Às vésperas de completar 80 anos, em setembro de 2016, o escritor Luis Fernando Verissimo se tornou o centro do documentário “Verissimo”, de Angelo Defanti, o mesmo diretor do longa “O Clube dos Anjos” (2022), baseado na obra de mesmo título do autor gaúcho. Selecionado para o prestigioso Festival É Tudo Verdade 2024, “Verissimo” estreia amanhã nos cinemas de, pelo menos, 13 cidades – incluindo Brasília, Cuiabá, Rio de Janeiro e São Paulo – e deve chegar a Campo Grande nas próximas semanas.
A distribuição é da Boulevard Filmes, em codistribuição com a Vitrine Filmes e Spcine. A classificação indicativa é livre.
Como se vê, o universo de Verissimo não é novidade para Defanti, que, além de “O Clube dos Anjos”, já dirigiu dois curtas com enredo a partir de contos do escritor – “Feijoada Completa” (2012) e “Maridos, Amantes e Pisantes” (2008).
Com o documentário, Defanti mergulha não apenas na obra literária, mas na figura de Verissimo, que, embora seja uma pessoa bastante reservada, permitiu que a câmera o acompanhasse durante 15 dias enquanto se aproximava de seu 80º aniversário.
O cineasta conta que a filmagem entrou no cotidiano da casa, e, como se vê na tela, toda a família participou do filme. “Durante o mês de filmagens, fui rigorosamente todos os dias na casa. Para manter essa constância, compreendi logo que seria importante criar variações nos horários e nas atividades que registrava”, conta o cineasta.
“Os 90 minutos do filme são fruto de análise de quase 100 horas totais de material. A proposta inicial era ter os últimos 15 dias de 79 anos de um homem e os primeiros 15 de 80. Na montagem, vimos que o dia do aniversário em si era o inevitável clímax da história – guardadas as devidas proporções que um sujeito pacato consegue viver de clímax”, explica Defanti.
LENTO E INTROVERTIDO
O diretor conta que conheceu Verissimo ainda quando era universitário e foi pedir os direitos de um conto para fazer seu curta “Maridos, Amantes e Pisantes”, seu primeiro trabalho versando sobre o universo do escritor.
“Chegou a mim a notícia de que o Verissimo tinha gostado do curta. Foi a senha para procurá-lo a respeito de um dos grandes livros da minha formação e que poderia ser transformado no meu primeiro longa de ficção”, diz.
“Se eu era universitário antes, continuava universitário nessa ocasião, Verissimo muito imprudentemente me concedeu essa honra. Ao longo dos anos necessários para levantar o projeto, o destino acabou me levando muitas vezes a Porto Alegre. Não apenas ele, mas toda a família e a casa, outro personagem vital, me receberam algumas dezenas de vezes”, afirma o diretor.
Defanti descreve Verissimo como “um senhor de movimentos lentos, introvertido, não muito fã de socialização, com leve pendor ao sedentarismo” e cuja atividade mais corriqueira era ficar escrevendo no computador.
“Ele é quase um antipersonagem. O desafio era transformar a inação em algo luminoso. A estratégia foi oscilar entre uma observação muito próxima e uma investigação ampliada ao seu arredor. É um filme calmo e tranquilo, como o sujeito que examina, mas nutrido constantemente pela ideia de que uma pessoa é resultado de seu ambiente tanto quanto influencia nele. E a família Verissimo é um ambiente adorável”, revela.
PERSONAS
O cineasta também explica que tentou se manter o mais discreto possível na casa dos Verissimo, com uma equipe pequena composta por ele mesmo e, eventualmente, uma outra pessoa. “Demorou muito pouco até a câmera e eu deixarmos de ser novidade e virarmos parte da paisagem da casa, como um abajur ou uma cor de parede”, prossegue o diretor.
“Estar no café da manhã em um dia e no jantar no outro concedeu variação ao material, mas também baixou as guardas da família. Quando eu estava presente ou ausente, era mais ou menos a mesma coisa. Ainda que a relação tenha sido amistosa o tempo inteiro, tenho certeza que ficaram aliviados quando aquele mês chegou ao fim”, avalia o cineasta.
Defanti aponta que o filme apresenta um lado de Verissimo pouco conhecido, mesmo para quem é fã de sua obra. O escritor é tímido, enquanto sua mulher, Lucia, é mais extrovertida.
“O Verissimo encabulado de uma entrevista sendo tão ou mais retraído na vida eleva a observação do público a um outro patamar. Pois, se ele tem a obra irreverente da forma como todos conhecem e seus modos discrepam tanto dela, é natural buscar entrever a riqueza interior que certamente ocorre em sua mente. A persona pública e a persona íntima podem incrementar a visão sobre o autor e sua criatividade”, afirma o diretor.
Mariana Cervan: “Meu cachorro já foi meu ‘muso inspirador’”
George, um buldogue inglês falecido há sete meses, motivou vários dos textos escritos, por diletantismo, por Mariana Cervan. Mas a fisioterapeuta e empresária paulista de 39 anos, radicada em Campo Grande, escreve com prazer e despretensão desde menina. Sua estreia pública, sem contar as redes sociais, é hoje (leia na página B4), Dia da Literatura Brasileira, por conta da data de nascimento do escritor José de Alencar (1829-1877) .
“É algo natural que faço muito sem pensar. Não vou dizer que é terapêutico, pois não sinto a necessidade de escrever para aliviar algum tipo de sentimento. Mas, sem sombra de dúvidas, é a maneira pela qual melhor me expresso. A maneira com que melhor exprimo minhas opiniões”, diz Mariana, que ficciona com gosto ao ser perguntada sobre como se envolveu com a escrita literária.
“Era uma vez uma garotinha de nove anos que amava aula de redação. Sua professora da época dizia que um dia ela seria novelista e que suas histórias seriam conhecidas. Sua voz era anasalada e metálica por anos entregue ao cigarro. A garotinha não sabia disso naquela época. Considerava a professora amável, raquítica e com lindos olhos verdes. Ela nunca esqueceu seu nome: Silvia”, conta a mais nova escritora de Campo Grande.
“Tia Silvia ficava abismada com a quantidade de páginas escritas facilmente no caderno de brochura encapado de xadrez verde. A garota tinha facilidade. O fato é que essa garota nunca levou a sério esse lance. Era apenas um flerte. Sua dedicação à escrita, com o passar dos anos, se baseava nas cartas de amor para namoradinhos e nos preparativos para o vestibular. Sempre venerou uma folha de papel em branco e uma caneta de ponta fina”, continua.
“E esse flerte descompromissado, infiel, sem exclusividade alguma, perdurou por décadas. Ela nunca levou a sério. Até pouco tempo atrás”, arremata a fisioterapeuta, antes de deixar a ficção para prosseguir com o relato.
“Comecei a ter consciência da minha facilidade e do gosto por escrever nessa época. Hoje, percebo que algo que faço de forma recreativa poderia ser de fato levado a sério”, retoma a empresária.
“Engraçado que as pessoas mais próximas sempre exigem textos em seus aniversários ou em alguma data comemorativa [risos]. Mas seleciono bem para quem escrevo, afinal, é necessário inspiração e certo sentimento envolvido. Não tenho muito critério. Depende bastante do que estou vivendo no momento ou do tipo de mensagem que quero passar. George já foi meu ‘muso inspirador’ em vários momentos, e fazia da vida dele um livro de crônicas à la ‘Marley e Eu’”, afirma a literata, que hoje tem dois cães adotados.
“Já escrevi sobre pacientes e situações vividas no hospital, por exemplo. Já escrevi sobre histórias de amor, sobre situações vividas na infância ou textos elaborados para um fim específico, como direitos das mulheres, sobre minha antiga profissão, etc. Hoje em dia, meu público nas redes sociais é completamente feminino, e é para elas que muitas vezes escrevo, principalmente sobre maternidade. E por lá gosto de fazer um movimento importante, incentivando a leitura desde a infância, assim como eu fui incentivada pela minha mãe”, diz.
“Hoje em dia, é preciso muita disciplina e gerenciamento do meu tempo para escrever. Sou mãe de dois meninos pequenos, divido meu tempo com as coisas da casa, família, trabalho, estudo, produção de conteúdo para rede social. Enfim, o dia sempre é insano. Mas meu momento geralmente é à noite, depois que todos estão em suas camas. Não tenho nenhum ritual específico. A ideia vem e coloco no papel, independentemente se estou no computador, no bloco de notas do celular ou na minha agenda”, conta Mariana.
“Definitivamente, gosto de escrever crônicas, baseadas em fatos reais ou não. Gosto desses tipos de textos curtos que geram polêmicas, emoção, reflexões sobre acontecimentos corriqueiros do nosso dia”, revela. Pensa em publicar em livro, Mariana? “Sim. Acredito que meu grande sonho seja ser reconhecida pelo que escrevo e pela maneira com que faço as pessoas se sentirem com minhas palavras”.
Tem autores preferidos? O que anda lendo? “Sou aficionada pela Martha Medeiros, quando se trata de crônicas. As ficções com um suspense atrelado são os que geralmente eu devoro. Sou apaixonada pela escrita fluida e versátil da [sino-americana] Tess Gerritsen, por exemplo”. E quanto ao primeiro e último livro que leu? “O primeiro livro que li foi ‘Pollyanna’ [1913], de Eleanor Porter. Estou lendo hoje ‘A Vila dos Tecidos’ [2022, Anne Jacobs]”, conta Mariana. (Da Redação)



Chayene Marques Georges Amaral e Luiz Renê Gonçalves Amaral
Camila Fremder
Equipe do curta-metragem posa em um boteco da cidade com a diretora Gleycielli Nonato Guató (em pé, à esquerda, de blusa preta) - Foto: Divulgação/Marcus Teles


