento do transporte coletivo. Ele destacou que, embora essencial, esse estudo precisa ser complementado por uma análise territorial e social mais ampla.
“O problema da mobilidade não se resolve apenas com mais ônibus. É preciso corrigir o uso e a ocupação do solo. Temos bairros dormitórios e centros de emprego separados. Falta uma ocupação urbana mais integrada, com escolas, postos de saúde e comércio nos próprios bairros”, explicou.
Segundo ele, cidades que adotaram escolas e unidades de saúde menores e espalhadas conseguiram reduzir a demanda artificial por deslocamentos longos e onerosos, o que contribui para a eficiência do transporte público.
Cautela e planejamento
Fernandes concluiu a participação ressaltando que soluções simplistas, como expandir o transporte gratuito ou impor mudanças bruscas no sistema, podem agravar os problemas existentes. Ele defendeu decisões baseadas em dados, planejamento urbano sustentável e responsabilidade fiscal.
“Não se trata de buscar culpados, mas de encontrar caminhos. A cidade precisa de uma saída viável, moderna e humana para o transporte coletivo. E isso começa com um debate qualificado, como o que está sendo feito aqui”, finalizou.
Os ônibus voltaram a pegar passageiros na noite de ontem, após três dias inteiros sem nenhum carro em circulação na Capital - Gerson Oliveira/Correio do Estado
Feito por Denis Felipe com IA


