O Dia do Samba, 2 de dezembro, pode ser apenas um pretexto para você tirar da gaveta, ou da memória, aquela receita certeira de feijoada, sempre apreciada por todos nos cardápios domésticos ou em restaurantes.
Muita gente, inclusive, tem como hábito comer “religiosamente” duas vezes por semana, em todos as épocas do ano, a iguaria de feijão preparada com cebola, cheiro-verde e pimenta, acompanhada de arroz, couve refogada, farofa e, a depender da região, torresmo, laranja, farofa, mandioca frita e o que a imaginação mandar.
Mas a relação entre o samba e a feijoada vem de longe e, se examinada mais a fundo, diz muito da miscigenação cultural que define a identidade brasileira. Vale a pena se deter por alguns parágrafos na história de uma dobradinha infalível que guarda toda uma tradição.
Por trás dela, ergue-se a figura emblemática de uma mulher negra no Rio de Janeiro das primeiras décadas do século 20. Estamos falando da Tia Ciata.
TIA CIATA
Ela nasceu na Bahia, em Santo Amaro da Purificação, no dia 13 de janeiro de 1854, e se tornou uma influente mãe de santo antes de também passar a ser considerada a mãe do samba. O próprio Carnaval, com as feições que se conhece até hoje, deve créditos à matriarca Hilária Batista de Almeida, nome de batismo da Tia Ciata.
Foi sob a alcunha de Ciata de Oxum que a jovem baiana, antes de se mudar para o Rio, aos 22 anos, recebeu, como se diz nas religiões afro-brasileiras, a confirmação do santo.
Vivendo na zona portuária, região central da então capital do País, Tia Ciata constituiu a sua prole de 15 filhos, fruto do casamento com um funcionário público. Além de cuidar da família, Ciata se mantinha firme no cumprimento dos preceitos dos orixás.
Virou mãe-pequena, o primeiro posto a comandar um terreiro ante a ausência da mãe de santo, e tornou-se presença cativa em diversas comunidades da chamada Pequena África, região de comunidades remanescentes de quilombos que compreendia o cais e alguns bairros.
O SAMBA
O pioneirismo de Ciata talvez tenha começado pela culinária. Entre os séculos 19 e 20, ela e outras tias foram as primeiras baianas a caráter, de trajes brancos, que circulavam pelas ruas a vender quitutes do Nordeste. Tanto a comida quanto a vestimenta, que confeccionavam para vender às colegas que não costuravam, garantiam o sustento de muitas famílias.
Não só pelos parentes e agregados, cada vez mais numerosos, a casa ia se enchendo de convidados, inclusive gente ilustre, a cada evento que a Tia Ciata informalmente ou não promovia, em formato de tertúlia, baile ou roda de samba, que era mesmo como tudo quase sempre terminava.
A ponto de a primeira canção classificada como samba – “Pelo Telefone”, de Donga, Mauro de Almeida e outros autores, gravada em 1917 – ter sido composta no quintal de seu casarão da Praça Onze, daí a ela ser atribuída a maternidade do gênero.
A FEIJOADA
E assim foi até a morte da matriarca, no ano de 1924, não raro de casa cheia, muita música e mesa farta. O auge foi a legalização das festas, que eram repletas de manifestações da cultura negra, então banidas recorrentemente pela força policial por ordem do governo.
Após ter curado o presidente Venceslau Brás (1868-1966) de uma enfermidade, ela conquistou o privilégio, para a época, de ter seus eventos autorizados no período do mandato do mineiro Brás, de 1914 a 1918.
No cardápio da Tia Ciata, consolidou-se, com o passar do tempo, um prato obrigatório para os dias de Carnaval, que já pontificava na sua e em outras mesas: a feijoada. Como justificativa para a dieta de uma refeição consistente, fortalecida pela grande quantidade de carnes, estava o jejum, que se estendia até a Semana Santa. A feijoada acabou se tornando mais uma distinção para Tia Ciata.
Para muitos, o preparado de feijão-preto, carnes de porco e tempero de pegada baiana era um banquete literalmente abençoado pelos deuses de origem africana. Não demorou para a iguaria seduzir as pequenas multidões que se avolumavam nas rodas de samba. Viu como feijoada e samba se entrelaçam como uma tradição multissensorial de cheiro, sabor e muito ritmo que mobiliza qualquer glutão?
O PLANO B
Se você amarelar na hora H e preferir celebrar o Dia do Samba com uma bela feijoada fora de casa, Campo Grande dispõe de dezenas de opções em diferentes regiões da Capital nos fins de semana. O dia mais certo é sábado, quando as mais consagradas casas que servem o prato abrem suas portas, não raro com trilha musical ao vivo. E, sim, com o samba predominando de ponta a ponta.
Anote ao menos três opções que costumam dar muito certo para quem tem a feijoada no coração e o samba no pé: Café Mostarda (Avenida Afonso Pena, nº 3.952, Jardim dos Estados, fone: 3301-9990), das 11h às 16h; Maracutaia Bar (Rua Sete de Setembro, nº 1.971, Jardim Aclimação, fone: 3222-2404), das 11h30min às 16h; e Chopperia Madalena (Rua 14 de Julho, nº 4.763, Monte Castelo, fone: 3306-3051), das 11h30min às 15h30min.
Feijoada
Ingredientes (para seis pessoas)
> 250 gramas de
feijão-preto;
> 150 gramas de carne-seca;
> 100 gramas de rabo
de porco salgado;
> 100 gramas de orelha
de porco salgada;
> 150 gramas de costela
de porco salgada;
> 150 gramas de paio;
> 150 gramas de linguiça
fina calabresa;
> 150 gramas de lombo
de porco salgado;
> 150 gramas de toucinho defumado em cubos;
> 100 gramas de cebola
em cubos;
> 50 gramas de alho
amassado;
> 4 folhas de louro;
> Pimenta-do-reino a gosto;
> Sal a gosto;
> 2 unidades de
laranja-pera;
> 50 ml de cachaça;
> 50 ml de suco de laranja.
Modo de Preparo
Coloque de molho em água fria, da noite para o dia, o feijão e as carnes salgadas, separadamente. No dia seguinte, troque a água do feijão e dê uma fervida nas carnes. Em um caldeirão bem largo, faça um refogado com a metade do alho, cebola, louro, pimenta-do-reino, óleo e o toucinho.
Adicione as carnes dessalgadas e desengorduradas e refogue bem. Depois de refogadas, adicione a cachaça para desprender os resíduos do fundo da panela. Espere evaporar o álcool por completo. Coloque o feijão com a segunda água do molho, 50 ml de suco de laranja e deixe ferver. Abaixe o fogo, tampe a panela e cozinhe.
Durante o cozimento, mexa de vez em quando para as carnes não grudarem no fundo e, se for preciso, acrescente mais água. Vá retirando as carnes à medida que forem ficando macias e reserve-as em uma travessa.
Deixe o feijão cozinhar até que fique tenro. Quando o feijão estiver macio, faça, em uma frigideira, um refogado com o restante do alho, cebola, louro, pimenta-do-reino, óleo e o toucinho. Junte a esse refogado uma concha de grãos de feijão. Amasse esses grãos com as costas da concha e refogue bem. Incorpore esse refogado ao caldeirão de feijão. Verifique o tempero e corrija, se for necessário.
Caso o caldo esteja muito líquido, aumente o fogo e cozinhe com o caldeirão destampado. Caso queira engrossá-lo, amasse o feijão com as costas de uma concha ou com um socador. Passe o feijão para uma tigela, distribua as porções de carne em travessas, corte a laranja em pedaços e sirva.


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