Camila Pitanga sempre teve suas convicções e ideais sociais bem delimitados. Por isso mesmo, a atriz valoriza quando tem a chance de unir seus princípios e ideologia com suas pretensões artísticas. E foi exatamente isso que ocorreu em “Aruanas”, série da Globo e do Globoplay, em que Camila vive a vilã Olga. O thriller ambiental, escrito por Estela Renner e Marcos Nisti, levanta debates sobre a exploração desregulada e acelerada dos recursos naturais na Amazônia e o complexo trabalho dos ativistas ambientais. “Quando recebi a proposta para ‘Aruanas’, vi que era importante dar corpo e voz a essa história que pode conscientizar as pessoas. É uma trama que fala da luta pela terra, defesa do meio ambiente e do ativismo ambiental. Tudo é calcado na realidade. Nos últimos anos, ficou mais agudo como essa ferida ficou aberta e necessária. É preciso entender quem são esses ativistas ambientais, esses heróis anônimos”, defende.
Aos 42 anos, Camila tem mantido uma regularidade pontual, mas intensa na tevê. Longe dos folhetins desde o fim de “Velho Chico”, a atriz, além de gravar a série “Aruanas”, integrou o elenco do especial de Natal “Juntos a Magia Acontece” e esteve à frente da última temporada do “Superbonita”, do GNT. “O ‘Superbonita’ foi uma experiência muito gratificante. Conheci mulheres e histórias que eu não tinha no meu repertório. Ampliei meus horizontes com as mulheres que participaram do programa”, valoriza.
P – Como foi seu processo de criação para viver a Olga?
R - Essa androginia, essa coisa mais escorregadia e dúbia, tem muito a ver com esse texto da série. A Olga tem uma solidão, mas também tem um amor, uma outra atmosfera. Eu fui tentando elaborar essas facetas para uma personagem que é quase uma esfinge nessa primeira temporada. Eu não me baseei em nenhum personagem prévio. Mas eu tenho muitos personagens em mim, vilãs e heroínas, como referência. Nessa primeira temporada, a gente sabe muito pouco da história da Olga, da intimidade dela. Por um lado, isso me dava uma liberdade enorme para compor. Fui tecendo várias facetas na sedução e nessa lógica matemática que ela tem para mover as peças. No início, a Olga seguiria uma linha muito mais sedutora, mas, ao lado da direção e dos autores, acabamos mudando isso.
P – Por quê?
R – A Olga é uma mulher que tem noção do seu poder de sedução, uma mulher rica com penetração no congresso e em outros setores elitistas da sociedade. A ideia inicial era ir por um lado de sedução tipo Jessica Rabbit, se valer do seu corpo. Ao longo da pré-produção, a gente viu que seria mais interessante ela ser mais racional do que investir nessa sexualidade. Isso seria o mais óbvio. A Olga foi pautada em frieza e sobriedade. Até reescrevemos algumas cenas para encaixar isso melhor. O prazer da Olga está na conquista do território. Não chegamos a zerar essa sensualidade dela porque o erotismo e o tesão também estão no jogo. A Olga tem o apetite pelo poder e pelo dinheiro.
P – Como funciona essa relação entre a Olga e o quarteto de protagonistas?
R - As mulheres da Aruana são pedras no sapato da Olga... Vai-se criando uma rivalidade, principalmente com a Verônica. Como se fosse um espelho ao contrário, porque a Verônica também é advogada e representa em termos de valores o oposto da Olga. Elas vão se tornando arquirrivais, porque em nome de cuidar dos remanescentes indígenas e dos rios que estão sendo contaminados pelo garimpo, trava-se uma disputa que parte para o pessoal.
P – Você consegue enxergar a vilania da Olga dentro da estrutura da sociedade atual?
R – Acho que a Olga e o Miguel (Luiz Carlos Vasconcelos) se enxergam como iguais, se interessam como iguais, mas ele é o chefe. Ela não mede esforços para valer o seu apetite por poder. Miguel e Olga cuidam de seu feudo e dos seus interesses, são individualistas. Eles não consideram nada a sua frente, são míopes da sua própria condição de humanidade. Estamos falando de uma luta que de um lado não há ética. Acho que é muito importante a gente compreender que quem sofre dessa miopia não dá valor ao patrimônio da humanidade que a Amazônia representa. É a miopia que mata, que aniquila e que se mata. São personagens que não se veem dentro da condição humana. Acho que a Olga traz um toque de Odete Roitman (personagem de Beatriz Segall em “Vale Tudo”). Ela tinha um desprezo pelo outro, pela própria família, estava nem aí para nada.
P – Recentemente, você se posicionou contra a Medida Provisória 910, que trata de regularização fundiária. Como você enxerga a política ambiental do atual governo?
R – É inadmissível essa MP. Tivemos uma grita muito forte. Foi um oportunismo tentar aprovar essa MP durante uma pandemia. É uma MP que busca formalizar ou institucionalizar a pratica da grilagem. A gente precisa ficar de olho para não ficarmos anestesiados com práticas assim. Estamos de olho no congresso e não podemos deixar isso passar em silêncio. Temos de botar nossas vozes no mundo. Houve uma grita e eles tiveram de recuar. A gente vê o desmonte do Ibama, da Funai. É um governo com uma necropolítica, uma política de extermínio. Mas temos uma sociedade que tem voz.
P – Inicialmente, “Aruanas” foi lançada no Globoplay. De que forma essa chegada na tevê aberta auxilia na luta pelo meio ambiente?
R – Antes, havia uma justificativa de desmatar em prol do desenvolvimento. Mas não há nada que justifique desmatar. “Aruanas” é para abrir os olhos e mostrar que não podemos nos acomodar com o que está acontecendo. É muito bom ver a série em um veículo como a Globo e termos êxito nessa exibição. Estamos falando de vida na série, a luta pela vida. Nos últimos anos, vimos uma piora em todos os níveis. Não há fiscalização, quem fiscaliza está atrelado a essa máquina de moer gente, números absurdos de desmatamento. É um tiro no pé. É uma política de desmonte e extermínio.
P – Você chegou a gravar algumas sequências da segunda temporada de “Aruanas” antes da paralisação dos trabalhos por conta da pandemia. Como vai ser essa nova leva de episódios?
R – Não posso dar muito “spoiler” (risos). Na próxima temporada, vamos ver mais a solidão dessa mulher, vamos ver o que está por trás da história da Olga.
P – Sua última novela foi “Velho Chico”, em 2016. Você tem planos para retornar aos folhetins?
R – Eu estou pronta para voltar às novelas. Estou de coração aberto, mas, por enquanto, não tenho nenhum projeto nesse sentido. Vou fechar essa segunda temporada quando a nossa rotina retornar. Mas estou completamente disposta.
Campanha verde
Camila tem um histórico de vínculo com grandes organizações de defesa do meio ambiente, como a WWF Brasil e o Greenpeace. Porém, para a atriz, o dia a dia também é importante para auxiliar na luta a favor do meio ambiente. “Temos o ativismo do cotidiano. É importante saber descartar o lixo de forma correta, saber de onde comprar, se organizar no dia a dia para isso”, pontua.
Nos últimos anos, Camila tem aprendido bastante também ao observar sua filha, a pequena Antônia, de 12 anos. “Minha filha me dá aula sobre vários assuntos. Ela virou vegetariana porque entendeu que isso é uma questão política. Claro que, na série, a gente fala sobre o macro, mas esse dia a dia também é muito importante”, defende.
Novo Mundo
Assim como boa parte do mundo, Camila foi pega de surpresa com a quarentena em decorrência do avanço da pandemia do novo coronavírus. A atriz acredita que a sociedade possa sair mais forte e melhor dessa experiência. “Ninguém será como antes, não tem como recuar. Precisamos fazer valer o respeito ao diferente. Fazer uma reconstrução. Me apego nessa janela de oportunidades para repensar o nosso mundo”, ressalta.
Apesar de se manter otimista, Camila sabe que mudar o pensamento de algumas pessoas é uma tarefa complexa. “Também não sou completamente Poliana. A pandemia veio para exacerbar as desigualdades no nosso país e no mundo. Mas sou otimista para seguir nessa caminhada, me instruindo. Espero que a humanidade acorde e faça valer seu desejo de vida”, torce.
Instantâneas
# Camila é filha do ator Antônio Pitanga e da atriz Vera Manhães, e irmã do também ator Rocco Pitanga.
# Em 1987, Camila tornou-se Angelicat, uma das assistentes de palco da apresentadora Angélica nos programas “Nave da Fantasia”, “Clube da Criança” e “Milk Shake”, na Rede Manchete.
# Ao lado Beto Brant, a atriz é diretora do documentário “Pitanga”, que narra a trajetória e carreira do ator Antônio Pitanga.
# Camila estreou no vídeo aos sete anos de idade, no filme “Quilombo”, de Cacá Diegues.



