A campo-grandense Beatriz Branco, 32 anos, pode afirmar com todas as letras que o chocolate mudou a sua vida.
Praticamente endeusado pelos brasileiros, que cresceram degustando brigadeiros e versões industrializadas – o doce tem até um dia nacional, comemorado ontem –, o chocolate nas mãos da jovem ganhou nuances que mostram o poder de ingredientes pantaneiros e que nem sempre são valorizados pelos sul-mato-grossenses.
Toda essa história começa em 2017, quando Beatriz decidiu que mudaria de vida, deixando para trás a carteira assinada e empreendendo de vez.
“Comecei a marca em 2017, em um projeto de empreendedorismo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Empretec. Era um curso da Organização das Nações Unidas (ONU) para quem quer aprender a empreender e incorporar essas habilidades para ter um negócio. Na época, eu nunca tinha trabalhado com chocolate, nunca tinha preparado um chocolate na vida”, conta.
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Beatriz nasceu em Campo Grande, mas cresceu no interior do Estado, em Coxim e em São Gabriel do Oeste.
“Minha infância foi no interior, onde tive contato com esses frutos do Cerrado, que nem sempre são muito conhecidos”, explica. Na juventude, acabou mudando-se para São Paulo, onde fez faculdade de Design de Produtos.
“Voltei para Campo Grande em 2017, já com essa ideia de empreender”, ressalta.
“Não queria mais trabalhar com carteira assinada. No início, pensei em algo ligado a mobiliário, móveis de marcenaria, que é uma coisa que eu também gosto, mas já tinha trabalhado com isso antes e o curso exigia que o modelo de negócio tinha de ser uma coisa fora da nossa expertise. Foi quando eu pensei em criar algo ligado à alimentação e à cultura do Estado. Tinha recém-voltado a morar em Campo Grande e queria algo local que valorizasse a nossa regionalidade”, frisa.
Ainda no curso de empreendedorismo, Beatriz criou a Angí Chocolate do Pantanal e, mesmo sem nem saber fazer o produto, recebeu 300 encomendas.
“Criei essa marca de chocolate orgânico, vegano, sem nenhum ingrediente alergênico, que todas as pessoas pudessem comer e conhecer os sabores da nossa terra. Eu criei a logo e é até hoje a mesma que eu uso, pensei na caixinha do chocolate, coloquei no Facebook e no Instagram e em uma semana recebi 300 encomendas do chocolate que não existia”, conta entre risos.
Com o projeto no papel, Beatriz decidiu se desdobrar para descobrir como fazer chocolate do zero.
O primeiro que surgiu foi de baru e guavira, de um licor que ela tinha em casa.
“Eu aceitei todas as encomendas e fui pesquisar no YouTube como fazer chocolate, achei um vídeo de como fazer chocolate vegano e pensei ‘vai ter que ser isso, é o que eu vou conseguir fazer’. Os primeiros foram de chocolate de baru e guavira, na verdade da cachaça de guavira que eu tinha. Acabei ganhando o curso porque fui a que mais vendeu, várias pessoas acharam muito legal a ideia”, relembra.
pantaneira
Beatriz se debruçou sobre as variedades de cacau e todas as informações sobre produtos pantaneiros.
Para criar os chocolates, ela estreitou relações com comunidades localizadas em Aquidauana, em Corumbá, em Ladário, em Anastácio, em Monjolinho e em Miranda.
“Meus ingredientes vêm do Estado inteiro e principalmente de comunidades lideradas por mulheres, mulheres agricultoras, extrativistas, elas colhem os frutos ou fazem a torra dessas castanhas. Fui visitá-las para poder comprar meus ingredientes em Mato Grosso do Sul, então hoje eu tenho como fornecedores 12 comunidades do nosso Estado, tradicionais, ribeirinhas e indígenas”, ressalta.
Segundo Beatriz, poder trabalhar de perto com as comunidades é um privilégio.
“Uma das coisas que me incentivou muito a continuar foi ver a importância que é a valorização do trabalho deles enquanto guardiões da nossa maior riqueza, que são os frutos e as árvores nativas da nossa região, inclusive para a nossa saúde”, frisa, ressaltando que a guavira, por exemplo, é capaz de ter mais vitamina C que a laranja, fruta mais famosa pelo feito.
Em 2020, a empresária foi pega de surpresa pela pandemia, mas decidiu, em vez de retroceder, se aproximar ainda mais das comunidades, criando a Comitiva Esperança, organização que auxilia na sobrevivência das pessoas que foram atingidas pela pandemia.
“Com a pandemia, as comunidades foram prejudicadas, porque travou tudo. Eles vivem de pesca, de turismo, das feiras, quem vai olhar para eles já que estão tão longe das sociedades? Porque eles são invisíveis, pensei em montar algo, um movimento para pegar doações e levar para eles. A ideia era mostrar que, com as queimadas, não são só os animais e a natureza que sofrem, mas as crianças, jovens e adultos que estão lá no meio, que estão inalando a fumaça”, finaliza.



Cristianne e Rinaldo Modesto de Oliveira
Isabella Suplicy


