Um cineclube dos monstros. Assim se caracteriza a mostra Eles Voltam na Noite, que, de amanhã até 29 de junho, ocupa quatro espaços culturais de Campo Grande com atividades gratuitas – Museu da Imagem e do Som (MIS), Capivas Cervejaria, Central Única das Favelas (Cufa) e Casa de Ensaio. Além da exibição de 13 filmes, a mostra conta com oficinas e debates. Tudo de graça e com direito a pipoca durante as sessões.
Na programação, há filmes produzidos e lançados em um arco de tempo que cobre mais de oito décadas, de “O Gabinete do Dr. Caligari” (1920), uma das obras que definem o expressionismo alemão e, por consequência, serviu como referência para muito do que se produziu depois, ao norte-americano “Garota Infernal” (2009), tachado como um trash, e dos piores, quando de seu lançamento e que vem sendo reconsiderado desde então.
Dirigido por Robert Wiene, “O Gabinete do Dr. Caligari” marca a abertura da mostra, na Capivas Cervejaria (Rua Pedro Celestino, nº 1.079, Centro), amanhã, a partir das 20h. O filme será exibido com trilha musical ao vivo da banda Ovelhas Elétricas.
Na mistura de épocas, lugares e estilos, o traço comum entre os títulos de Eles Voltam na Noite é a presença de arranhões, mordidas e, não raro, sangue, seja em profusão ou apenas algumas gotas, às vezes nem isso, ficando apenas na sugestão, em uma palheta que varia do preto e branco ao colorido.
BRASILEIROS
O Brasil é representado por dois trabalhos do cineasta Ivan Cardoso que, entre outros pontos de interesse, mais que ilustram o chamado “terrir”, uma apropriação bem brasileira do mix terror e comédia: “Nosferato no Brasil” (1970), média-metragem rodado em superoito com o poeta Torquato Neto (1944-1972) no papel principal, e “O Segredo da Múmia” (1982), em que figura Wilson Grey (1923-1993).
Além do talento despojado e cirúrgico na construção de seus tipos, o ator é recordista, talvez o maior, no número de filmes nacionais.
Realizado pelo coletivo de cinema A Boca Filmes, com produção de João Pelosi e Aram Amorim e curadoria de Felipe Feitosa, a iniciativa destaca produções do gênero de terror que se constroem a partir de criaturas insólitas e ameaçadoras, tão características deste tipo de obra.
Além das exibições de filmes, o projeto oferece oficinas de sonorização e escrita criativa para cinema e promove ainda uma exposição temática.
Esta é a quinta edição do Cineclube da Boca, atividade de difusão e reflexão cinematográfica realizada desde março de 2022 por alunos e ex-alunos do curso de Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Ela engloba os trabalhos de seleção, exibição, contextualização, discussão e recomendação gratuitos de filmes não contemplados no cenário comercial de distribuição da capital sul-mato-grossense por meio de programações semestrais com recortes temáticos alternantes.
NOVOS OLHARES
O projeto tem sua importância, a princípio, na ampliação das ofertas de consumo de cinema para além do circuito comercial de distribuição (shoppings centers), este tomado pelo cinema hegemônico norte-americano, e iniciativas de instituições culturais privadas, as quais muitas vezes são pontuais e inconstantes.
Conceber uma curadoria que, durante meses, compreenda sessões que “conversem” entre si e lancem luz a filmes que, de outra forma, dificilmente seriam exibidos em público, sediando-se em espaços acessíveis e cuja entrada é gratuita, ao mesmo tempo que possibilita o acesso a públicos possivelmente escanteados pelas ofertas comerciais de cinema, faz com que uma cultura de consumo de arte seja fomentada em Campo Grande.
Segundo Felipe Feitosa, curador desta edição, fazer a seleção de filmes é sempre um exercício complicado.
“Nós conhecemos muita coisa, mas nunca vimos todos os filmes. Sempre acabamos tendo um número máximo de sessões, e isso implica na pressão de ter que escolher o filme certo. Mas qual é o filme certo? Sempre sigo pela ideia de que a melhor escolha é aquela que vai permitir um novo olhar, seja de um filme novo, de uma época diferente, de um movimento que o espectador não conhece ou de um país distante”, afirma.
“Encontrar obras que possam render boas discussões, nesse sentido, possibilita que nos encontremos com o cinema de uma forma mais enriquecedora do que normalmente fazemos. Acredito que essa seja a maior função do cineclube. Independentemente do recorte escolhido, as sessões servem para levar algo que agregue às pessoas, abrir o horizonte para diferentes formas de consumo cinematográfico e, a partir disso, fomentar uma cultura de cinema. Por isso o recorte do filme de terror é tão interessante”, diz o curador.
“Nós vamos poder nos aproveitar de um gênero popular e chamativo para levar variadas questões para as pessoas. Além de que o terror, historicamente, é o tipo de filme que, por ter um caráter frontal e ser barato, costuma tocar em certos assuntos que são ignorados por outras obras”, prossegue Felipe Feitosa.
“Logo, estamos diante de um mar de filmes ricos em política e cultura, e o nosso papel enquanto cineclube, assim como o meu enquanto curador e mediador, é o de trazer à tona essa diversidade e ampliar as possibilidades de consumo de cinema. Nossa intenção é de sempre mostrar que existe um universo para além das salas de cinema multiplex. E a ideia é fazer isso mostrando que o cinema dito popular pode ser profundo e que o cinema proclamado profundo também pode ser popular”, propõe.
OBJETIVOS
Todos os eventos previstos na programação desta edição do cineclube serão gratuitos e, amplificados pelo recorte curatorial da vez, capazes de, ao mesmo tempo, consolidar o público já recorrente às exibições atuais e alcançar novos potenciais espectadores.
Uma vez que o gênero de horror se trata de um tipo fílmico amplamente acolhido pelas audiências, em razão da sua inerente suscitação de sentimentos reconhecíveis como o medo e o nojo, e que, ao mesmo tempo, permite a diversos realizadores trabalharem questões importantíssimas acerca do mundo e da sociedade, a escolha pelo horror concilia os três principais objetivos do Cineclube da Boca.
Esses três objetivos são: tornar a oferta de exibições de filmes mais acessível; fazê-la chegar até o maior número possível de pessoas; e enriquecer a relação com o cinema dos indivíduos presentes antes, durante e depois das sessões.
A programação de Eles Voltam na Noite também contempla sessões inclusivas voltadas para pessoas com deficiência auditiva e oficinas de realização cinematográfica, além de uma exposição temática. Durante as exibições de filmes serão oferecidos refrigerante e pipoca gratuitamente.
My Secret Santa Netflix - Divulgação


