“Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas./Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves”. É o que nos diz Manoel de Barros (1916-2014) em um trecho do poema “Mundo Pequeno I”.
Até parece que os versos do autor, o mesmo que proclama, em outro poema, a imensidão dos recantos, reais e imaginados, de toda infância digna do nome – “meu quintal é maior do que o mundo” –, foram escritos sob medida para a nova exposição de Adilson Schieffer. O artista inaugura “Pássaros do Meu Quintal” hoje, a partir das 19h, na Galeria de Vidro da Plataforma Cultural (Av. Calógeras, 3015).
Com 15 pinturas em óleo sobre tela e quatro gravuras, a mostra apresenta a série mais recente de Schieffer, que ele criou a partir da observação de aves “do Cerrado-Pantanal, em formas e paleta de cores da plumária de araras, periquitos e outros pássaros presentes no cotidiano de sua casa-atelier, uma bela chácara em Campo Grande”.
O nome de Adilson Schieffer, que nasceu em São Manuel, no interior de São Paulo, em 1957, marca presença no circuito artístico de Mato Grosso do Sul desde 1982, tornando-se identificado com a temática regional ao desenvolver uma ampla representação da paisagem – fauna e flora – e, sobretudo, dos povos ancestrais.
O artista também se dedicou a retratar, com o seu trabalho, episódios históricos como a Retirada da Laguna (1897).
TÉCNICA
Neste novo momento, após o tratamento de saúde em decorrência de um AVC, para o qual um grupo de amigos chegou a mobilizar a rifa com o sorteio de uma obra do artista, o público terá a chance de conferir o que pode ser visto como um retorno ao seu quintal da infância, com obras que, entre as apostas, “revelam o grande amor pela vida, a natureza e a arte, suas motivações primeiras”.
Ao longo de 40 anos de carreira, o artista consolidou a técnica que envolve riscos em baixo-relevo, assim como a produção de tintas de pigmentação natural e diversas técnicas gráficas. Suas pesquisas envolvem o povo guaicuru e a convivência com povos originários como os kadiwéus.
“A presente exposição contará com cerca de 15 pinturas em óleo sobre tela e quatro gravuras, em que a temática revela a delicadeza da observação do artista sobre os pássaros, de que tanto gosta e conhece, presentes com uma diversidade incrível em seu lar”, informa o material de divulgação da mostra, que foi selecionada pelo Prêmio Ipê, da Secretaria de Cultura e Turismo de Campo Grande (Sectur), na categoria artes visuais.
“A delicada presença dos pássaros, com cantos, plumária multicolorida, costumes e ciclos reforçam a forte conexão de Schieffer com a natureza, expressa de diferentes formas em sua vida cotidiana neste nosso quintal, o incrível Cerrado-Pantanal”, diz o informe.
OFICINAS
“Os pássaros retratados, longe do óbvio realismo, são apresentados quase como entidades, animais de força, seres que tornam nossa estadia pelo planeta possível, amorosa e encantada. Os pássaros inspiram aos voos simbólicos que precisamos dar para evoluirmos e levarmos mais cores, poesia e música a nossa consciência”, prossegue o documento.
As duas oficinas ministradas em contrapartida ao Prêmio Ipê, para crianças e adolescente de escolas públicas da Capital, seguirão o mesmo tema, dos pássaros regionais, mas a partir da técnica de monotipia sobre papel, compartilhando com os alunos a experiência do artista com a técnica em desenho e com esse modo de impressão.
O artista, cuja primeira formação foi em Arte-Educação, retomará o contato com o público infantil, com quem atuou por muitos anos. A expectativa é de que os aprendizes possam continuar a desenvolver suas aptidões, sem grandes dificuldades, com materiais que estiverem à mão – no caso, pigmento natural, tinta acrílica ou guache, suporte em vidro ou acrílico e papel sulfite.
VERSÁTIL
“Sou bastante versátil na forma como lido com os materiais, e estou sempre renovando a minha plasticidade”, diz o artista em um depoimento de 2013. Filho de um piloto de avião e de uma bordadeira, Schieffer conta que, aos quatro anos de idade, foi surpreendido pelos pais “pintando os gatinhos de uma ninhada no quintal”. Passou a ganhar o seu próprio dinheirinho ainda na primeira juventude, fazendo desenhos, cartazes e até outdoor para cinema.
TRAJETÓRIA
Em 1975, Adilson Schieffer descobriu a serigrafia, que passou a aplicar na criação de camisetas até ingressar na primeira faculdade, a de Arte-Educação, em Avaré, cidade mais próxima de São Manuel a dispor na época de uma formação superior na área.
Foi por amor que, em 1982, chegou a Campo Grande, onde logo ingressou na turma pioneira do então recém-criado curso de Educação Artística da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Prestou concurso para desenhista técnico da instituição no ano seguinte, foi aprovado e exerceu a função até 1995. Após conhecer uma reserva indígena na Serra da Bodoquena, a oeste do Rio Miranda, na fronteira com o Paraguai, o artista aproximou-se, de maneira cada vez mais intensa, da iconografia kadiwéu, que acabou servindo de mote para dezenas de trabalhos.
Ainda na década de 1980, junto a Henrique Spengler, ocupou um imóvel que pertencia à família do amigo e parceiro artístico, localizado na esquina da Avenida Calógeras com a Rua Dom Aquino. Além de servir de residência da dupla, o lugar converteu-se no point que ficaria conhecido como Unidade Guaicurus.
Misto de república artística e QG para troca de ideias da pauta sempre candente, e tão comum aos gênios criativos na tenra idade, a UG virou o endereço de discussões que estava mais do que na ordem do dia, como a suposta necessidade de uma arte que tivesse elementos capazes de representar, e fortalecer, o sentimento de uma identidade específica de Mato Grosso do Sul.
Alzira e Humberto Espíndola, Miska e Johnny, Ilka Galvão e os músicos do Grupo Acaba e do Takaretê estão entre as visitas mais assíduas.
Da geografia das terras indígenas e pantaneiras, que lhe deu o aprendizado para a decantação de tintas e para a extração de pigmentos do angico e outras espécies vegetais, migrou para outras temáticas, como a presença da natureza e de tipos humanos do ambiente urbano, aperfeiçoando sua técnica sobre lonita e baixo-relevo, sem nunca abandonar por completo o olhar sobre os povos ancestrais, a exemplo do que pratica na série “Kamasutra Kadiwéu”.
DE VOLTA AO QUINTAL
Em 2022, o artista, que já disse mais de uma vez aceitar palpites de quem compra suas obras durante o processo de confecção, prepara-se para voltar a morar no interior paulista. Manter-se na ativa – com telas, tintas e pincéis – e em contato permanente com MS também faz parte de seus planos.
SERIVÇO
Exposição “Pássaros do meu quintal”, de Adilson Schieffer
Galeria de Vidro/Esplanada Ferroviária
Rua Calógeras, 3015
De 7 a 21 de julho de 2022, das 7h30min às 19h30min