Após o sucesso de três apresentações especiais em Juiz de Fora, Minas Gerais, Mouhamed Harfouch leva seu monólogo “Meu Remédio” para o Rio de Janeiro, com estreia marcada para 10 de janeiro de 2025, no Teatro Ipanema.
Dirigido por João Fonseca, o espetáculo traz uma narrativa profundamente pessoal e emotiva, onde Harfouch mergulha na sua história de vida, lidando com temas como identidade, pertencimento e aceitação de sua própria história. A peça é uma mistura de comédia e drama, resultado de um processo criativo íntimo que levou o artista a revisitar momentos de sua própria trajetória, especialmente sua relação com seu nome e sua herança cultural.
Com “Meu Remédio”, Mouhamed transforma um projeto profundamente pessoal em uma expressão artística única, tanto no palco quanto fora dele. O ator e cantor, que acumula mais de 40 produções teatrais em seu currículo, além de uma carreira de destaque na TV, é bastante lembrado por suas performances em novelas como “Pé na Jaca”, “Amor à Vida” e “Órfãos da Terra”, em séries como “Rensga Hits” e “Betinho - No Fio da Navalha”.
Sua trajetória inclui também produções teatrais musicais como “Querido Evan Hansen”, vencedor do prêmio de Destaque Elenco no Prêmio Destaque Imprensa Digital 2024, e em “Ou Tudo ou Nada”, trabalho que lhe garantiu uma indicação ao Prêmio Bibi Ferreira de Melhor Ator em 2016. Contudo, é agora, em "Meu Remédio", que ele se reinventa, assumindo diversas funções e se desafiando na autoexposição.
O espetáculo traz à tona questões do universo árabe, relembra episódios importantes que fizeram parte de sua jornada e revela, de forma sincera e orgânica, o impacto de suas escolhas em sua trajetória profissional e na vida pessoal.
“Meu Remédio" nasce da minha vontade de entender e compartilhar a relação com o meu nome, com minha história de vida, com a mistura de culturas que carrego. Sou filho de imigrantes – sírios por parte de pai e portugueses por parte de mãe.
Crescer com um nome tão emblemático em um Brasil dos anos 70, em que o preconceito e a dificuldade de aceitação eram muito presentes, não foi fácil. A peça é uma comédia, mas carrega uma reflexão sobre aceitação e pertencimento, sobre entender que, muitas vezes, o maior remédio é aceitar quem somos", explica Harfouch, que busca, com o espetáculo, tocar o coração do público ao falar sobretudo, como cada ser é único e especial em sua individualidade, origem e essência.
Embora a ideia de levar "Meu Remédio" aos palcos tenha surgido há dois anos, uma inquietação sobre o tema já acontecia desde a novela "Órfãos da Terra". Durante as gravações, Harfouch foi levado a olhar mais profundamente para sua própria história, sua relação com o pai e com os muitos imigrantes que o cercam. Esse desejo de explorar sua ancestralidade e as dificuldades vividas ao lidar com seu nome e identidade se intensificou ao longo das apresentações da peça "Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito", estrelada ao lado de Vera Fischer. A reflexão do ator durante a turnê foi o impulso que consolidou a ideia do monólogo e depois de meses de escrita, finalmente, o projeto tomou forma, desafiando-o para além da atuação solo.
A decisão de assumir a produção do monólogo, que é um dos maiores desafios da sua carreira, foi um passo corajoso. “Meu Remédio” não é apenas uma obra autoral, mas também o reflexo de sua visão como criador. “Já tinha produzido no começo da minha carreira, mas agora, com mais maturidade, me senti mais preparado para enfrentar esse desafio. Produzir e atuar ao mesmo tempo é uma tarefa árdua.
A maior dificuldade foi lidar com as duas funções e ainda me manter fiel à ideia que queria transmitir. Mas, com o apoio de grandes amigos e parceiros como Tadeu Aguiar e Eduardo Bakr, senti que tínhamos força para fazer isso acontecer”, revela ele, que viu na soma de funções um grande desafio ao ter que equilibrar seu tempo entre o papel de ator e o de produtor.
Já a parceria com o diretor João Fonseca foi outro pilar fundamental para tirar o sonho do papel. Com vasta experiência à frente de obras biográficas, a exemplo dos Musicais sobre a vida de Tim Maia, Cazuza, Cássia Eller, Elvis Presley e Tom Jobim, a condução do criativo trouxe à cena a delicadeza necessária para que o espetáculo equilibrasse o tom de comédia e a profundidade emocional da história. "João Fonseca é um amigo e um grande diretor.
Ele segurou a minha barra de maneira sensível e honesta, e acreditou no meu projeto desde o início. Sem ele, não sei se teria conseguido fazer essa transição entre o autor e o ator de forma tão tranquila", comenta ele sobre Fonseca, com quem repete a parceria afinada em “Homem de Lata”, monólogo online criado durante a pandemia.
O ator Mouhamed Harfouch é Capa exclusiva do Correio B+ desta semana, a primeira do ano de 2025.
Em entrevista ao Caderno ela fala principalmente sobre sua estreia com a peça "Meu Remédio" ainda este mês no Rio de Janeiro.
CE - Quando e como você descobriu sua veia artística? Houve alguém ou algo que te inspirou a seguir essa trajetória?
MH - Quando criança, eu gostava de me vestir com roupas dos meus pais e inventar personagens. Lembro que eu e minhas primas brincávamos na portaria da minha avó materna, criando personagens, situações e improvisando. O Amir fala que a criança é o melhor ator, porque ela realmente se joga na brincadeira de ser!
Mais tarde, na adolescência, fui levado ao teatro pela primeira vez por minha professora de português, em um trabalho extracurricular. Assistimos à peça “Confissões de Adolescente” no teatro Casa Grande. Fui embora achando aquilo o máximo! Até que um dia, minha tia Beth me levou escondido para fazer um teste de teatro... foi paixão à primeira vista!
CE - O que te motivou a transformar suas experiências pessoais em um monólogo? Como foi o processo de dar vida a esse projeto ao longo desses três anos, conciliando as funções de produção e criação?
MH - Minha vontade de falar sobre minha origem, minha ancestralidade e sobre meus pais. Acho muito corajoso um imigrante sair de sua terra, muitas vezes não por escolha, para tentar uma vida melhor, sobreviver, buscar um horizonte. Estava em turnê com outra peça, viajando com a Vera Fischer pelo Brasil, e já fazia tempo que eu queria produzir um espetáculo, mas ainda não sabia sobre o quê. Até que um dia, caiu a ficha: queria falar sobre meu pai, minha origem e minha dificuldade em aceitar o meu próprio nome. Esse foi o pontapé inicial!
CE - Durante sua trajetória, você enfrentou preconceitos ou obstáculos por conta de sua ascendência árabe? Como lidou com essas situações e como elas moldaram sua visão artística?
MH - Nasci na década de 70 e minha infância e adolescência foram nos anos 80 e 90. Naquela época, não tínhamos a consciência que temos hoje sobre o que é bullying, ou até mesmo da dimensão do quanto éramos e somos preconceituosos.
Ter um nome emblemático de outra cultura me colocava sempre em evidência, o que, muitas vezes, não era confortável. Foi preciso muito jogo de cintura e humor para sair de situações desconfortáveis. Brinco que esse nome acabou me fazendo virar ator, por sobrevivência! (Risos).
CE - Você já interpretou outros personagens com raízes árabes na televisão. Como essas experiências contribuíram para sua conexão com sua própria identidade cultural?
MH - Estou completando 30 anos de carreira e, antes de entrar na TV, já fazia teatro há uns 15 anos, mas nunca interpretei um árabe no teatro. Quando tive minha primeira grande oportunidade na TV, ela veio muito por conta do meu nome.
O produtor estava procurando um ator que falasse árabe para a novela “Pé na Jaca”, do Lombardi. Ele viu meu nome no banco de dados e concluiu: “Esse fala!” Mas eu não falo! (Risos) Foi graças ao meu nome que consegui fazer meu primeiro teste para uma novela, que acabou sendo muito importante na minha carreira. O que era para ser uma participação de 10 capítulos acabou virando a novela inteira, graças ao sucesso com o público.
CE - O que você espera que as pessoas levem consigo ao assistir "Meu Remédio"? Há algum aprendizado ou emoção que você deseja despertar?
MH - Todo nome carrega uma história. É curioso pensar que nosso nome nos é imposto, mas ao mesmo tempo é como nos apresentamos ao mundo. Um nome não fala só sobre nós; fala também sobre os que vieram antes de nós, nossos antepassados, suas jornadas e caminhadas. Conhecer e aceitar nossa origem nos liberta, nos ajuda a escolher melhor nossos próprios caminhos, nos fortalece e nos traz pertencimento.
CE - Participar de produções tão variadas no ano de 2024, como "Querido Evan Hansen", "Rensga Hits" e "Betinho", mostra sua pluralidade artística. Qual é o maior desafio de transitar pelo teatro, o cinema e a TV?
MH - Não penso na pluralidade, embora fique feliz com ela. Não penso se estou no cinema, no teatro, no streaming, na TV ou fazendo um show. A única coisa que sempre me preocupo é: contar uma boa história. Esse é o ponto que me fisga em qualquer trabalho. Claro que cada veículo tem suas especificidades, mas, se estamos embasados por uma boa história, tudo fica mais fácil!
CE - Como foi o desafio de interpretar uma figura tão icônica como Chico Buarque em "Betinho"? Como cantor, sentiu uma responsabilidade extra ao dar vida a ele?
MH - Confesso que fiquei surpreso com a escolha e, claro, muito feliz em dar vida a um ídolo do tamanho e da importância do Chico Buarque. Mas fiquei com medo, sim. Sou muito fã do Chico, admiro sua postura tanto como artista quanto como cidadão.
Foi uma honra imensa! Procurei não mimetizá-lo, nem criar uma caricatura, mas trazer a verdade da cena, especialmente contracenando com o talento do Júlio Andrade, que fez um maravilhoso Betinho. Chico tem uma simplicidade, uma timidez sincera e um senso de humor incrível. Quando recriamos o show no Memorial da América Latina para a campanha do Betinho, cantando “Brejo da Cruz”, fiquei muito feliz! Não foi fácil, mas me senti desafiado e instigado, o que foi maravilhoso.
CE - Em paralelo à atuação, você também tem uma carreira musical. Como andam os projetos nessa área? Tem planos de shows e gravações?
MH - 2024 foi o ano em que mais fiz shows na minha vida. Toquei em São Paulo, Rio, Curitiba e no interior do país, tudo isso conciliando com gravações e teatro. Dividi o palco com vários artistas que admiro.
Foi muito gratificante. Tenho fãs que gostam do meu trabalho autoral, escutam minhas músicas no streaming e até me cobram por lançamentos novos. Quem sabe? Acho que "Rensga Hits" também ajudou muito nesse sentido. O que me deixa feliz é que hoje a música e a atuação se complementam na minha vida, uma fortalece a outra, e meu trabalho só ganha com isso.
CE - A estreia da peça marca sua celebração de 30 anos de carreira. Imaginava estar onde está hoje? Como avalia essa trajetória?
MH - Carreira não é uma prova de 100 metros, é uma maratona. Nunca pensei na chegada; sempre me preocupei com o caminho, com as trocas e descobertas da estrada. Me sinto igual a quando comecei. Sei que estou fazendo isso há 30 anos e que estou quase com 50, mas não perdi a chama nem o brilho no olhar de seguir tentando e descobrindo novas possibilidades. "Meu Remédio" é a celebração disso. Me arrisco como autor, produtor e ator. Toco em lugares muito íntimos, me sinto exposto e desafiado. Então, está tudo certo! (Risos).
CE - Com tantos trabalhos, ainda há algum papel ou personagem específico que almeja? O que espera do seu ano de 2025?
MH - Espero oportunidades que me tirem da zona de conforto, que me façam crescer e me abram novos caminhos e horizontes. Que seja um ano leve, com muita saúde, trabalho, boas risadas e lindas novas histórias! Em 2025, quero rodar com meu monólogo pelo país e devo lançar a terceira temporada de "Rensga Hits", que já está gravada. E, claro, seguir com os shows e muita música!