Correio B

Correio B+

Capa B+: Entrevista exclusiva com a atriz e produtora Simone Zucato

"Nunca tive a preocupação em ter sucesso, porque o sucesso, para mim, deve ser o resultado de muitos trabalhos bem realizados".

Continue lendo...

A trajetória da artista Simone Zucato, é empenhada em levar experiências autênticas e reflexivas aos palcos e telas, a exemplo de “Sylvia - Uma Comédia Romântica”, sucesso da Broadway.

Tendo seu primeiro encontro com a arte na primeira infância, ao encantar os amigos de seus pais com passos de ballet, foi a partir dos 7 anos de idade, nos EUA, onde morava, que a jornada artística da atriz e produtora Simone Zucato floresceu, ao iniciar suas aulas de teatro no estudo elementar.

Desde então, sua paixão pela arte se tornou uma fonte inesgotável de estudo e dedicação, hoje refletida em sua trajetória de 16 anos de carreira, marcada por trabalhos na TV, como nas novelas "O Sétimo Guardião", "Cama de Gato", "Caras e Bocas", "Malhação" e “Corações Feridos”, e nos palcos, em peças como “A Toca do Coelho” e “Sylvia - Uma Comédia Romântica”, sucesso da Broadway que, após duas temporadas de sucesso em São Paulo, está em turnê pelo interior, onde, além do papel-título, assume também a idealização, produção e tradução do projeto.

Considerando o aprendizado algo contínuo e vital, a formação de Simone reúne uma série de instituições de renome, incluindo o Teatro Escola Macunaíma e a Escola de Atores Wolf Maya em São Paulo, além do curso livre de atuação da FAAP. No Rio de Janeiro, Zucato imergiu na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), O Tablado, e foi membro do grupo de estudos, liderado por Bárbara Heliodora.

Nos Estados Unidos, aprimorou suas habilidades com mentores ilustres como Robert Castle, no Lee Strasberg Theatre and Film Institute of New York, Nancy Bishop, Michelle Danner, Jandiz Strada e Susan Batson, além de participar de cursos livres na HB Studio, em Nova Iorque.

Embora dividida entre a tela e o palco, é nele que a artista destaca os dois momentos mais marcantes de sua carreira, e ambos são decorrentes de um grande encontro com Bárbara Heliodora, maior especialista em Shakespeare no Brasil, e que a convidou para integrar seu grupo de estudos.

Esse encontro foi fundamental, não apenas pela aprendizagem adquirida, mas também por um conselho de Heliodora, para que Simone se tornasse produtora de seus próprios projetos, e buscasse escolher papéis que desafiam e destacam seu talento. Já o segundo divisor de águas veio então com a  sua primeira autoprodução,a peça "A Toca do Coelho", que lhe proporcionou um período intenso de aprendizado e crescimento artístico, e que segue em ascensão com a realização de “Sylvia”, sucesso desde 2019.

“O teatro para mim é o cartão de visitas do ator; e o audiovisual é o resultado de muito, muito!, teatro, e ouvir o conselho de Bárbara (Heliodora), sobre me permitir escolher qual texto eu quero interpretar, se tornou uma maneira das pessoas conhecerem o meu trabalho e, consequentemente, aumentar as chances de realizar novos. E eu acho que é isso o que todo ator almeja: emendar um trabalho no outro e poder viver dessa profissão. Nunca tive a preocupação de ter sucesso, porque o sucesso, para mim, deve ser o resultado de muitos trabalhos bem realizados. Então, me produzir é uma maneira de me desafiar em bons personagens e assim me tornar uma atriz melhor para que tudo isso aconteça”, explica ela que, mantém ainda os estudos em dia, dedicando-se a aulas de dança, canto e francês, reforçando sua busca por conhecimento e crescimento pessoal.

E se tem algo que confirma ainda mais o poder dessa busca é o fato curioso de Simone ser também formada em medicina, uma faceta que surgiu a partir da influência e desejo de seu pai, que considerava essa uma profissão mais estável, e que, hoje em dia, só faz dela uma mulher ainda mais plural e versátil.

Embora tenha se destacado na faculdade de medicina e concluído o curso, ainda assim, certa de seu propósito como atriz, continuou seus estudos em teatro, equilibrando ambas as profissões.

Como médica viveu também uma jornada de responsabilidade e dedicação, mas em 2018, com a descoberta de um câncer de mama e a ciência das responsabilidades exigidas para quem, assim como ela, vive em uma dupla jornada, repleta de desafios emocionais, veio junto o desejo e a decisão de encerrar a prática médica para se dedicar integralmente à paixão pela atuação. 

“Sou extremamente grata à formação que meus pais me deram. Eles me proporcionaram o melhor com muito sacrifício e eu tentei conciliar as duas profissões até onde eu pude. Eu resolvi tomar uma decisão e seguir apenas como atriz. Serei médica para o resto da minha vida e sei que posso voltar a trabalhar como tal quando quiser; porém, para mim, é muito claro que, enquanto eu puder exercer apenas aquilo que me faz levantar da cama todos os dias, que é a paixão por atuar, eu seguirei apenas pelo caminho das artes, pela minha felicidade e minha saúde. Acho que posso dizer que o único chamado que eu tive de verdade foi o de ser Atriz, se fosse um bilhete, traria escrito a palavra ARTE em letra maiúscula”, afirma.

Foto: Pino Gomes

Cativada pela obra desde o primeiro momento em que a conheceu, em 2015, durante uma passagem por Nova Iorque, Simone foi apresentada à “Sylvia” pelo representante do autor, que chegou a ressaltar a sintonia entre a personagem e a própria Simone.

Como uma verdadeira apaixonada por cães, afinidade essa que permeia sua vida, desde sempre, cercada por esses companheiros leais, a artista soube imediatamente ao ler o texto, que desejava interpretar a cachorrinha - que já foi vivida também pela atriz Sarah Jessica Parker em uma das montagens da Broadway.

A primeira montagem do espetáculo aconteceu em 2019, e acabou tendo sua temporada interrompida pela pandemia. De volta ao cartaz, o reencontro com Sylvia, anos após sua primeira estreia, trouxe novas camadas de emoção e significado. As vivências pessoais, incluindo a Covid-19, a perda de seu pai e o nascimento de sua sobrinha, influenciaram a interpretação da personagem, que passa a ganhar novos contornos, conferindo-lhe uma profundidade ainda maior.

“É uma delícia fazer essa personagem e ter reencontrado ela depois de tudo o que vivemos nesses últimos anos me trouxe muita alegria. Muita alegria mesmo! Posso dizer que meus olhos voltaram a brilhar mais um pouco”, conta.

Simone também assume o desafio de produzir a peça, tarefa que a mergulhou em meses de intensa dedicação e perfeccionismo. Seu papel como produtora envolveu a supervisão de todos os aspectos do projeto, desde figurino e cenário até marketing e contratos.

Paralelamente, como atriz, Simone se submete a uma rigorosa rotina de exercícios físicos e estudos aprofundados da personagem para entregar uma interpretação à altura da montagem da Broadway que a inspirou e conta com a ajuda de um elenco assertivo, repetindo a parceria de sucesso com Cássio Scapin e descobrindo novas possibilidades com a atriz Vera Zimmermann e o ator Thiago Adorno, que garantem toda a energia e  dinâmica da peça, trazendo uma nova perspectiva e oferecendo ao público uma experiência única.

Capa do Correio B+ desta semana, a atriz e produtora fala com exclusidade ao Caderno sobre sua carreira, televisão e novos projetos.

A atriz Simone Zucato é Capa exclusiva do Correio B+ desta semana - Foto: Pino Gomes - Diagração: Denis Felipe e Denise Neves 

CE - Como e quando começa a sua história com a Arte? 
SZ - 
Na infância. Quando tinha entre 4 ou 5 anos já dançava ballet e me apresentava na casa dos meus pais pros amigos que vinham.

Vivi grande parte da minha infância e adolescência nos EUA e ingressei nas aulas de teatro ainda no estudo elementar. De lá para cá, não parei mais. Na verdade eu nunca tive que pensar no que eu queria fazer na minha vida. É como se eu já soubesse. 

CE - Se pudesse definir um divisor de águas na sua carreira artística, qual seria e por que?
SZ -
 Eu tive dois. Um deles se chama Bárbara Heliodora. Bárbara era a maior especialista em Shakespeare no Brasil e eu tive muita sorte em estar no lugar e na hora certa e ser convidada por ela para participar do seu grupo de estudos em sua casa, no Rio.

Fiquei lá por três anos e aprendi muito. Que presente era poder estar ali, dentre oito pessoas escolhidas por ela! Bárbara foi quem me aconselhou a me auto produzir no teatro. Então eu posso dizer que conhecê-la foi um divisor de águas para mim porque eu logo aprendi que não poderia esperar nada cair do céu.  E o segundo eu diria que foi

A Toca do Coelho, pois foi minha primeira autoprodução no teatro e eu tive a sorte de estar ao lado de colegas muito talentosos que me ensinaram muito. Ficamos dois anos em cartaz com a peça e posso dizer que foi um período de muito aprendizado. 

CE - Outra função que soma, além da de atriz, é a de produtora. O que te motivou a buscar pelos próprios projetos e se dividir à frente deles?
SZ - 
Bárbara Heliodora me aconselhou a fazer isso e o fato de eu ter me dado conta, na ocasião, de  que seria uma oportunidade para interpretar bons papéis, os quais eu escolhesse, e que poderia assim mostrar meu trabalho para as pessoas. O teatro para mim é o cartão de visitas só de ator; e o audiovisual é o resultado de muito, muito!, teatro.

Então, além de ter a possibilidade de escolher qual  texto eu quero interpretar, seria uma maneira das pessoas conhecerem meu trabalho e assim aumentar as minhas chances de ter outro trabalho. E eu acho que é o que todo ator almeja: emendar um trabalho no outro e poder viver dessa profissão. Nunca tive a preocupação de ter sucesso, porque o sucesso, para mim, deve ser o resultado de muitos trabalhos bem realizados. Então, me produzir é uma maneira de me desafiar em bons personagens e assim me tornar uma atriz melhor para que tudo isso aconteça. 

Simone Zucato - Foto: Pino Gomes

CE - Atualmente você está em turnê com a peça Sylvia, mas já são muitos anos à frente dessa produção. Como começa sua história com ela? 
SZ - 
Em 2015 eu comecei a procurar um texto que não fosse drama para fazer nos palcos brasileiros pois apesar de ser de minha preferência, o público brasileiro consome mais comédias e musicais e para quem produz, é mais difícil viabilizar um drama que uma comédia no teatro brasileiro. Estava em NY, quando o representante do autor me sugeriu Sylvia dizendo que a peça voltaria aos palcos da Broadway em outubro daquele ano e que ele achava que a peça tinha tudo a ver comigo.

Naquele mesmo dia eu estava indo para Los Angeles fazer um teste para cinema e li a peça durante o voo. Não via a hora de aterrissar para ligar para o escritório em NY e dizer que queria fazer Sylvia, pois terminei a leitura apaixonada pelo texto.

CE - Entre vários temas abordados pela peça, um deles é a relação do ser humano com o animal de estimação, no caso, os cachorros. Como é sua relação com eles?
SZ - 
Tenho muito amor e afinidade com os cachorros. Se estou na rua e vejo algum a duas quadras de mim, eles vêm até mim. Observo muito o comportamento deles. Sou daquelas que saem pegando cachorros abandonados, cuida e depois doa para uma família. Posso dizer que sempre fui cachorreira, cresci com cachorros a minha vida toda. Não saberia viver sem eles. 

CE - E como é dar vida a Sylvia? Embora ela seja uma cachorrinha, possuem algum tipo de afinidade?
SZ -
 Muitos amigos e pessoas da minha família já me falaram que acham que eu sou parecida com a Sylvia no quesito ingenuidade. Acho pela minha criação. Eu acredito nas pessoas, no bem, no que é certo e correto. Claro que muitas vezes me decepciono e sofro muito por isso, como todos nós. Mas quem me conhece costuma dizer que eu sou mais inocente que a maioria das pessoas. 

                                            Simone Zucato - Divulgação

CE - O teatro te desafia de diferentes formas como atriz e como produtora. Já na televisão, com sua experiência em novelas e séries, o que considera mais desafiador?
SZ -
 A televisão tem uma linguagem diferente do teatro. É maravilhoso trabalhar na TV. Ninguém faz ideia, como no teatro, de quantas pessoas estão envolvidas na produção de uma novela, por exemplo. É tudo muito dinâmico, e isso para mim é desafiador.

O fato de você ter que chegar pronta. No teatro você ensaia, você repete e vai se tornando cada vez melhor. Na televisão eu acho que você se torna cada vez melhor quando consegue fazer de primeira o que precisa fazer. Não é fácil, e exige prática, entendimento e estudo da personagem. É um processo delicioso pelo qual eu sou apaixonada. 

CE - Ao revisitar sua carreira no audiovisual, qual o trabalho mais gosta de destacar e por que?
SZ -
 Para mim o mais importante dos meus trabalhos no audiovisual foi em “O Sétimo Guardião”. Primeiro porque a minha personagem era uma homenagem à Lilia Cabral e à sua personagem Amorzinho, em Tieta. Então já era uma baita responsabilidade.

Segundo porque foi a segunda novela inteira que eu fiz, numa emissora que eu sempre admirei muito e que é uma casa onde todo ator quer trabalhar, com colegas maravilhosos que admiro desde a infância e que são referência para o meu trabalho, escrita por um autor bárbaro que é Aguinaldo Silva e com direção de um dos maiores diretores, que é Rogério Gomes. Fazer uma personagem que tinha o antagonismo de Liliane, uma beata fogosa, foi desafiador e agregador para mim.

E essa história se passar num contexto de realismo fantástico, com o qual eu nunca tinha trabalhado, me trouxe mais desafios e responsabilidades ainda. 

Em "Sylvia" - Foto: Victor HugoCecatto

CE - E quais são seus projetos futuros?
SZ - 
Posso dizer que no audiovisual tem algumas novidades das quais ainda não posso falar mas espero poder falar em breve. No teatro tenho alguns projetos lindos em andamento como produtora e atriz, e espero conseguir colocar pelo menos um deles nos palcos ainda em 2024.

Também estou trabalhando em dois roteiros - não sei ainda se serão para o teatro ou para o audiovisual porque não me inaudito escritora e nem roteirista, mas sei o que quero falar - porém sem previsão de data -, e abri recentemente uma produtora de conteúdo audiovisual para poder me auto produzir. Com o surgimento dos streamings, acho que todo ator deve seguir esse caminho da autoprodução. Não sou daquelas que fica esperando as coisas caírem do céu, então corro atrás.

O Sétimo Guadião - TV Globo

ENTREVISTA COM BIANCA

"A fauna pantaneira é a base musical das nove composições de 'Pantanal Jam'"

Cantora Bianca Bacha, da Urbem, fala como a paisagem natural de Miranda afetou o processo de criação e gravação do segundo álbum da banda, sobre a diferença entre o canto com letra e as vocalizações que são a sua marca e anuncia projetos nos EUA e Espanha

15/12/2025 11h00

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste ano

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste ano Divulgação / Alexis Prappas

Continue Lendo...

ENTREVISTA COM BIANCA

Recuperando para o leitor: como se deu a oportunidade do encontro e da parceria com o Ryan para o projeto do álbum “Pantanal Jam”?

Conhecemos Ryan Keberle no Campo Grande Jazz Festival [em março de 2024] e com ele tivemos uma troca musical instantânea. Tocamos juntos em um show no Sesc [Teatro Prosa] em setembro de 2024 e, a partir de lá, tivemos a certeza de que ainda faríamos muita música juntos.

No Pantanal, onde Ryan esteve pela primeira vez durante as gravações, ficou nítido que ele conseguiu transpassar para o repertório o encantamento que ele estava vivendo em meio a toda aquela natureza.

É o segundo disco, nove anos depois de “Living Room”. O que “Pantanal Jam” representa para a Urbem?

Este projeto é o nosso território sonoro: onde a música que criamos se entrelaça à natureza que nos guia em forma de jam. Na música, uma jam significa um encontro musical sem aviso prévio, as coisas vão acontecer ali na hora, portanto, o inesperado é bem-vindo e, com ele, você improvisa.

Qual seria o conceito geral do álbum?

O conceito do álbum nasce da escuta profunda da fauna pantaneira. Os cantos dos pássaros, o esturro da onça e os sons das águas e dos ventos não são efeitos nem pano de fundo: são a base musical das nove composições. A natureza atua como um músico a mais na banda de jazz, dialogando conosco em frases de pergunta e resposta.

Sandro Moreno registrou esses sons in loco, mergulhando no Pantanal para captá-los com precisão. Depois, analisou esse vasto material para identificar melodias, ritmos e motivos que se tornariam a essência das composições.

E, para fechar o ciclo, o álbum também foi gravado no coração do Pantanal. Com geradores a gasolina e um estúdio móvel, nós, a Urbem e o trombonista Ryan Keberle, levamos a música para o ambiente que a inspirou. E ali criamos, novamente in loco, em plena natureza selvagem.

Que tipo de referências buscaram para os arranjos, as sonoridades e as texturas?

Toda a referência e textura do álbum “Pantanal Jam” nascem dos próprios sons do Pantanal. A imersão no território e a escuta atenta transformaram cantos de pássaros, esturros, movimentos da água e vozes da mata em matéria-prima musical.

Cada faixa traduz essa convivência direta com a fauna e seus ritmos naturais, convertendo sons de bichos em música. Viva, orgânica e profundamente enraizada na paisagem pantaneira.

Isso está bastante perceptível. Os sons e toda a atmosfera do Pantanal atravessam o mood e talvez a própria concepção dos temas. Pode comentar um pouco mais sobre essa presença de elementos da natureza – e dessa natureza tão singular de MS – na criação de vocês?

A fauna, a luz, o silêncio amplo, os ventos, os cantos e até os vazios típicos da paisagem pantaneira influenciam diretamente a forma como criamos. É como se o ambiente nos orientasse musicalmente: às vezes guiando uma melodia, às vezes sugerindo um pulso, às vezes impondo uma pausa.

Esse encontro com a natureza não é decorativo, é estrutural. Ela atravessa tudo, o gesto musical, o espírito do disco e a maneira como a banda se relaciona com o som.

No “Pantanal Jam”, a paisagem não é cenário: é presença, é voz, é parceria criativa. É música.

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste anoFoto: Divulgação / Alexis Prappas

Onde exatamente estiveram e gravaram? E quando foi?

As gravações foram feitas na Fazenda Caiman, em junho deste ano, num cenário que não poderia ser mais inspirador. Foram escolhidas pela produtora três locações diferentes, e para cada uma delas, três músicas.

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste anoFoto: Divulgação / Alexis Prappas

Com uma equipe ultraprofissional que trouxe segurança e leveza para uma gravação ao vivo numa condição completamente inusitada.

E quanto ao repertório? Como chegaram às nove canções do disco?

Entre as composições, temos duas músicas do Paulo Calasans [“Swingue Verdejante” e “Suspiro da Terra”], um dos maiores produtores, arranjadores e instrumentistas do País, além de duas canções do Ryan Keberle junto com Sandro Moreno [“Paisagem Invertida” e “Entre Folhas”] e cinco composições nossas [“Espiral”, “Pluma”, “Voo Curvo”, “Barro” e “Canção do Ninho”].

Penso que o Pantanal é experimentado de um jeito bem particular por cada pessoa. Como é para você? Como aquele ambiente lhe toca e eventualmente interfere no seu jeito de cantar?

Tudo ali era extremamente inspirador. Dormir e acordar naquele lugar por alguns dias já me fazia até respirar de jeito diferente, com menos pressão e mais imersão.

Isso com certeza influenciou no jeito de cantar. Porém, o mais impressionante era saber que estava gravando um disco com toda aquela fauna ao redor, um jacaré no lago ao lado e uma onça a alguns quilômetros.

Embora domine há duas décadas o canto com letra e muitas vezes cante dessa forma em apresentações ao vivo, na Urbem, você investe sempre nos vocalizes e scats.

Todas as músicas do álbum “Pantanal Jam” usam a voz como instrumento, ou seja, não há letras nas músicas. Além de ser uma característica jazzística, esse estilo de canto se aproxima mais do cantar dos pássaros, a busca por seus fonemas e emissões.

Cada música exige uma altura e um escolher apropriado de sílabas que encaixem com a afinação e a expressão.

Adoro o canto com letras. Ali você tem palavras, interpreta, coloca ênfases. É até uma emissão de voz diferente. Só que comecei a me encantar com o mundo do jazz e toda essa coisa do canto que não usa palavras, o vocalize. E comecei a ouvir cantoras que cantam assim.

Tatiana Parra [cantora, compositora e professora paulistana] canta assim, nossa, de um jeito maravilhoso. A [portuguesa] Sara Serpa também. Tem também as divas mais antigas que faziam mais questão de improviso, o scat singing.

O canto sem palavra é muito desafiador porque ele é mais cru, mostra mais imperfeições de respiração, de emissão, de escolha de sílabas. E é muito improvisado. Porque a cada dia você pode usar uma sílaba diferente, pode caracterizar de uma outra forma.

Num dia vou fazer “u”, no outro dia posso fazer “a”, no outro posso fazer “e”. E você tem que descobrir ali, numa forma você com o seu corpo. E além de ter o desafio de você demonstrar o interpretar com emoção sem ter palavras.

Então é muito jazz [risos]. E acho muito bonito. Sempre vai ser um desafio. Sou com o meu corpo, com as palavras que eu escolho, que nem sempre são pensadas.

Claro que tem uma questão técnica de que o “i” você vai mais para um agudo, no “u” também; nos graves, você vai para outras escolhas, as consoantes também interferem. Gosto muito de passear pelas duas áreas. Tanto a área da interpretação com letra quanto a área dos vocalizes e texturas.

E Nova York? Pode contar um pouco sobre a recente temporada de vocês por lá?

O “Pantanal Jam” foi lançado em novembro deste ano com um show memorável em Nova York, durante a feira internacional de turismo Visit Brazil Gallery [na Detour Gallery], e a recepção foi extraordinária.

Pessoas do mundo inteiro, agentes de turismo, diretores da National Geographic, fotógrafos de natureza e profissionais de diversas áreas assistiram ao show com atenção absoluta.

Desde a primeira música, compreenderam nossa proposta e permaneceram maravilhados até o fim. Foi um momento histórico para Mato Grosso do Sul e para a arte sul-mato-grossense.

Esse resultado só foi possível graças ao apoio total da Fundtur e do seu diretor-presidente, Bruno Wendling, que acreditou no projeto desde o início e se comprometeu a nos apoiar tanto nas etapas de captação no Pantanal quanto no lançamento em Nova York. Além disso, segue impulsionando a campanha contínua de apresentar o “Pantanal Jam” ao mundo.

E faz sentido: ouvir o Pantanal desperta o desejo de visitá-lo, conhecê-lo e preservá-lo. O projeto reúne arte, natureza, conservação, turismo e toda a beleza única do nosso bioma, uma combinação que emociona e conecta o público global ao coração do Pantanal.

Além do álbum que já está lançado em todas as plataformas, temos uma série de vídeos das nove músicas e um minidocumentário.

Quando teremos shows da Urbem? Quais os próximos passos e projetos da banda?

A Urbem se sente profundamente entusiasmada em seguir os passos de Manoel de Barros, da família Espíndola, de Guilherme Rondon, Paulo Simões, Grupo Acaba, Geraldo Roca e tantos artistas que sempre beberam dessa fonte primária que é o Pantanal, transformando-a em arte para o mundo.

Recentemente, pesquisadores de Harvard e professores da UFMS colheram sons do Pantanal [pelo projeto Pantanal Sounds, que conta, entre outros, com nomes como o do violoncelista e professor William Teixeira], e esse movimento nos inspirou a ir a campo gravar os sons pantaneiros e a fazer composições dentro da nossa linguagem jazzística, incorporando esses registros naturais ao nosso modo de compor e evidenciando em música as belezas pantaneiras.

Temos planos de retornar aos Estados Unidos em breve e estamos em diálogo com a Embaixada do Brasil em Barcelona, onde palestraremos em março.

Além disso, a Urbem participará do Campo Grande Jazz Festival de Rua, no dia 21 de dezembro [neste domingo], em uma jam session com músicos locais e de São Paulo.

Assine o Correio do Estado

MÚSICA

Entre onças e tuiuiús, o jazz

Em parceria com o trombonista Ryan Keberle, com nove composições inspiradas na exuberância do Pantanal, URBEM lança segundo álbum; 2º Campo Grande Jazz Festival celebra o gênero na Capital, com apresentações gratuitas

15/12/2025 10h00

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro Moreno

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro Moreno Divulgação / Alexis Prappas

Continue Lendo...

Sem dar muitos detalhes, o baterista Sandro Moreno, quando conversou comigo, em junho, sobre o álbum que a Urbem gravaria com Ryan Keberle, adiantou que o projeto seria “algo muito especial”.

Após o show – memorável, diga-se – que fizeram juntos no Teatro do Mundo, o quarteto campo-grandense – além de Sandro, Bianca Bacha (vocais), Ana Ferreira (piano), Gabriel Basso (contrabaixo) – e o trombonista norte-americano foram para a zona rural de Miranda e se instalaram na Fazenda Caiman.

Foi lá que a magia aconteceu. Na estrada desde 2013 e com apenas um álbum lançado até então, “Living Room” (2016), a banda disponibilizou “Pantanal Jam” no Spotify no dia 29 de outubro, três dias antes do show que realizaria em Nova York, em um evento na Detour Gallery que uniu arte, gastronomia e turismo para promover o Pantanal.

São nove faixas criadas e gravadas com extremo apuro e sensibilidade, que alcançam os músicos da Urbem e Ryan num ponto bem elevado de suas capacidades.

Os temas soam como se os cinco artistas tivessem se deixado abraçar pela contagiante pregnância da natureza de Miranda, e Bianca Bacha confirma isso em entrevista exclusiva.

Melodias, pulsações e andamentos foram se definindo conforme eles mergulhavam em tudo que viam, ouviam e sentiam por ali: ventos, o canto das aves, “o esturro da onça”, como Bianca relata. Ouvindo os sons naturais, captados previamente por Sandro, que assina a produção musical do projeto, cada um estabeleceu sua conversa criativa com o Pantanal.

O registro dos sons naturais – de aves, por exemplo — introduz, se mescla ou faz a ponte para uma execução instrumental (voz inclusa) coesa e deveras inspirada, que não força a barra para sorver e devolver, em forma de música, a fartura que o habitat de Miranda oferece.

“Suspiro da Terra”, doce e pulsante, e “Paisagem Invertida”, essa mais selvagem e misteriosa, são uma prova disso.

Ryan pontua, preenche ou arremata sempre com uma precisão e desprendimento envolventes. Ana, como se ouve em “Espiral”, migra da base para os solos numa transparência que comove. Gabriel – em “Canção do Ninho”, por exemplo, que começa e segue na cama dos gomos que vai colhendo ao longo do tema – parece deter a justa medida para o desempenho de seu baixo.

"Foi uma grande honra participar da criação do ‘Pantanal Jam’. Os sons da Pantanal, do modo como Sandro captou, tiveram um papel direto no processo de composição das duas músicas que fiz para o álbum.

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro MorenoRyan Keberle, trombonista - Foto: Divulgação / Alexis Prappas

O tom e os ritmos dos sons naturais do Pantanal, inspirados por ideias musicais e paisagens sonoras próprias, criaram um clima que eu tentei capturar nas minhas composições. Quando nós gravamos, literalmente no meio de um dos lugares mais selvagens e remotos do mundo, a beleza e a energia natural nos inspirou a ouvir a natureza e um ao outro mais profundamente, o que resultou numa performance musical que demonstra uma profunda comunicação musical.

Adoro os músicos e a música da Urbem. E, desde que tocamos juntos em diversas ocasiões anteriores, eu compus as minhas músicas especificamente com o talento e a habilidade musical especial deles em mente” - Ryan Keberle, trombonista.

Sandro é um laboratório inquieto, dos pedais aos pratos de condução. E Bianca conduz os vocais numa têmpera e numa fruição que se articula como síntese do conjunto.

Comparações e referências são uma tentação no mundo do jazz. Mas a qualquer palpite sobre “Pantanal Jam”, é melhor calar e ouvir. É um álbum estimulante para esse silêncio de dentro, que nos faculta as melhores emoções da escuta e da experiência musical.

Brazilian jazz? Jazz? Ouça. Música apenas. E quanta música! Embrenhada e revelada nos refúgios de um lugar mágico, onde a natureza se recobra e o espírito se fortalece.

A Urbem lança “Pantanal Jam” hoje, às 18h, no Centro de Convenções Arquiteto Rubens Gil de Camillo. Apareça.

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).