Cidades

Entrevista

"Vivemos uma cultura de baixa tolerância à frustração e de pouca escuta"

Paulo Liberalesso analisa os desafios do diagnóstico e da inclusão de pessoas com autismo e TDAH em uma sociedade marcada pelo imediatismo, individualismo e baixa tolerância à diferença

Continue lendo...

Vivemos em uma sociedade marcada pelo imediatismo, pela produtividade e por uma intolerância crescente àquilo que escapa ao padrão. A escuta atenta, aquela que se faz com paciência, empatia e abertura à diferença, parece estar cada vez mais rara.

Nesse contexto, torna-se urgente discutir a forma como lidamos com a neurodiversidade, especialmente com transtornos como o autismo e o TDAH. Em meio a uma cultura de baixa tolerância à frustração, muitas vezes falta à sociedade o esforço real para compreender, acolher e se adaptar às singularidades de cada indivíduo.

Nesta entrevista, o médico neuropediatra dr. Paulo Liberalesso, especialista em Neurociências e referência em inclusão social, analisa com profundidade os principais desafios enfrentados por pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento. Ele estará em Campo Grande no dia 24, em evento promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul (OAB-MS).

O especialista aborda questões sensíveis e complexas, como o uso (e o abuso) dos diagnósticos, os perigos do preconceito disfarçado de opinião, os impactos do individualismo contemporâneo e os limites entre comportamento clínico e educação familiar. 

Qual o principal desafio da sociedade atual no que se refere à tolerância a pessoas com transtornos, como o autismo ou a hiperatividade?

O principal desafio da sociedade atual em relação às pessoas com transtorno do espectro autista [TEA] e transtorno do deficit de atenção, concentração e hiperatividade [TDAH] é superar a invisibilidade e o preconceito estrutural que ainda cercam essas condições clínicas.

Embora o conhecimento científico e o acesso ao diagnóstico tenham avançado muito nesta última década, a compreensão pública e a aceitação prática continuam bastante limitadas.

Muitas vezes, espera-se que pessoas com transtornos neuropsiquiátricos se adaptem a determinados padrões sociais, sem que haja um real esforço coletivo para promover ambientes verdadeiramente inclusivos, seja na escola, no trabalho ou nos espaços públicos.

O verdadeiro desafio, portanto, não é apenas reconhecer o transtorno, mas compreender e respeitar a singularidade de cada indivíduo, oferecendo o suporte adequado as suas necessidades específicas. 

Acredita que há um afrouxamento nos critérios que elevam os diagnósticos de autismo ou TDAH? Em geral, esse trabalho de diagnosticar está sendo bem-feito?

Atualmente, há uma preocupação legítima na comunidade científica e na classe médica de que esteja ocorrendo uma má utilização dos critérios diagnósticos. Não necessariamente no conteúdo formal dos critérios clínicos definidos pela Associação Americana de Psiquiatria, mas, sim, na sua aplicação prática, especialmente em contextos com pouca formação técnica e científica ou em sistemas pressionados por demandas educacionais e sociais.

Houve avanços positivos na identificação precoce do transtorno do espectro autista, mas isso também provocou a uma corrida por rótulos diagnósticos, muitas vezes como forma de acesso a serviços, benefícios ou adaptações escolares, o que pode gerar superdiagnóstico ou diagnósticos imprecisos.

Além disso, o diagnóstico do autismo e do TDAH dependem exclusivamente da análise clínica do comportamento, e não de marcadores biológicos objetivos [ou seja, não há um exame subsidiário que possa ser realizado e que firme de modo definitivo o diagnóstico dessas condições].

Isso abre margem para interpretações errôneas, em que características comportamentais individuais, da cultura ou de problemas contextuais [como traumas, disfunção familiar ou métodos pedagógicos inadequados] são rotuladas como transtornos neuropsiquiátricos.

Um outro aspecto importante a ser considerado é que, em um sistema em que a saúde pública tem demandas complexas e encontra-se sempre sobrecarregada, diagnósticos muitas vezes são feitos de forma apressada, sem uma escuta cuidadosa, sem avaliações complementares [neuropsicológica, pedagógica, neuropsiquiátrica, etc.] ou sem observar o desenvolvimento da criança ao longo do tempo.

Para entrar em um clichê, que pode ser a base do tensionamento das relações entre pessoas com esses diagnósticos e o restante da sociedade, qual o limite entre o autismo ou o TDAH e a má educação ou falta de educação?

Essa é, de fato, uma das tensões mais delicadas e recorrentes no debate público e também no debate clínico: onde termina as características clínicas de um transtorno do neurodesenvolvimento e onde começa a má-criação ou a ausência de limites que deveriam ser, supostamente, oferecidos pela família.

Esse limite existe, mas ele não é simples. Trata-se de uma linha tênue, que exige conhecimento técnico, escuta empática e olhar contextual. O autismo e o TDAH são condições neurológicas, com bases genéticas bem estabelecidas e manifestações clínicas que envolvem alterações na neurofisiologia cerebral. Ou seja, não se trata de comportamentos voluntários e que podem ser alterados mediante punições sociais.

Vou dar dois exemplos específicos: [1] uma criança com TDAH não consegue esperar não porque “não aprendeu que deveria esperar”, mas porque tem deficits em controle inibitório e regulação atencional que impedem esse comportamento. [2] Uma criança autista não olha nos olhos ou resiste a mudanças não por “falta de educação ou de orientação”, mas por alterações sensoriais, sociais e cognitivas específicas que fazem parte do transtorno neuropsiquiátrico.

Por outro lado, também não podemos deixar de observar que existem, sim, comportamentos inadequados que surgem por ausência de orientação ou limites claros que deveriam estar sendo oferecidos pela família [e isso vale para qualquer criança, com ou sem um diagnóstico].

E é exatamente aqui que surge um grande perigo: atribuir ao diagnóstico todos os comportamentos inadequados, o que pode levar à permissividade, à negligência educacional e à cristalização de padrões disfuncionais que perdurarão por toda a vida.

O verdadeiro desafio, portanto, é o discernimento clínico e pedagógico: entender que uma criança pode, ao mesmo tempo, ter um transtorno e precisar de limites claros e bem definidos.

No passado, pessoas com diagnóstico de autismo ou TDAH eram subjugadas, hoje talvez menos. A sociedade no passado, contudo, primava mais pelo coletivismo e menos pela individualidade. Como é ser autista hoje e no passado?

Essa pergunta toca em um ponto profundo e desafiador para nós que trabalhamos diariamente com crianças, adolescentes, jovens e adultos com transtornos do neurodesenvolvimento: a relação entre o contexto social e histórico e a experiência de ser autista nos dias atuais.

No passado, eu tenho a impressão de que a sociedade era mais comunitária e hierárquica, havia papéis sociais definidos, rituais de pertencimento e um certo acolhimento passivo. Muitas famílias protegiam silenciosamente os filhos que apresentavam algum transtorno neuropsiquiátrico, ainda que sem compreender exatamente o que se passava.

Hoje, com os avanços científicos, os direitos civis e a cultura da inclusão, ser autista significa poder reivindicar identidade, adaptar ambientes e exigir respeito às suas necessidades sensoriais, cognitivas e sociais.

Os diagnósticos de autismo são mais comuns nas classes mais altas? Ainda é um desafio tratar com dignidade pessoas com transtornos como esse nas camadas mais pobres da sociedade?

Sim, é um desafio enorme e persistente. Embora o autismo ocorra em todas as classes sociais e em todas as raças, os diagnósticos são de fato mais frequentes entre as classes economicamente mais altas, não porque haja maior incidência, mas porque há maior acesso a serviços de saúde especializados, informação de qualidade e capacidade de mobilização familiar. 

Nas classes mais baixas, os obstáculos são múltiplos, como a falta de acesso a diagnóstico precoce e uma quase completa escassez de serviços públicos de intervenção adequada para pessoas no transtorno do espectro autista. 

Tratar com dignidade uma criança com autismo em contextos de vulnerabilidade social e econômica exige muito mais do que boas intenções, requer políticas públicas estruturadas, formação contínua de profissionais e uma visão intersetorial entre saúde, educação e assistência social [o que, evidentemente, em um País com enorme desigualdade social como o nosso, torna-se um obstáculo quase que intransponível].

No individualismo de hoje, é mais difícil tolerar pessoas com transtornos?

Sem dúvida alguma. O individualismo exacerbado da sociedade contemporânea torna mais difícil incluir pessoas com transtornos como o autismo e o TDAH.

Vivemos em um tempo marcado pela pressa, pela produtividade e pela exigência de alta performance nas relações sociais e de trabalho. Mas pessoas com autismo e/ou com TDAH frequentemente enfrentarão dificuldades para corresponder a essas expectativas de forma satisfatória.

Atualmente, vivemos uma cultura de baixa tolerância à frustração e de pouca escuta, de modo que as relações tornaram-se utilitárias e imediatistas. Vivemos em um mundo contemporâneo em que o ideal teórico de normalidade culpabiliza tudo aquilo e todos aqueles que são, de alguma forma, diferentes.

Qual o limite entre o uso da terapia e da medicação para tratar os transtornos?

O limite entre o uso da terapia e da medicação no tratamento do autismo e do TDAH deve ser individualizado, ético e baseado em evidências científicas. Não há uma fórmula única, mas há princípios claros. A terapia é sempre o alicerce do tratamento, especialmente nas crianças.

Seja na forma de intervenções comportamentais [como a Análise do Comportamento Aplicada], psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicopedagogia ou apoio escolar], o objetivo é promover novas habilidades, autonomia e adaptação funcional.

A medicação deve ser considerada em casos específicos, como, por exemplo, quando os sintomas comprometem gravemente o funcionamento do indivíduo, em casos de comportamentos agressivos, violentos ou quando há autoflagelação.

Perfil

Paulo Liberalesso

Médico neuropediatra, Liberalesso é pós-graduado em Análise do Comportamento e em Neurofisiologia, mestre em Neurociências e doutor em Distúrbios da Comunicação Humana. 

Além disso, é diretor científico do Instituto de Ensino e Pesquisa em Saúde e Inclusão Social (Iepsis).

Assine o Correio do Estado

Cidades

Homicida se entrega à Polícia 8 meses após o crime

Homem estava foragido deste a data do crime, em abril

22/12/2025 17h00

Divulgação/PCMS

Continue Lendo...

Um homem foi preso ontem (21) ao se entregar na Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário do Centro Especializado de Polícia Integrada (DEPAC/CEPOL) após ter estado foragido por 8 meses por ter participado de um homicídio registrado na zona rural do distrito de Anhanduí.

O Crime

De acordo com as informações levantadas, o corpo de um homem foi localizado na manhã do dia 12 de abril de 2025, às margens de um córrego próximo à BR-163. 

As investigações iniciais indicaram que, no dia anterior ao desaparecimento, a vítima esteve no local na companhia de dois conhecidos, após consumo de bebida alcoólica. Apenas um deles retornou para casa. O outro passou a apresentar comportamento considerado suspeito e não foi mais localizado.

Após dois dias de buscas realizadas por familiares, Guarda Municipal e Polícia Militar, o corpo foi encontrado no mesmo ponto onde o grupo havia se reunido. Durante os trabalhos periciais, foram recolhidos objetos que podem ter relação com o crime.

Rendição

No dia 21 de dezembro de 2025, cerca de oito meses após o homicídio, o homem foragido compareceu espontaneamente à Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário do Centro Especializado de Polícia Integrada (DEPAC/CEPOL), onde confessou a autoria do crime.

Diante dos elementos colhidos, a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul representou pela prisão preventiva do autor. O pedido foi analisado pelo Poder Judiciário, que decretou a prisão preventiva no mesmo dia, resultando no imediato recolhimento do autor ao sistema prisional.

Cidades

Operação Natal:PRF fiscalizará 4 mil km de rodovias em MS

Polícia atuará no combate à alcoolemia ao volante, excesso de velocidade e ultrapassagens proibidas

22/12/2025 16h30

Foto: PRF / Divulgação

Continue Lendo...

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) inicia nesta terça-feira (23) a Operação Natal 2025, pmonitoramento que deve ocorrer em mais de 4 mil quilômetros de rodovias federais que cortam o Estado. 

Integrada à Operação Rodovida, a mobilização segue até o domingo (28) e pretende reforçar a fiscalização e as ações educativas durante o período de maior fluxo de veículos em razão das festas de fim de ano.

No Estado, policiais rodoviários federais atuarão a partir de nove Delegacias e 24 Unidades Operacionais, reforçando o, distribuídos em 11 rodovias .

A fiscalização será intensificada principalmente nos trechos e horários com maior índice de acidentes e ocorrências criminais.

Ao longo da operação, a PRF atuará com foco especial no combate à alcoolemia ao volante, excesso de velocidade e ultrapassagens proibidas. As ações contarão com o uso de câmeras de videomonitoramento e com o apoio da concessionária Motiva Pantanal.

Também estarão entre as prioridades da fiscalização o uso do capacete por motociclistas, o cumprimento do tempo mínimo de descanso dos motoristas profissionais, a proibição do uso de telefone celular ao volante, além do uso do cinto de segurança e do transporte correto de crianças em dispositivos adequados.

Restrição de tráfego

Durante a Operação Natal, haverá restrição de tráfego para veículos de carga com dimensões ou pesos excedentes nas rodovias federais de Mato Grosso do Sul nos seguintes dias e horários.

24 de dezembro de 2025 (quarta-feira): das 16h às 22h

25 de dezembro de 2025 (quinta-feira): das 16h às 22h

Operação Natal 2024

No feriado de Natal de 2024, foram registrados 48 sinistros de trânsito nas rodovias federais do estado, sendo 15 considerados graves. Ao todo, 49 pessoas ficaram feridas e quatro morreram.

O balanço final da Operação Natal 2025 será divulgado na segunda-feira (29) no portal oficial da PRF.

Orientações aos motoristas

A PRF orienta que, antes de viajar, os condutores verifiquem as condições do veículo, com atenção especial aos itens de segurança, como freios, pneus e sistemas de iluminação e sinalização.

A viagem deve ser planejada para evitar longos períodos de condução ininterrupta, respeitando pausas de descanso, especialmente após quatro horas ao volante.

Todos os ocupantes do veículo devem utilizar o cinto de segurança, e crianças devem ser transportadas em dispositivos de retenção adequados, conforme a legislação. Bagagens devem ser acomodadas em compartimentos próprios, evitando riscos em caso de acidentes.

Os motoristas devem respeitar a sinalização, os limites de velocidade e realizar ultrapassagens somente em locais permitidos e com segurança.

A PRF alerta que ultrapassagens mal executadas estão entre as principais causas de mortes nas rodovias federais. Em caso de chuva, é fundamental reduzir a velocidade, manter os faróis acesos e aumentar a distância de segurança entre os veículos.

Em situações de emergência nas rodovias federais, a orientação é acionar a PRF pelo telefone 191.

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).